sábado, abril 30, 2011

O mistério do Poder

O mistério do poder
JOÃO UBALDO RIBEIRO
Ilustração, Fonte: Aqui.

Ilustração Foto, Fonte: Aqui.

O mistério do Poder

Foto político gordo e corrupto
João Ubaldo Ribeiro






O poder, pelo menos no Brasil, apresenta grandes paradoxos ou mistérios. Alguns são de importância pequena, como, por exemplo, o fato de que, com a notória exceção do vice-presidente, o poder contém elevadíssimo teor calórico. Não sei se vocês já repararam, mas o poder engorda. Qualquer série de fotos do tipo "antes e depois" mostraria isso. Entre as mulheres, talvez porque sejam minoritárias na política ou porque caprichem mais nas dietas, isso não é tão visível, mas, entre os homens, a regra é geral. O sujeito ocupa um ministério e, uns quatro meses depois, já é obrigado a renovar o guarda-roupa. Se consegue permanecer no poder anos ou décadas, torna-se praticamente irreconhecível, em relação ao escaveirado idealista que hoje está no quinto partido e e em que já não votamos mais - embora não adiante nada, porque outros votam. É como se a natureza quisesse desmentir o que o político aparenta ser, mostrando em suas, dele, enxúndias, como na verdade, de uma forma de outra, ele vai se cevando à medida que exerce posições de poder.
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O mistério do Poder

Político Rico
João Ubaldo Ribeiro





Outro mistério, creio que correlacionado ao primeiro, é que, sim, existem políticos honestos. Vamos até dizer que sejam a maioria. (Contenham as risadas, não fica bem, trata-se de um assunto sério.) Mas é difícil encontrar um político militante que não tenha se arrumado na vida, passando muitas vezes de pobre de classe média baixa para proprietário de um sítio em Teresópolis, uma casa de praia no Guarujá, um apartamentozinho no Rio, outro em São Paulo, uma casa em sua cidade natal, às vezes até uma estaçãozinha de rádio ou tevê, não raro uma ou duas fazendinhas. Não estou acusando ninguém, mas vocês já devem ter reparado nisso. Talvez seja algo relacionado com o velho dito de que o rio só corre para o mar, pois, se não é furto ou usufruto de vantagens duvidosas, é que uma lei econômica qualquer os favorece. Grande parte dos figurões políticos nacionais nasceu em classe média ou baixa e hoje, com o peso bem acima do normal, pode ser considerada rica. Eles não roubaram nada, claro, muitas vezes têm até uma declaração de bens em seu nome bastante modesta, mas são riquinhos ou, pelo menos, abastadozinhos. O poder, do mesmo jeito que é abundante em gordura e carboidratos, exerce uma atração magnética em dinheiro e bens, é um fato espantoso, que a ciência ainda não soube explicar.
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O mistério do Poder

Político e gente interesseira
João Ubaldo Ribeiro




O poder também é como aqueles desodorantes que, quando o sujeito o aplica nos sovacos, é sexualmente violentado por uma mulher estonteante e ensandecida, dentro de um elevador. Não deve ter nada a ver com a possibilidade de nomeação para cargos de confiança ou a concessão das muitas vantagens disponíveis no vasto arsenal montado por séculos de jeitinhos, capazes mesmo de fazer com que os adicionais acabem valendo mais do que o principal. Talvez seja até porque os marqueteiros eleitorais escolham os desodorantes certos para os candidatos que assessoram. Ou talvez porque o poder seja mesmo afrodisíaco, como informou certa feita Henry Kissinger, transformando os que o detêm em casanovas irresistíveis. (Aliás esse fenômeno também é comum nos Estados Unidos, estando aí as figuras de Franklin Roosevelt, John Kennedy ou Bill Clinton, que não me deixam mentir - e até o austero general Eisenhower, cochicham línguas más, tinha lá o seu cachinho.) Não sei, não estudo o assunto, só especulo ociosamente, mas é difícil achar político que não possa ser rotulado de espada invejável - no bom ou no mau sentido, como queiram.
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O mistério do Poder

Político e nepotismo
João Ubaldo Ribeiro




As famílias dos políticos partilham com eles de algumas dessas características, notadamente a de se dar bem na vida. Creio que relativamente poucos políticos arrumam para seus parentes empregos, cargos ou benefícios diretamente oriundos do Estado, mas um cartãozinho aqui e outro acolá podem obrar milagres. Ninguém cobra os favores feitos, trata-se de uma coisa desinteressada, provocada somente pelo fato de o sujeito estar ligado ao poder. Um filho arruma um posto na diretoria de uma empresa poderosa, um sobrinho consegue condições indescritíveis para comprar um apartamento e assim por diante. Isso funciona tão bem que muitos políticos fundam dinastias, através das quais o pessoal da família ocupa posições de poder durante décadas - ou séculos, sei lá.
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O mistério do Poder

Político e competência
João Ubaldo Ribeiro





Mas o principal paradoxo do poder é que todos se queixam do vale de lágrimas em que se meteram e da cruz que carregam às costas, depois de entrarem para a política. Não há um minuto de sossego, a imprensa não sai do pé, os eleitores querem até dinheiro, a carga de trabalho é impossível de suportar.
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O mistério do Poder

Político e candidatura
João Ubaldo Ribeiro





Vivemos uma festa democrática faz pouco tempo, viveremos outra, nos municípios onde se realizarem segundos turnos. Em torno de nós só se sente a vibração cívica, nossa e de nossos compatriotas. Todos sabem que tudo continuará a mesma coisa para sempre, é assim que foi feito o mundo, são essas as regras do poder. Só que às vezes, vivendo no meio da guerra civil em que estamos e não queremos reconhecer, fico desconfiado de que alguma coisa poderá mudar - e não necessariamente para melhor. Vou ver o que acontece desta vez e, se continuarmos na mesma, acho que vou me candidatar para ganhar. Engordo, fico rico, arrumo uns empreguinhos e uns contratinhos para quem me for mais chegado e, se finalmente o negócio engrossar, aproveito que tenho um filho português e peço asilo em Lisboa, com direito a uma eventual viagenzinha turística às Ilhas Cayman.
Fonte da Charge: aqui.