terça-feira, outubro 10, 2006

Carta a um historiador de um tempo futuro

"O prezado historiador deve estar tecendo conjecturas a respeito da credibilidade desse meu depoimento. Não estou certo? Deve estar verificando, em suas fontes de consultas, quem foi esse tal de Lula Miranda. Qual os seus interesses em defender o governo? Estaria defendendo interesses próprios, privados, decerto – você deve estar pensando. Pode pesquisar à vontade. Não tenho cargo no governo. Nunca freqüentei a intimidade de palácios. Não tenho nenhuma relação, pessoal ou profissional, com o presidente, tampouco com nenhuma autoridade desse governo. Deles nunca recebi benefício ou favor. Não, não sou pobre. Não sou negro. Por que então defenderia um governo que é pródigo em políticas públicas voltadas para inclusão de negros e/ou de pobres? – seguiria indagando você. Meus filhos – sequer os tive, veja bem, tamanha a minha amargura com esses tempos em que vivemos – ou enteados (esses os tenho), ou mesmo sobrinhos, não cursaram universidade sob os auspícios do louvável ProUni. Ninguém da minha família recebe bolsa-família. Sou, meu prezado arqueólogo dos fatos, talvez para seu espanto, um membro da tal "elite branca". Sou branco dos olhos claros – não que veja nenhum mérito nisso, cito apenas para registro e para, digamos, clarear os fatos. Estudei em boas escolas. Cursei as melhores faculdades. Comi, desde sempre, em bons restaurantes, bebi as melhores bebidas. Pude adquirir e ler os melhores livros. Pude viajar, conhecer novas paisagens e culturas. Sou, portanto, um dos poucos privilegiados desse país. Mas não posso – em absoluto! – associar-me com os que desejam um país só para uns poucos (ver Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freyre). Não posso compactuar com a mentira, com a injustiça e com o linchamento de um homem de bem e de um governo voltado a atender os interesses dos mais pobres. A exemplo dos abolicionistas de outrora – sim, talvez seja apenas um idealista, não nego - sonho com a libertação desse povo escravizado do meu país. Sim, pois a escravidão não acabou, ao contrário do que diz a História. O povo segue escravizado por privações e interdições de seus direitos mais básicos e essenciais – primários até. Ela, escravidão, persistiu por muito tempo, diga-se, e ainda resiste, dissimulada, sob outras roupagens e nomenclaturas."

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