quinta-feira, abril 12, 2012

Brasil: 'Mr. Blatter, assim você me acaba...'

TJRN: O cerco se fecha


Tête-à-tête bombástico
Cidades, Edição de quarta-feira, 11 de abril de 2012

Em depoimento à Justiça, Carla Ubarana aponta Osvaldo Cruz como mentor do esquema de desvios no TJ
Sérgio Henrique Santos
sergiohenrique.rn@dabr.com.br

A ex-chefe do setor de Precatórios do Tribunal de Justiça Carla Ubarana Leal entregava dinheiro proveniente de desvios de dinheiro público a desembargadores sempre ao final de tarde na garagem do Tribunal de Justiça, ou mesmo em sua sala, no segundo andar do prédio, e também na presidência do TJ. Por quase seis anos virou uma rotina dentro do Judiciário potiguar. É o que ela afirma em depoimento prestado no dia 30 de março ao juiz José Armando Ponte, da 7ª Vara Criminal, cujo teor se tornou público ontem e cai como uma bomba dentro do escândalo. Os desembargadores Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro foram nominalmente citados como os maiores beneficiados pelas fraudes que ela realizava durante o tempo em que chefiou o setor, de janeiro de 2007 a janeiro desse ano. Carla está afastada desde a deflagração da Operação Judas e foi apontada pelo Ministério Público como chefe de uma quadrilha no TJ. Ao juiz, ela confessa todos os crimes e aponta o envolvimento dos desembargadores com impressionante riqueza de detalhes. A atual presidente, Judite Nunes, é isentada das responsabilidades. "Tenho certeza que ela não sabia de nada", garantiu a acusada.



Osvaldo Cruz teria pedido a Carla para criar forma de utilizar 
verbas "sem dono" em benefício próprio. Foto: Fábio Cortez/DN/D.A Press

"A entrega era feita a ele todo final de tarde, no Tribunal de Justiça, em um envelope pardo amarelo em notas de R$ 100 fazer o menor volume possível", contou Carla, sobre a parte que cabia ao desembargador Osvaldo Cruz, presidente que a nomeou para cargo, em janeiro de 2007. Aparentemente calma, mas sempre com respiração ofegante, ela começa seu depoimento com um sonoro "É", ao ser questionada pelo juiz se seria ela a autora dos desvios para pagamento aos quatro laranjas e posterior repasse do dinheiro, nos quatro processos de que é acusada. Ela inclusive afirmou que os dois desembargadores chegaram a reclamar da demora no repasse das verbas desviadas. "Eu tinha que deixar a maior parte do dinheiro na conta para continuar rendendo, e não podia pagar toda semana, mas eles estavam acostumados ao pagamento daquela forma, tanto o desembargador Osvaldo quanto o desembargador Rafael", contou.



Rafael Godeiro teria entrado na divisão após assumir 
presidência do TJ . Foto: Carlos Santos/DN/D.A Press


Técnica judiciária de carreira, Carla disse que tudo começou num veraneio, quando ela recebeu uma ligação do advogado Felipe Cortez, questionando se ela teria interesse em chefiar a Divisão de Precatórios do TJ. "A nomeação já havia sido feita e eu não sabia, tanto que já estava até publicada no Diário Oficial do dia 17. Eu disse 'com certeza'. Meu cargo era de chefe de seção, passaria para chefe de divisão e ganharia mais do que isso". No início o então presidente, Osvaldo Cruz, lhe pediu para fazer um levantamento do setor. Inicialmente ela percebeu que vários processos quebravam a ordem cronológica, ou seja, "furavam a fila", o que seria um procedimento.

TJRN: O cerco se fecha

Desembargador Osvaldo Cruz: "O desembargador foi muito claro: 'Eu não quero saber a forma como foi retirado. Resolva essa parte e quando você estiver com a verba venha pra cá que a gente divide'".

Dinheiro sem dono
Foi nessa época que ela percebeu que o setor funcionava de forma desorganizada. Antes todos os depósitos eram feitos em uma conta do Banespa, e o TJ teve que mudá-la para uma conta do Banco do Brasil. "Percebi que havia um valor em dinheiro dentro da conta dos precatórios não vinculado a nenhum processo e levei o problema ao desembargador Osvaldo Cruz. O valor era mais ou menos de R$ 1,6 milhão, e o desembargador concluiu que esse dinheiro não tinha dono. Ele perguntou qual a melhor forma de retirar essa verba, trabalhar esse dinheiro, usar a verba em benefício próprio. Eu disse que tinha como ser feito, usando a mesma numeração de outro processo, mas que o pagamento não poderia ser feito da mesma forma [que outros processos]".
O pagamento era feito em cheque, depois mudou para guias de depósito judicial, mas a retirada se manteve da mesma forma. "É como se tivéssemos vários cheques em branco assinados. Procurei meu marido George, e disse que teria que dividir o dinheiro em várias contas, em vários cheques. Por isso recorremos às contas. Cláudia forneceu a conta dela, George a da empresa dele, Glex [Empreendimentos], e o Fanasaro também. Dizíamos que o dinheiro era de medição, ou precisávamos agilizar uns pagamentos de pessoas que vinham do interior", afirmava. Carla é incisiva sobre a participação do desembargador Osvaldo Cruz: "O desembargador foi muito claro: 'Eu não quero saber a forma como foi retirado. Resolva essa parte e quando você estiver com a verba venha pra cá que a gente divide'".
Com a mudança na presidência do TJ, em 2009, o Poder Judiciário passou a ficar nas mãos do desembargador Rafael Godeiro. O esquema de fraudes continuou na gestão dele. "Ele não gostava dos Ubaranas. Haviam quatro nomeados no TJ, mas eu fiquei. Ele disse que teria que me engolir. Depois, chegou até mim e disse que tinha conversado com o desembargador Osvaldo e que já sabia como funcionava o setor de Precatórios, e qual a parte de Osvaldo. Daí eu percebi que ele já sabia do esquema", contou. A partir de então, o dinheiro desviado passou a ser dividido entre três pessoas: ela e os desembargadores Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro. "Todo o valor que eu levava em minha bolsa ao Tribunal era para entregar aos desembargadores. Eu sempre ficava com a menor das três partes". Ubarana confirmou a autoria dos manuscritos divulgados pela imprensa.

Judite Nunes é isenta de culpa
A desembargadora Judite Nunes, presidente do TJ-RN desde o começo do ano passado, desconhecia as fraudes e não participou do esquema no setor de precatórios, segundo Carla Ubarana. Ela afirmou que o desembargador Osvaldo Cruz chegou a perguntar se havia possibilidade de continuar com o esquema na nova gestão. "Disse que tinha porque eu tinha muitas guias em branco. Mas em nenhum momento a desembargadora Judite participou. Tenho certeza que ela não sabia", relatou.



"Sei que estou correndo risco de vida mesmo", disse Carla em relação às ameaças de morte sofridas na cadeia. Foto: Fábio Cortez/DN/D.A Press

Carla afirmou que as fraudes continuaram sendo feitas por pelo menos 10 meses já durante a gestão da desembargadora. Só que o esquema começou a 'melar' porque faltaram as guias em branco e Judite Nunes se negou a assiná-las sem estar preenchidas, exceto em duas ocasiões, quando ela iria precisar em horários de almoço, e na véspera de uma edição do Justiça na Praça. Em novembro de 2011 a ex-chefe do setor afirmou que Judite Nunes nomeou dois assessores, que começaram a pressioná-la. São eles Luiz Alberto Dantas Filho e Guilherme Pinto.

Ameaças de morte
A servidora também afirmou que já sofreu ameaças. Durante três dias consecutivos ela foi ameaçada de morte, durante o tempo em que esteve presa. "Tanto eu quanto meu marido, fomos ameaçados dentro e fora da delegacia. Houve situação em que o próprio Bope estava lá em casa e perseguiu um carro que seguiu minha mãe. Como sei que estou falando de pessoas que não têm o menor escrúpulo, agora sei que estou correndo risco de vida mesmo", desabafou ela.
"Dissemos aos nossos amigos e familiares que o crescimento do nosso padrão de vida se dava por causa dos negócios de George. Nunca falávamos nos precatórios". Ao final de uma hora e quarenta e seis minutos de depoimentos, Carla disse que se arrependia das fraudes, principalmente por ter envolvido os 'laranjas' do esquema. "Só que era muito dinheiro. Por isso não parei. E era acobertada por pessoas que tinham mais poder do que eu", ressaltou. (Fonte: Diário de Natal)

sexta-feira, abril 06, 2012

Pássaros em apuros

A política da corrupção


Ilustração: A cara do povo brasileiro


A política da corrupção
Janguiê Diniz, mestre e doutor em Direito
Jornal de Hoje, Página 02, Opinião, 
Natal, 05 de abril de 2012, Quinta-feira

No Brasil, política e corrupção acabaram se tornando palavras agregadas. Todos os dias são inúmeras matérias publicadas falando de desvio de verbas, superfaturamento de obras e tantos outros crimes cometidos pelos políticos, que deveriam usar o poder para ajudar a população.
A palavra corrupção deriva do latim corruptus, que, numa primeira definição, significa "quebrado em pedaços" e em um segundo sentido, "apodrecido; pútrido". Em uma definição ampla, corrupção política significa o uso ilegal- que pode ser por parte de governantes, funcionários públicos ou privados - do poder político e financeiro de órgãos ou setores governamentais com o objetivo de transferir renda pública ou privada de maneira criminosa para determinados indivíduos ou grupos de indivíduos ligados por quaisquer laços de interesse comum - negócios, localidade de moradia, etnia, entre outros.
A corrupção no Brasil vai muito além de um erro cometido uma única vez. A condição da política brasileira é baseada na acomodação da sociedade com a situação atual, na aceitação da corrupção como normalidade, na legislação defasada e complacente com os erros. As constantes denúncias de desvio das verbas públicas, divulgadas pela mídia, fazem com que a indignação dos cidadãos vá diminuindo, e, sem ser pressionados, os réus encontram métodos para se livrar das acusações.

A política da corrupção




 Ilustração: O político/gestor brasileiro


Se ampliarmos para um quadro mundial, o Brasil está na 69a posição do Índice de Percepção de Corrupção da ONG Transparência Internacional. Vale salientar que o país tem um índice de 3,8 em uma escala que vai de zero - países vistos como muito corruptos - a dez - países com poucos corruptos - em um ranking de 180 países. Para ilustrar em números, de 2003 a 2008, quase 2000 servidores públicos brasileiros foram expulsos do governo federal por cometer práticas ilícitas. Entre as principais causas da punição estão o uso do cargo para obtenção de vantagens, improbidade administrativa, abandono de cargo, recebimento de propina e lesão aos cofres públicos.
Os números ficam ainda mais impressionantes quando relacionamos com os dados monetários. Nos últimos dez anos, segundo matéria da revista Veja, foram desviados dos cofres brasileiros mais de R$ 720 bilhões, em média R$ 82 bilhões por ano ou 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB). No mesmo período, a Controladoria Geral da União encontrou irregularidades em 80% dos 15.000 contratos firmados pela União com estados, municípios e ONGs.
Como é possível esquecer nomes como Anthony Garotinho, Jader Barbalho, Nicolau dos Santos - o Lalau, Paulo Maluf e Celso Pitta? Todos fazem parte da história do Brasil como políticos corruptos que desviaram milhões de reais dos cofres públicos. Além disso, o quadro atual mostra que muitos governantes entram na política apenas para beneficiar-se e não para trabalhar em prol da população.
É preciso que a população tenha a consciência de que a corrupção produz pobreza e impede o desenvolvimento do país. Com os valores já citados nesse texto, seria possível elevar a renda per capita em 443 reais, pensar em erradicar a miséria e reduzir a taxa de juros.
Se questionarmos o que falta para o Brasil tornar-se uma potência mundial, diríamos que a resposta está na política.

Estado privado



Ilustração: O povo e o MP não ajudam

Estado privado
Alexandre Gonçalves Frazão
Promotor de Justiça do GSI/GAECO - MPRN
Jornal de Hoje, Página 02, Opinião, 
Natal, 04 de abril de 2012, Quarta-feira
Nas idas e vindas da história, os governos das nações ocidentais que se sagraram dominadores do mundo se voltaram para a institucionalização, deixando na poeira do tempo o traço personalista das casas reais, que se mantiveram, quando muito, figurativas, simbólicas da ligação entre passado e futuro.
A instituição nasce quando os homens se organizam para um projeto permanente, com fim alheio ao exclusivamente particular dos mesmos, mediante regras impessoais, divisão de funções e método próprio.
É, enfim, um todo organizado teleologicamente, transcendente a suas partes constituintes e servidor de uma causa necessariamente coletiva. Uma ordem voltada para o atendimento dos bens daqueles em nome de quem a organização se justifica e, por isso mesmo, ganha poder e responsabilidades.
Foi com essa orientação que diversos povos europeus, através de um direito e de uma força soberana, num território exclusivo, fundaram uma novidade na política, uma instituição nacional a que se denominou "estado".
O estado, especialmente a partir do século XVIII, consolidou-se como instrumento político criado pelo liberalismo e pelo capitalismo econômico, para servir à democracia burguesa então nascente. Ele se engendrou como instrumento da promoção de direitos e de garantia da ordem mínima da sobrevivência das respectivas populações.
Nasceu, pois, para servir de ponte civilizacional entre o passado de subjugação do homem pelo mais forte e pela ideia de divindade reinante e a nova etapa de expansão da liberdade e da igualdade, em que todos encontrariam progressivamente suporte para seus anseios, que seriam naturais, inalienáveis e protegidos pelo novo estado, cuja ação se deveria pautar pelo então novo senhor: o cidadão.

Estado privado



Ilustração: político brasileiro
A instituição estatal, nessa nova etapa da história, foi pensada para servir o público, a coletividade de uma nação, e com esse formato ele se espalhou da Europa para o mundo, atingindo-nos em decorrência de nossa sina de produto das ações de povos estrangeiros.
Não incorporamos, contudo, o modelo mais puro da ideologia do estado, nem assim nos foi passado. Como é óbvio, as influências de nossas condições de existência teriam que temperar o modelo alienígena com nossas raízes e história.
E essa mistura, aparentemente, não nos legou o que se esperava do civismo. Desde a fundação oficial de nosso estado, convivemos com a temática presente do peculato, da corrupção e do suborno, desvirtuando a própria essência do que seja instituição estatal, que por aqui nasceu e se desenvolveu como uma espécie de "casca" sobre grave ferida sociológica.
Nossa construção das máquinas administrativas sequer respeitou o afã religioso de que nos orgulhamos desde sempre, menosprezando milenar advertência de Moisés ao povo de Israel, no antigo testamento, para que "não perverta o direito, não faça diferença entre as pessoas, nem aceite suborno, pois o suborno cega os olhos e falseia a causa dos justos" (Dt, 16-17).
José Murilo de Carvalho, em livros que ignorar quase não tem perdão (A formação das almas e Os bestializados), lembra-nos que no Brasil da virada do século XIX para o XX, a corrupção na recém-nascida república era o tom da vida pública. Tão privado era tratado o estado, que o ministro da fazenda sob Deodoro da Fonseca, Joaquim Murtinho, foi acusado por congressista de ter feito imprimir, na nota do dinheiro oficial, a imagem de uma das meretrizes mais conhecidas da capital Rio de Janeiro.
Nos espelhos atuais de nossa prática, a imagem refletida ruboriza ainda mais o justo, pois o enriquecimento a custo do erário e o desvio do dinheiro público permanece como selo de qualidade da brasilidade mais genuína. Pouquíssimas práticas nossas são tão permanentes e reiteradas nas capas de nossos jornais.
A vida de promotor de justiça é desalentadora e cobra um fardo de Prometeu, pelo menos aos de espírito grave, comprometidos, no que se refere a essa realidade. À função se desnudam os vermes mais famintos e suas práticas sorrateiras, na interminável dilapidação de todas as instituições públicas brasileiras.
Recente divulgação de alguns desses seres em ação, em bela e cruel reportagem do Fantástico da TV Globo sobre tentativas de desvio de dinheiro público de hospital de referência do Rio de Janeiro, não nos surpreende nem enoja mais do que a perene dobra no estômago decorrente de sabê-los diariamente, impunes, saciando-se feito glutão e se reproduzindo feito mosca.
E eles estão em todos os lugares. Tomam café conosco todos os dias, estão em nossos almoços, na clínica médica, nos assentamentos, nas lojas de serviço, nas árvores dos tucanos ou no céu das estrelas, nos gabinetes, com olhos vendados ou bem abertos, a procura sempre de mais.
Nós somos eles. Eles são nossa insinceridade, nossa bipolaridade moral (até tu, Demóstenes?), nosso passado e nosso presente de desvios reiterados e ensinados aos descendentes, nossa superficialidade, nossa covardia em enfrentá-los.
São tantos que, infelizmente, a impressão é a de que são a maioria. Tornar nosso estado verdadeiramente público, lídima instituição, ainda pertence ao porvir. E dependerá de forte luta para definir que orientação prevalecerá.
Terá que ser guerra de civilidade, guerra total, na qual não há armistício - ou se vence tudo ou se continua perdedor.
Alguns a estão travando, mas quase sós. É hora de socorrê-los.