sexta-feira, maio 20, 2011

Djalma Maranhão, De pé no chão também se aprende a ler


Cinquenta anos
por Aparecida Fernandes
Jornal de Hoje, (sábado e domingo) 09 e 10 de abril de 2011
Editoria: Cidade. Página 11, Coluna: Cena Urbana, Vicente Serejo.

"Pouco mais de uma década atrás, peregrinei o bairro de Mãe Luíza, onde nasci e me criei, procurando os velhos da comunidade. Alguns dos moradores mais antigo. Fazendo então pesquisa para minha dissertação de mestrado, queria que contassem como era Mãe Luiz quando chegaram e porque foram para lá. Como era o cotidiano, o modo de vida. Uma coisa me surpreendeu: todos os 20, chegados entre os anos 40 e 60, ao rememorarem sua vida no Morro, fizeram menção à "Escola de Pé no Chão", assim mesmo, como a chamavam. Descreviam o barracão, feito de chão batido e "coberto com palhoça". Falavam do pastoril e do bambelô, das aulas nas quais seus filhos aprendiam o ABC e dançavam as cantigas de roda e das que, à noite, ajudavam os pais a também vencerem  o analfabetismo. E, curioso, falavam do homem alto, "graúdo", moreno que vez por outra aparecia no barracão, sentava nos bancos perto deles, conversava sobre coisas da escola, sobre a vida de cada um. Era Djalma Maranhão, talvez o único prefeito de Natal, do século XX, que permanece amorosamente vivo na memória do natalense comum, que tenha sido dele contemporâneo. Foto: Fonte

Cinquenta anos...

Narrativas de velhos e 
bons companheiros


As narrativas dos velhos, ao falarem de algo sem que tivessem sido questionados, tão espontaneamente, levaram-me a me debruçar sobre os livros de Willington Germano e de Moacyr de Góes. A experiência da campanha "De pé no chão também se aprende a ler", apontavam-me os velhos por meio da memória, estava entranhada na história de Mãe Luiza. E como o velho - já constatara Ecléa Bosi - ao se dar à tarefa de lembrar, sente-se na obrigação de lembrar bem, eu não poderia passar ao largo de suas falas.Foto: Fonte

Cinquenta anos


Educação e cultura:
banquete negado 
há séculos aos marginalizados
Com apenas 2 anos de existência - o tempo que durou na sua 2a. fase, de 1962 até a eclosão do Golpe que a pôs no chão e depôs o prefeito, a "Escola de Pé no Chão" conseguiu ser o fermento para que se desenvolvesse a noção de educação como um bem do povo, a noção de escola integrada à vida da comunidade; era a escola que, não sendo bancária, não excluía o aluno por incutir nele a vergonha por sua "ignorância", ao invés de saná-la; a escola que, sem a exigência de meias nem sapatos, dizia ao marginalizado que ele não era um estranho, mas o principal convidado a sentar à mesa do banquete que lhe era negado há séculos por uma elite reacionária e patrimonialista.Foto: Fonte

Cinquenta anos...

Colocou educação e cultura 
na pauta das rodas de conversas

Foi por isso que, em atitude ímpar, o vereador George Câmara fez questão de marcar, com solenidade na Câmara Municipal, no dia 29 de março, a passagem dos 50 anos da campanha "De pé no chão também se aprende a ler". Esta que foi das mais belas acontecências no campo da educação e cuja memória nos põe cara a cara com nossos desafios atuais e nos diz que temos mais do que as condições de superá-las. Como nos lembrava, na solenidade, Alexandre Maranhão, sobrinho de Djalma, "sem recursos federais, sem apoios", e eu acrescento, sem FUNDEB, o prefeito, com as parcas ferramentas disponíveis, uma equipe de educadores de primeira e sua intenção de erradicar o analfabetismo, em compromisso velado com a educação, mobilizou a cidade de Natal e colocou a educação e a cultura na pauta das rodas de conversas em cada esquina, nos botecos, no trabalho. Ao se apropriar da frase do jornalista Expedito Silva que fazia sua matéria sobre um dos Acampamentos, cujo teor dizia que "agora, em Natal, até de pé no chão se aprenderia a ler", como narra Moacyr de Góes, o prefeito Djalma Maranhão universalizava a educação: retirava do ler e do escrever a semântica do privilégio e devolvia ao povo como direito. Tornou palpável o conceito de cultura, provocando o homem comum, ao expressar suas manifestações, a ver que aquilo que saía de sua boca, de suas mãos, de seu corpo materializado em palavras, cantos, imagens, danças, também era cultura. E, nesse universo, transitam entre os sujeitos ávidos pelo ler e escrever, do mestre de Boi-de-reis ao fazedor de imagem Chico Santeiro. Ao fazer isso, Maranhão jogou, em terreno fértil, as sementes para se conseguir autonomia e engendrar processos de transformação social pelos caminhos da educação, da participação política e da cultura, alinhadamente ao ideário freireano de que o homem se educa para libertar-se.
Estes 50 anos da Campanha "De pé no chão também se aprende a ler" é ainda o momento de pensar sobre a figura de Djalma Maranhão. Personagem histórico importante, esse natalense, amante de sua cidade, defensor das liberdades democráticas, humanista, militante das causas sociais, figura na nossa história recente como a maior reserva moral do natalense na política. Provou que não é impossível unir o homem de princípios libertários ao administrador competente, comprometido com a população que representa.Foto: Fonte

Cinquenta anos


Djalma Maranhão: um dos "pais fundadores"
Djalma Maranhão é como aqueles "pais fundadores" cuja memória e cujo legado são o trunfo para nos retirar das trevas e da inação e nos guiar para o futuro.
Ao demarcar com solenidade na Câmara Municipal essa história que completa 50 anos, o vereador George Câmara também nos revela , com sua postura em qualificar os debates e as ações da Câmara Municipal que nem tudo está perdido. Mesmo naquele plenário tão esvaziado de vereadores, a solenidade em si, que contou com a participação de remanescentes da equipe de Djalma Maranhão, de educadores de instituições diversas, alguns militantes políticos, estudantes, jornalistas teve o importante papel de reafirmar a força da memória como ferramenta para ler o presente e poder transformá-lo."
Coluna de Vicente Serejo, ao apresentar o depoimento acima: "Um belo texto da professora Aparecida Fernandes. É o depoimento de quem, há mais de dez anos, procurou como pesquisadora, nas ruas e becos humildes de Mãe Luiza, ouvindo os seus homens e mulheres, os frutos da campanha de alfabetização 'De pé no chão também se aprende a ler'. E ela viu: foi o medo de um povo livre e consciente da força dos seus direitos políticos que levou os generais a arrancarem da Prefeitura o prefeito Djalma Maranhão. Com a truculência das baionetas e a boca ameaçadora dos fuzis. Até que ele, no exílio, morresse de tristeza e tristemente prisioneiro de sua própria solidão. (VS)." Foto: Fonte