domingo, dezembro 23, 2007

O Brasil e os brasileiros

O Brasil e os brasileiros
Eliane Cantanhêde

FSP, São Paulo, domingo, 23 de dezembro de 2007
BRASÍLIA - O Brasil vai bem, obrigada, depois de FHC e de Lula. Tá certo que não chega a avançar tanto quanto os parceiros do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), mas é a 10ª maior economia do planeta, segundo o Banco Mundial.
O país produziu US$ 1,585 trilhão em 2005, o que corresponde a 2,88% das riquezas geradas no mundo e praticamente metade de tudo o que a América do Sul gerou. Não é pouco. Aliás, é muito.
O problema é que o Brasil dos brasileiros não está nem perto disso. É o último no ranking de países de alto desenvolvimento humano e está entre os lanterninhas da educação de jovens (em leitura, matemática e ciências, que são fundamentais).
É uma conta que não bate. O país produz riquezas, mas para onde vão essas riquezas?
Os brasileiros parecem entregues não só ao descaso do Estado mas à sanha assassina de agentes do Estado. Todos estão à mercê da violência. E os mais pobres e mais frágeis, à mercê da violência do Estado.
O ano termina com perplexidade e dor diante da história de dois adolescentes brasileiros: a menina que foi jogada por uma delegada e mantida por uma juíza numa cela com dezenas de homens no Pará e, agora, o menino suspeito de furtar uma moto, preso pela Polícia Militar na própria casa e assassinado em Bauru, próspera cidade de São Paulo, o mais desenvolvido e sofisticado Estado do país.
Não bastasse, esse jovem foi morto depois de 30 choques elétricos -no rosto, na orelha, no tórax, no saco escrotal, no coração. Uma tortura bárbara que escandalizava o mundo durante o regime militar brasileiro e deixou profundas marcas na alma e na história do país.
Tantos anos depois da ditadura, o Brasil continua entre as dez maiores economias do mundo, lanterninha na educação e capaz de torturar jovens em suas cadeias, bem debaixo do nosso nariz. O Estado continua algoz. E nós, omissos. [elianec@uol.com.br] (Foto: aqui)
[Acesso para assinantes da FSP: aqui.)

Cultura e violência

Cultura e violência
José Padilha

TENDÊNCIAS/DEBATES
FSP, São Paulo, domingo, 23 de dezembro de 2007
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Todo dia, dezenas de brasileiros são asfixiados em sacos plásticos, submetidos a choques elétricos. Como reagimos a tal brutalidade?
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TODA NOITE , milhares de brasileiros não conseguem dormir por falta de espaço. Eles vivem em celas superlotadas, projetadas para três ou quatro pessoas, mas ocupadas por mais de 20. A maioria está doente e sofre de distúrbios mentais. São mal alimentados e subjugados por organizações criminosas. E estão sob a tutela do Estado.
Todo dia, dezenas de brasileiros são asfixiados em sacos plásticos, submetidos a choques elétricos, espancados. São jovens favelados, muitos deles traficantes que foram capturados por agentes do Estado, policiais civis ou militares.
Neste ano, de acordo com as estatísticas oficiais, mais de 1.300 jovens foram mortos por policiais no Estado do Rio de Janeiro. Em São Paulo, cerca de 500. A maioria deles com sinais inequívocos de execução. Para ter uma idéia de quão estarrecedores são esses números, nos EUA, um país que tem 300 milhões de habitantes, a polícia mata cerca 200 pessoas por ano. O que nós brasileiros fazemos ante tamanha brutalidade? Infelizmente, acho que a resposta é muito pouco ou quase nada. Não nos revoltamos. Não organizamos protestos nem marchamos em direção ao Palácio do Planalto. Aceitamos a violência do Estado e de seus agentes com estranha passividade. Será que não nos importamos com os direitos humanos?
Postas assim, essas questões parecem pertencer exclusivamente ao campo da ética. Todavia, tenho a impressão de que a forma pela qual reagimos à violência tem uma forte relação com a própria existência dessa violência. Suspeito que a nossa passividade perante a violência do Estado seja uma de suas causas. (Foto: aqui)

Cultura e violência

A antropologia evolutiva parece corroborar essa tese. O comportamento humano foi moldado ao longo de milhares de anos de evolução. Na maior parte desse período, vivemos em pequenos grupos sociais, as tribos. Eram grupos em que todos os indivíduos se conheciam mutuamente e precisavam cooperar para sobreviver. Por isso, muitos biólogos defendem a idéia de que a cooperação e a compaixão, instintos que se opõem à agressividade, evoluíram para operar só entre indivíduos de uma mesma tribo, indivíduos que se conhecem.
Para tais biólogos, esses instintos não operam fortemente entre desconhecidos. Diz o famoso zoólogo Desmond Morris: "Uma relação despersonalizada não é uma relação biologicamente humana". E Edmund Wilson, professor de Harvard: "Do ponto de vista da biologia, o que precisa de explicação é a paz, não a guerra". (Foto: aqui)

Cultura e violência

A julgar pela forma como reagimos à situação da segurança pública no Brasil, Morris e Wilson têm razão. A maioria de nós não conhece pessoalmente as vítimas usuais da violência no Brasil, que são miseráveis e favelados. Talvez por isso não nos importemos tanto assim com as violações de seus direitos humanos. A coisa muda de figura, claro, quando a vítima é nosso parente ou vizinho. Aí a biologia entra em campo e ficamos revoltados a ponto de protestar ostensivamente. Mas, nesse caso, vale notar, não protestamos por razões culturais, mas sim por instinto.
Se é verdade que não temos fortes instintos biológicos de compaixão e cooperação para com indivíduos que não conhecemos, como é que algumas sociedades conseguem controlar a violência em geral e a violência do Estado em particular?
Creio que existe um forte componente cultural associado ao controle da violência e que este controle funciona melhor onde existe uma ética social que valoriza o respeito ao indivíduo e as liberdades individuais. As reações sociais à violência do Estado não parecem se fundar nas idéias de coletividade e cooperação, mas na idéia de que os indivíduos não devem tolerar um Estado que pratique violência contra os seus cidadãos sob pena de eles serem a próxima vítima.
Isso explicaria por que os Estados que se constituíram a partir de idéias totalitárias associadas à coletividade foram, ao longo da história, muito violentos. Vide a China de Mao Tse-tung, a Alemanha nacionalista de Hitler ou a União Soviética de Stálin.
Por outro lado, os Estados modernos que aliaram a democracia ao respeito ao indivíduo, como Inglaterra e França, foram muito menos violentos. Se esse raciocínio está correto, o problema da violência urbana no Brasil tem um forte componente cultural e está associado ao fato de não termos uma tradição explícita de respeito aos direitos e às liberdades individuais.
Nesse cenário, podemos imaginar que a grande interferência dos governos brasileiros na economia, a alta carga tributária que pagamos sem protestar e a nossa grande tolerância com a corrupção tenham muito a ver com a morte do garoto de 15 anos que tomou 30 choques elétricos pelo corpo e com a prisão da adolescente em meio a homens no Pará -ambos sob a tutela do Estado. [JOSÉ PADILHA, 40, é cineasta, diretor dos filmes "Ônibus 174" e "Tropa de Elite".] (Foto: aqui)

Senado: Oportunidade perdida

Oportunidade perdida
Luiz Leitão
detudoblogue.blogspot.com

Depois de sangrar durante meses a fio por causa da hesitação de seus integrantes em julgar o ex-presidente Renan Calheiros (PMDB-AL), a credibilidade do Senado Federal deverá continuar anêmica com a eleição do senador Garibaldi Alves (PMDB-RN) para a presidência daquela Casa.
Suas excelências perderam a oportunidade de pôr no comando do Congresso o senador gaúcho Pedro Simon (PMDB-RS), veterano de 25 anos, profundo conhecedor dos anais da instituição e célebre por sua postura ética. Mas os leitores certamente já ouviram falar de gente que foi preterida em processos de seleção em empresas porque eram "superdimensionadas" para o cargo.
Certamente foi isto o que aconteceu quando 68 entre 78 senadores julgaram que Garibaldi Alves, suspeito de desvio de recursos nas eleições de 2002 (Folha de São Paulo, 12/12/07) e de ser sócio oculto em emissora de TV (Inter TV, antiga Cabugi, repetidora da Rede Globo no Rio Grande do Norte), o que é proibido pela Constituição, mas que a absolvição do senador Renan Calheiros acaba de atestar não ser nada de mais, - até porque "todo mundo faz" -, está mais de acordo com os padrões atualmente vigentes naquela Casa. Ainda que nada venha a ser provado a respeito dessas acusações ao novo presidente, conviria neste caso invocar a questão da mulher de César.
Mas já vai longe o tempo em que a opinião pública tinha o condão de influenciar a conduta de nossos parlamentares, porque se assim fosse o Congresso estaria hoje em outro patamar ético.
Garibaldi, escolhido com o aval do presidente Lula, fez um belo discurso de posse - "Convoco todos a partilhar comigo a árdua missão de devolver ao Senado, perante ao (sic) País, toda a credibilidade de sua trajetória histórica" "Chego à presidência em um momento traumático para a Casa com os últimos acontecimentos que levaram o Senado a se aproximar de limites que jamais poderiam ser ultrapassados, sob pena de fraturar a imagem da Casa junto à opinião pública" – e não faltarão oportunidades para que a veracidade de suas palavras seja posta à prova.
O Senado perdeu a oportunidade de fazer jus a um "upgrade" em sua imagem. Ficou provado que presidi-lo nas atuais condições não é coisa para homens como o petebista Jefferson Peres ou pemedebista Pedro Simon. Este último, teria dito o presidente Lula, que não costuma apreciar quem se lhe opõe, "uma pessoa não confiável", e pode-se dizer que para algumas das pretensões do presidente da República parlamentares como José Sarney, Jader Barbalho, Romero Jucá, o velho e bom Renan Calheiros e outros de semelhante quilate são mesmo muito mais confiáveis.
Entretanto, neste institucionalmente melancólico final de ano, bem ou mal, com ou sem a aprovação do tributo CPMF, e apesar da rarefeita oposição que o governo enfrenta dentro e fora do Congresso, as dificuldades enfrentadas pelo governo durante a batalha campal que se desenrola no Senado, menos por discordância dos protagonistas do embate a respeito da conveniência deste imposto e mais pela inesgotável fome do PMDB por cargos na máquina de governo, mostram que Lula, ainda que hábil no manejo do verbo e da verba, se perde quando exposto à adversidade, crescente à medida que o tempo for consumindo os três anos de mandato que lhe restam.
Enfim, nesta atribulada troca de praticamente seis por meia dúzia na sua presidência, o Senado se iguala à Câmara cuja legislatura que terminou ano passado foi considerada a pior de todos os tempos. Mas o recorde, pelo andar da carruagem, será quebrado. [luizmleitao@gmail.com]
http://detudoblogue.blogspot.com/

quinta-feira, dezembro 06, 2007

Falves Silva e o relevo do Poema Processo

Nas comemorações dos 40 anos do Poema-Processo, uma criação poética atenta à mentalidade e à "performance" do final dos anos 60 que se projetou (no clima de 1968), no início dos anos 70, conforme o crítico Antonio Sérgio Mendonça, Professor Doutor titular e pesquisador do Corpo Permanente do Mestrado em Arte da Universitária Federal Fluminense (UFF), que vê no movimento "uma das respostas ao masoquismo cultural que diz ter sido essa década ‘um século de trevas’, investindo no receptor, avançando na suposição herdada do Futurismo Russo e tematizada pelo Formalismo (Russo) do estranhamento, distinguido, qual Jakobson que a incorporou, poesia de poema (poética)", o Radar Potiguar entrevistou Falves Silva, hoje com 64 anos, e que participou da eclosão do movimento, em 1967, em Natal.
Ao lado de Moacy Cirne, nascido em São José do Seridó, Jardim do Seridó, em 1943, professor da UFF e autor de vários livros sobre histórias-em-quadrinhos (o primeiro deles em 1970), aliou-se aos fundadores do poema/processo e participam de uma exposição durante o Encontro Natalense de Escritores, ocorrido entre 22 e 24 de novembro no Largo da Rua Chile, na Ribeira, a fim de marcar a data.
A seguir, trechos da entrevista de Falves, concedida ao jornalista Paulo Augusto, editor do Encartes, caderno de cultura do Jornal de Natal, publicada na edição do JN de 03.12.07. (Foto: Falves Silva em arte de Antonius Manso.)

alves Silva e o relevo do Poema Processo

RP – Essas comemorações de 40 anos do Poema Processo se dão durante todo o ano de 2007?
Falves Silva - Eu, particularmente, de 10 em 10 anos faço essa comemoração. Eu, particularmente. Então, em 77 eu fiz uma comemoração, junto com Anchieta Fernandes e J. Medeiros. Em 87, fiz junto com Dácio Galvão. Em 97, fiz junto com Bianor e Fábio di Ojuara. E, agora, em 2007, estou fazendo uma homenagem a Álvaro de Sá, por ocasião do Encontro Natalense dos Escritores, promovido pela Capitania das Artes e Prefeitura do Natal, entre 22 e 24 de novembro, no Largo da Rua Chile, que contou com uma exposição sobre o Poema Processo). Álvaro de Sá é um poeta carioca, já morreu, é um teórico, do início do movimento. Teórico e produtor. É um dos teóricos do movimento. Além dele ser embasado dentro do movimento, faz a teoria e a prática. A prática do poema. E a prática teórica. O que eu estou fazendo são as versões. A questão do poema processo... Enquanto na literatura tradicional se faz a tradução, no poema processo se faz a versão. O poema processo permite a versão. Então, o poema processo só se concretiza com uma versão do leitor. Daquele que está recriando o trabalho do outro. Quando ele encontra o consumidor dele mesmo. Ele será sempre consumido. Nunca tem um estágio de parar. O poema processo sempre deixa o espaço para que o outro crie. Para que o leitor dê continuidade a um determinado poema de um determinado artista, de um determinado poeta. Eu estou fazendo essa homenagem a Álvaro de Sá, especificamente, mas estou também fazendo versões de Anchieta Fernandes, de Moacy Cirne, e minhas mesmo. Porque eu vejo o seguinte: os poetas têm medo de interferir na obra do outro. E a obra de arte deve ser interferida por outro, pelo poeta seguinte, pelo artista seguinte. Esta é a minha opinião particular, mas está dentro da teoria do poema processo, que é permitido perfeitamente isto.
Você não pode entender um poema processo sob o ponto de vista da literatura tradicional. Você tem que entender o poema processo sob a teoria do poema processo. Há uma diferença. "Ah, eu vou entender o poema processo pela linguagem tradicional." Você não vai entender. Como você também não pode entender o cinema pela via tradicional. O cinema é uma arte 95% visual. O texto das imagens é relativamente pouco. O texto de um filme é coisa pouca. A imagem é o que conta mais. Como na fotografia. A fotografia é 100% imagem. O poema processo ainda tem recurso de palavra, mas ele tem um apelo muito forte no signo não verbal. Na não-verbalidade. (Foto de Antonius Manso: Falves Silva.)

Falves Silva e o relevo do Poema Processo

POLÍTICOS, PALAVRA E EMBOTAMENTO
O uso da palavra, por exemplo, por políticos. Quem usaria mais a palavra? Getúlio Vargas estragou a palavra. Leonel Brizola também é um cara legal. Quantos políticos não estragaram a palavra? Collor de Mello estragou a palavra à exaustão. Foi presidente da República. E foi deposto. E essa coisa da palavra, essa exaustão da palavra, quando chega a ela não ter mais nenhum significado, politicamente nem poeticamente. O poeta só pode usar a palavra agora se for uma coisa com grande exclusividade. Um poeta de grande categoria. Fica a verborragia, aquela coisa repetitiva, redundante, secular. Nós estamos no século 21, o homem está fazendo piquenique no espaço. Está se preparando para ir a Marte. Então, a imaginação do homem é a coisa mais importante que nós temos. O Universo vive em desenvolvimento. Se você pára esse desenvolvimento na mente humana, embota a nação. É o que está acontecendo agora. Todo dia cai um avião. Todo dia tem um levante numa cadeia pública. E isto é embotamento da mente humana.
GLAMORIZAR A POBREZA
RP - O homem entrou num oito e aí ficou preso?
Falves - Circulando. É o circular. É Vico. Jean-Baptiste Vico é quem falava sempre isto. É circular essa falta de informação no Brasil. Por exemplo: o excesso de folclore. Folclorizam demais o nosso subdesenvolvimento Glamorizam o folclore, e aí você glamoriza a pobreza. Quando você glamoriza o folclore, você está glamorizando a pobreza. Como se você dissesse assim: "Olhe, a cultura de pobre é bumba-meu-boi. E a cultura erudita está dentro da universidade. Não se metam, não. Aqui é outra coisa." E todos os governos, em toda parte do mundo, se faz isso. Não é só aqui no Brasil. Então, esse subdesenvolvimento é que vai, inclusive, levar a uma conclusão drástica: o Brasil pode se preparar. Eu sou premonitor (premonitório): Vai haver uma revolução nesse Brasil, se os governos não se preocuparem com a educação imediata. É uma coisa de imediato. A educação é primordial. Se não houver uma preparação para uma educação nas bases, no ensino fundamental, vai acontecer uma rebelião. Com certeza. Aliás, essa rebelião que já está acontecendo, que é a rebelião velada nas cadeias públicas de todo o Brasil. E quem quer que estude a história das revoluções (sabe): todas as revoluções começam nas cadeias.
CASO ESPECIFICAMENTE DO NORDESTE
Esse é que é o embotamento da mente. No nosso caso especificamente do Nordeste. Nós. Eu acho que... Existe uma cultura erudita e o folclore deve ser preservado, com certeza, mas também não vamos glamorizar esse subdesenvolvimento em nome de um bumba-meu-boi qualquer. A poesia, especialmente, é uma das artes na qual é necessário que o poeta desenvolva a sua mente. Você não pode parar. O ser humano não pode parar. A mente não pode parar. Então, há continuidade. A mente. Tem que haver continuidade para a vanguarda, que não é a mesma vanguarda dos anos 60. É uma outra vanguarda que vai surgindo, que vai se multiplicando. E vai se auto-superando. É um outro produto. É um produto de um produto, que será um outro produto no futuro. O ser humano tem que usufruir disso.
Natal não é mais uma província. Natal já é uma metrópole. Natal tem um milhão de habitantes. E isso, de um modo geral, Natal já é uma metrópole. Inclusive uma metrópole sofisticadíssima. Natal sempre foi sofisticada. Desde o (texto) "Natal daqui a 50 anos", de Manoel Dantas, no início do século passado. Isso já era um prenúncio daquela modernidade, que viria. E, por ser uma cidade, naquele período, próxima da Europa, tudo que acontecia na Europa chegava por aqui mais rápido. Por Natal ser um porto - especificamente um porto, onde os navios chegavam por aqui. Tanto é que existe uma frase de (historiador) Lenine Pinto, em que ele prova por A + B que o Brasil foi descoberto aqui, em Touros, e não lá na Bahia.
RP - O caso do pobre. A gente está falando da educação, das escolas que não são cuidadas, e tudo. Mas o pobre, mesmo assim, ele está dentro de uma fase evolutiva, ele acompanha o crescimento e a evolução da ciência...
Falves - Ele está ciente da tecnologia. Ele está vendo. O pobre, por mais desprovido que ele seja, ele sabe que tem a televisão, tem o computador, ele pode acessar um computador numa lan house qualquer. Que tem o celular e toda a tecnologia. Então, ele está observando essa disparidade, e a ausência da educação. Mas ele está observando que o poder continua acima de toda a pobreza. Isso não é só no Brasil, é em Bangladesh, em toda parte do mundo.
O computador não veio diminuir a pobreza. Ele veio multiplicar a pobreza. Multiplicar a riqueza, por um lado, e a pobreza por outro, separando as duas fases. É bem verdade que a tecnologia ajuda na cura de muitas doenças, mas essa doença não é estatal. Só quem pode pagar a cura de um câncer é quem tem o poder aquisitivo maior do que quem ganha um salário mínimo. Como no meu caso. Eu ganho um salário mínimo.
RP - Aí esse pobre entra talvez em desespero.
Falves - Ele não só entra em desespero, mas ele vai entrar em revolta. Em seguida, ele vai entrar em revolta. E isto já está acontecendo. É por isto que continua os assaltos em toda a cidade. Basta você ligar os jornais, na televisão, que você vê diariamente essa continuidade da violência.

Falves Silva e o relevo do Poema Processo

EVOLUÇÃO DO POEMA PROCESSO NOS 40 ANOS
RP - Dentro desse período de 40 anos, como você viu a evolução do poema processo?
Falves - A evolução do poema processo. É preciso lembrar que nós estamos em plena ditadura militar, 1967, onde a expressão da arte foi podada. Toda ela foi podada, em todos os aspectos. A música foi podada, a poesia foi podada, a pintura, o cinema. Você teria que dar um outro contexto para ir de encontro a determinadas. O poema processo surgiu exatamente no período de uma revolta. Era uma revolta universal. Você vê que os Beatles estavam surgindo no mesmo período, o Cinema Novo, no Brasil; o "make love, not war"; a liberação das mulheres. Tudo isso tem uma contribuição universal. Neste momento ainda não tinha televisão aqui em Natal. Mas a gente estava sabendo o que acontecia em torno do mundo. Então, nós, através de Moacy Cirne, que foi quem fez o elo entre Natal e Rio de Janeiro, Moacy trouxe a teoria da poesia concreta em 66. No ano seguinte, a gente eclodiu esse movimento do poema processo, em parceria com o pessoal do Rio de Janeiro, para que esse movimento desse uma espécie de continuidade à poesia concreta, que tinha surgido dez anos antes, em São Paulo. Porque, na realidade, o surgimento do poema processo vem de uma divisão de Vladimir Dias Pino e Álvaro de Sá, no Rio de Janeiro. Já lá no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro e São Paulo não casam muito. Todo mundo sabe disso. E a história da literatura brasileira sabe desses pormenores. Então houve também uma briga. Quer dizer, uma briga, não. Uma briga não, uma cisão, entre os poetas de São Paulo e Vladimir Dias Pino, que morava no Rio de Janeiro.
Então, esse é um momento histórico, por sinal. O único movimento histórico no Rio Grande do Norte, planejado e planificado, de uma maneira esquemática, como teria o Futurismo, como teria sido o Dadaísmo, como teria sido o Destill, da Alemanha, ou a Bauhaus e, ele foi estruturado. Como também foi estruturada a Semana de Arte Moderna de 22, que é de onde vem, de Oswald de Andrade, especificamente, essa tendência dessa modernidade. Com o cinema. Eu, pelo menos, toda a minha universidade foi o cinema. Então, o cinema é imagem pura. Fotografia. O jornal, o jornalismo. A imagem, com a sua força.
E toda essa tentativa de descoberta das artes. Que é, por exemplo, o Charles Pierce, que é o iniciador da Semiótica, que está em cima do cinema, está em cima da poesia visual. Está em cima da não-verbalização, o excesso de verbalização. Isso não quer dizer que a palavra não tenha nenhum significado, não. Não, ela tem um significado, mas é preciso usar adequadamente. A palavra, na realidade, só pode ser usada por poetas de grande qualidade. Por exemplo, João Cabral de Melo Neto é um grande poeta. Isso é inegável. Ele sabe como colocar a palavra no contexto certo, na hora certa. Como os Irmãos Campos, da Poesia Concreta, Décio Pignatari. Todos eles têm a sua força de expressão. O Poema Processo é uma dissidência - essa é a minha opinião particular, talvez outro não tenham a mesma opinião -, mas eu acho que o poema processo vem da poesia concreta. Isso aí é inegável. Eu mesmo continuo gostando dos poetas que fazem a poesia concreta.

Falves Silva e o relevo do Poema Processo

RP - Fale sobre a palavra.
Falves - A palavra é necessária no aprendizado do alfabeto. Para você saber se conduzir. Para você se situar no mundo de hoje. Mas a palavra não responde artisticamente. Não responde mais as necessidade, frente à tecnologia avançada. Por exemplo, o cinema, a televisão, os clipes e o celular, que você faz filmes hoje. Você pode fazer um filme hoje com o celular. Cada pessoa é um cineasta hoje. É só você saber conduzir, e ter um direcionamento. E aí já vem Marshall McLuhan: a aldeia global. Chegamos á aldeia global. Chegamos no século 21, à aldeia global. Agora, com essa aldeia global e o poder... Você já leu "O Admirável Mundo Novo"? Nós estamos no admirável mundo novo, dominados por um indivíduo. Por uma cadeia, um sistema. Onde você é um número. Hoje mesmo passou na televisão um camarada que foi dado como morto. Mas ele está vivo. O número superou o indivíduo. Ele está vivo, mas está "morto" para o sistema. E a burocracia que se faz em torno disso é que é o grande entrave da humanidade. Nós precisamos nos desburocratizar, e fazer com que a humanidade entenda que a visão. Por exemplo. Eu vejo sempre o seguinte: o ser humano, ele primeiro vê. Depois, começa a falar.
RP - Dentro do que você está falando, considere o seguinte: eu escrevo um livro, e aí ele não tem público leitor. Pela falta da educação e pela falta da grana para comprar. São dois bloqueios. Agora, com a poesia processo, vocês não utilizam exatamente a imagem?
Falves - É o seguinte: a contradição sempre existiu na humanidade. Então, essa contradição existe agora. Por exemplo: eu acho que o cinema e a televisão é muito mais democrático. Hoje, qualquer pessoa tem uma televisão, seja lá no Amazonas, assiste a novela das 6 e a novela das 8. Então, globalizam tudo. Ele vai compreender o que está rolando naquele sistema lá, mas também vai compreender o seguinte: Ana Maria Braga faz aquele coquetel todo dia de manhã, um verdadeiro bacanal de comida, enquanto uma comunidade está passando fome. Ela assiste na televisão, e diz: "Mas, porra, que negócio é esse?" E ele com fome, comendo rapadura, comendo farinha. Porque não vá pensar, se você for aqui pra Macaíba ainda tem gente que ainda come bredo, folha, pois não tem dinheiro pra comprar. Então, nessa civilização, a contradição entre a tecnologia e a liberdade do indivíduo. O ideal seria a liberdade do indivíduo. Vamos todos ser felizes. Aí seria o ideal. Mas essas contradições existem em toda parte do mundo. Enquanto folclorizam, o excesso de folclore. Eu estou falando isso, porque estive lendo uma matéria, sobre uma pessoa que fez uma tese agora, em São Paulo, e saiu há umas duas semanas atrás uma matéria. E ela tinha razão. Folclorizaram tanto. Glamorizar o folclore é glamorizar a pobreza. Você está enfatizando: não vamos ser o bumba-meu-boi.
RP - Está conservando...
Falves - É o conservador. O conservadorismo. Não há um avanço tecnológico. E é o que nós precisamos. É a tal coisa: o homem está fazendo piquenique na Lua, mas está comendo farinha e rapadura aqui em Macaíba. Sem saúde, sem educação. E é ele que paga o imposto. É preciso que o povo brasileiro entenda que ele é quem é o dono do país. E não um determinado governador, um determinado presidente.
RP - Como ficaram seus contatos? Como você mantém contato e articulação com os grupos da poesia concreta e do poema processo?
Falves - O problema é que, naquele momento, quando surgiu, em 67, havia ilhas isoladas. Mas, em toda parte do mundo existiam ilhas que estavam, eram focos de artistas que tinham o mesmo princípio. O princípio da visualidade. Da arte visual, que talvez tenha vindo com a fotografia e com o cinema. (Foto de Paulo Augusto: Falves Silva)

Falves Silva e o relevo do Poema Processo

O EROTISMO NA OBRA DE FALVES
RP - Uma coisa que você usava muito, e que ainda usa, gosta muito, é o sexo. A expressão sexual.

Falves - É isso. É porque o erotismo libera. A liberação do mais forte ego do indivíduo é o erotismo. Em alguns dos meus trabalhos, eu procuro. A respeito disso, a Yoko Ono esteve agora em São Paulo e foi barrada uma obra dela onde tinha uma vagina. E ela disse: "Eu não sei por que as pessoas condenam tanto uma vagina, e todo mundo saiu de uma." Por que condenar? Por que não ver, né? Ela disse isso numa matéria da Veja, na semana passada.
RP - Vamos falar idealmente. Porque, quando o artista chega ao poder, ele então tem condições de fazer as coisas. Então, idealmente, como seria essa comemoração para você?
Falves - Pra mim, especificamente, já houve um prêmio. Eu já recebi. Eu recebi um prêmio, de dois amigos aqui na cidade, que foi Ivan Júnior, da Off-set, e Alexandre Oliveira, da Arte & Argumento, que fizeram, no início desse ano, um calendário, onde eu passei o ano todo fazendo exposições. Então, isso pra mim é um prêmio superior. Por exemplo, esse prêmio que o Diário de Natal dá (Prêmio Cultura), eu acho que é uma besteira. Deveria era mandar o artista pra São Paulo, passar uma semana em São Paulo, passar uma semana em Nova York nos museus, estudando. Porque é bancado pela Petrobras, pela Cosern, pelo poder municipal, pelo poder estadual e pelo poder federal. O artista merece ser reconhecido na sua cidade. E não dar uma estatueta, que não tem nenhum significado. O Oscar, pelo menos, tem um significado, que é de ouro. Mas, como é que você vai receber uma estátua de bronze?
RP - E ele fica ali, no mesmo canto dele.
Falves - Fica no canto dele. Este é o chamado "consolo para rola murcha". Você já ganhou o seu prêmio, você já tem o seu significado. E tem uma coisa. Eu estou falando sobre o Diário de Natal, mas o problema é o seguinte: o Diário de Natal passa dois meses com os empresários falando sobre o prêmio, e o artista só vai aparecer lá no fim. Vai aparecer o cara que ganhou. Mas se passaram dois meses falando. Dois meses antes e dois meses depois.
RP - E a obra dele às vezes nem é conhecida.
Falves - Nem é conhecida. Ninguém nem se liga. Só sabe o nome. E quem tem, tem. Quem não tem, não tem. É chamada de obra única. O objeto único. A pintura, por exemplo - eu estou dizendo isso, mas Décio Pignatari já disse isso. A pintura está em extinção. O objeto único é uma coisa. Por exemplo: você compra uma obra minha. Você coloca o meu trabalho lá na sua casa, e na sua casa vão umas cinco pessoas. Seus amigos. Então, a comunicação é muito restrita. É diferente do início do século passado. No século passado, era completamente diferente. Picasso é uma coisa. Mondrian é outra. Todos os outros são outra coisa. O negócio é você comprar um objeto, por saber que é aquilo é uma obra de arte. Que tinha uma validade. Mas isto, no início do século passado. Nós estamos no século 21.

Falves Silva e o relevo do Poema Processo

RP - Eu aproveito e faço aquela pergunta sobre o consumo de arte na cidade, de maneira geral, e no Estado. Porque aqui as pessoas confundem entretenimento com cultura. Só que aqui a gente depende das instituições. E como você falou, de um governo mantido com o dinheiro do povo. Como você vê isso?
Falves - Eu vejo o seguinte. A cultura no Estado não mudou. Desde a minha juventude que não mudou absolutamente nada. Eu estou com 64 anos. Estou em fase terminal. Estou pensando inclusive fazer a última exposição, porque não adianta. O Rio Grande do Norte não adianta.
RP - Ele é inviável?
Falves - Não é inviável. Não é bem isso. Ela não é viável. Não é que seja inviável. É que não é viável. A arte no Rio Grande do Norte não é viável. Não dá para escapar disso. Conheço todos os artistas da minha geração. Claro que tem exceção, aqueles que já nascem em berço esplêndido. Quem já nasce em berço esplêndido, não tem do que reclamar. Tem só que dar continuidade e estudar. Mas eu, por exemplo, eu continuo na miséria, sou de classe baixa, ganho um salário mínimo, a coisa mais absurda que pode acontecer. Mas isso é natural. Quem ganha um salário mínimo não tem condições de comprar roupa, não tem condições de comprar sapato. Tanto é que eu, só de sacanagem, que eu sou um pouco anarquista, eu digo: "O dinheiro que eu ganho só dá pra tomar cachaça, pagar ônibus e não comer." Isso eu vi num filme francês, onde se dizia: "O salário que eu ganho só dá pra fumar, andar de ônibus e não comer".
RP - E assim é grande número de artistas?
Falves - É. Um grande número de artistas, que mal sobrevive. Mas não é um número pequeno, não. É grande. Tem sim. Eu diria que o próprio Newton Navarro morreu esquecido. O sistema político, educacional e artístico da cidade. Eu acho que a gente deveria inclusive dar mais ênfase, agora, a Dorian (Gray) enquanto ele está vivo, que é um grande artista. E não deixar pra depois. Porque vamos correr o risco de, com esse excesso de folclore, quem faz arte hoje ficar esquecido. Hoje, você fica esquecido. Você está fazendo reverência ao passado.
RP - Só se lembra quando o cara morre.
Falves - Quando o cara morre.
RP - Como no caso de Elino Julião.
Falves - Pronto. Elino Julião.
RP - Quando morre vira um santo.
Falves - Quando morre vira santo. Essa coisa do folclore. É bom ressaltar, eu não estou indo de encontro a quem faz um folclore certo, como no caso Elino Julião, que é um dos últimos descendentes da música genuína nordestina. Quer dizer, um dos últimos que tem uma obra linear e dentro do conhecimento dele e da influência que ele teve, que é de Jackson do Pandeiro. Eu tenho a maior admiração por ele. Mas, por exemplo, eu admiro outros. A minha grande admiração hoje é Tom Zé. Ele faz uma mistura do folclore com a modernidade. E isso é necessário.

Falves Silva e o relevo do Poema Processo

RP - Agora, o Brasil, é como se ele fosse um arquipélago, cheio de ilhas que não se comunicam.
Falves - Exatamente. São várias ilhas. O Nordeste, por exemplo, é uma imensa ilha. Eu diria que é quase um país isolado do Sul. Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, e Brasília se acham os donos da verdade. Quem noticia um artista do Nordeste, da Paraíba, do Rio Grande do Norte? É raríssimo. O cara tem que ir para lá, para o Rio ou São Paulo, comer o pão amassado pelo demônio, pra poder virar o cara.
RP - Você tentou, artisticamente, para que houvesse uma intercomunicação daqui com o Rio Grande do Sul? Nós temos uns escritores jovens, agora, que se comunicam. Mas, em geral, poderia haver alguma coisa nesse sentido, né?
Falves - Tem tudo a ver para que exista esse movimento, com apoio inclusive da internet. Que a internet eu acho que é uma via da maior importância. Agora, contraditoriamente, eu não gosto de computador. Eu ainda faço uma coisa assim artesanal. Porque arte é contraditória. A gente vai lá e vem cá. Eu sou um primitivo. Eu nasci em 43. Então, eu evoluí involuindo. Aí é uma questão que...
RP - Mas vai também do seu entorno.
Falves - Exatamente. Do meu entorno. Por exemplo: eu nunca fui ao Rio de Janeiro, nunca fui a São Paulo. O lugar mais distante foi Recife, Fortaleza.
RP - Agora, o que é que Moacy Cirne fez agora, neste momento, para mexer, divulgar sobre os 40 anos. Porque ele vai e vem do Rio de Janeiro.
Falves - Eu acho que Moacy é o cara mais importante nessa ida e volta, nesse trânsito. Ele sempre foi. Por que? Ele é um cara que tem um poder aquisitivo familiar. É o contrário de alguns outros, que não têm. Isto, em benefício dele, é excelente. Eu acho que Moacy tem uma capacidade de raciocínio muito forte, e graças a ele é que esse movimento do Poema Processo eclodiu aqui no Rio Grande do Norte e no Rio de Janeiro, simultaneamente. Isso aí eu acho inegável. Ele é uma pessoa que tem um conhecimento imenso.
RP - Mas você, se hoje chegasse uma pessoa, um grupo pra botar você para ir para o computador, pra internet, pra você dominar a informática, você iria?
Falves - Olha, eu, com a idade que eu tenho, não é uma questão de idade, mas uma questão de manuseio com o objeto com o qual você quer trabalhar. Eu estou fazendo uma exposição agora na qual estou mostrando isso.
RP - Sim, fale sobre a exposição.
Falves - Vai ser na Ribeira, durante o Encontro Natalense de Escritores. Nela estou mostrando minha evolução. É uma exposição particular minha, em homenagem aos 40 anos do Poema Processo. (Foto de Paulo Augusto: Marcellus Bob e Falves [dir.])

sexta-feira, novembro 16, 2007

Zona Norte: a auto-exclusão como escolha


ABANDONO CONSENTIDO
Zona Norte: a auto-exclusão como escolha

Com a inauguração da Ponte Forte-Redinha, oficialmente chamada "Ponte Newton Navarro" (Foto, de Antonius Manso), cujos festejos, bem ao gosto das encenações-ciladas eleitoreiras, irão durar seis dias de folguedos, com previsão de o governo do Estado torrar 1 milhão e 150 mil reais no ardil, era de se esperar que a Zona Norte desse seu salto no picadeiro, aparecendo de vez como espaço urbano autônomo.
Apenas com esse valor de 1 milhão e 150 mil reais a ser esbanjado com a chamada "programação cultural" - que não enche barriga, não tapa buraco de estrada nem tira o fedor das fossas - da inauguração da Ponte Forte/Redinha, daria para resolver a maioria dos problemas dessa zona.
Dói saber que, daquele montante, uma bolada de R$ 600 mil será depositada na conta do cineasta potiguar Moacir Góes, que bolou o espetáculo "Natal, plano de Deus" para os festejos? Dá agonia tomar conhecimento de que R$ 78 mil serão doados a apenas uma banda musical, a Cavaleiros do Forró, para fazer neguinho balançar a caveira? E que cerca de R$ 100 mil, no mínimo, serão levados no vôo de volta da cantora Elba Ramalho, que "adora" vir cantar para a negada natalense nos "programas culturais" de dona Wilma?
No seu aspecto folclórico, pode-se perceber a utilização eleitoreira da Ponte Newton Navarro, orçada no valor de 194 milhões de reais, com seus 55,10m de altura, que projetou no cenário político os gestores de sua construção, desde o seu surgimento, no governo Aldo Tinoco (1993-1996), quando comparamos essa obra com a Ponte de Millau, um viaduto sobre um despenhadeiro, com a altura de 343 metros, considerada a maior ponte do mundo, construída na cidade de Millau, na França, no tempo recorde de três anos.

Zona Norte: a auto-exclusão como escolha

Atravessando quase 2.5km no Rio Tarn no Sul da França, o viaduto de Millau contou com o trabalho de 3 mil pessoas em todo o projeto, que custou cerca de 400 milhões de euros. Idealizada em 1987, para eliminar problemas no trânsito e para que se torne um destino turístico, teve a primeira pedra colocada em dezembro de 2001. A estrutura metálica se apóia na terra, sustentando-se em sete grandes pilares. A obra, que possui 2.460 metros de extensão, foi projetada pelo arquiteto britânico Norman Foster, que se inspirou na Torre Eiffel, e reúne em sua estrutura recordes e proezas técnicas. A Eiffage, o grupo encarregado da construção e manutenção da ponte pelos próximos 75 anos, afirma que ela "funcionará perfeitamente" nos próximos 120 anos. Mais de mil convidados e quase 800 operários e técnicos que participaram da construção da ponte compareceram à inauguração. Compare a Ponte de Millau com a Ponte Newton Navarro, e sinta a diferença.
Os volumosos recursos que custearam apenas a inauguração da Ponte Newton navarro davam para se solucionar, de uma vez por todas, pelo menos, o problema de saneamento da Zona Norte, principal entrave ao seu desenvolvimento urbano, já que os grupos imobiliários, os empresários e os investidores, em geral, por conta desse fato, hostilizam o setor.
Ao contrário de se conscientizar do seu valor, e reforçar sua auto-estima, recusando as migalhas do assistencialismo mais deslavado, e mandando pastar em outras freguesias as quadrilhas de políticos sobejamente conhecidos, essa área não se dá ao respeito, não preserva-se a si nem observa a herança que está deixando para os descendentes dos que ali residem.
Tirando uma chinfra de "pobre", curtindo o autocolante status de "excluída", gozando da pecha de "prima pobre" da Zona Sul, a poderosa Zona Norte de Natal apenas se faz de "lesada", já que possui, além de um potencial econômico-financeiro invejável, lideranças capacitadas, homens e mulheres de escol, profissionais liberais habilitados de todo gênero e espécie. Isto sem precisar citar ou recorrer a quaisquer de seus pululantes, finórios e vivaldinos "políticos", sabidamente uma súcia de malandros, uma reconhecida cambada de vadios.

Zona Norte: a auto-exclusão como escolha

Basta lembrar que, de três pesquisas encomendadas pela construtora Ecocil, quando da construção do primeiro shopping da Zona Norte, ficou a comprovação de que o potencial econômico-financeiro dos moradores aponta para uma movimentação, em dinheiro sonante, de cerca de R$ 80 milhões por mês, dinheiro este que, lambem os beiços os empresários que ali aportaram com seus super e hipermercados, "a população da Zona Norte tem para gastar em shoppings e hipermercados".
Junte-se a esse potencial econômico, o quadro apreciável de seus equipamentos urbanos, que hoje reúne jardins de infância, creches, escolas da rede pública e particular, cursinhos pré-vestibulares, faculdades, unidade do Cefet, bancos, hospitais, clínicas, supermercados, hipermercados, shoppings e, agora, a chegada da Ponte Forte-Redinha, que fazem da Zona Norte, com seus 108 mil domicílios e uma população de 407 mil pessoas, a área que mais tem crescido na capital, apresentando uma taxa de 4,36% ao ano nos últimos 10 anos, contra a média de 1,78% de Natal.
A população costuma dizer que o maior sinal de desrespeito e desprezo ao povo da Zona Norte por parte dos políticos, essa choldra de espertalhões, que em sua maioria nada têm de identificação e sentimentos com o setor, é a atitude de esperar o ano de eleição, quando então lançam suas novas e estapafúridas promessas.
Se algum adolescente ou qualquer estudante dos cursos de primeiro e segundo graus se der ao trabalho de acompanhar o desenvolvimento e a evolução do setor, desde os seus primórdios, haverá de comprovar que as soluções para a Zona Norte, quando se fala em Poder Público, mantido com os impostos dos seus trabalhadores e assalariados, são sempre desprezadas, preteridas, dilatadas, ficando a população na eterna espera de dias melhores, que só chegam na metáfora dos discursos altissonantes e ornamentais dos candidatos - grande parte vigaristas - em épocas de eleição. É preciso que a população faça valer os cerca de 220 mil votos que a Zona Norte tem desperdiçado a cada eleição.
Pela ordem, ou pela desordem de sua hierarquia, pode-se seqüenciar todos esses eternos problemas, pois estão nos mesmos lugares, há mais de 40 anos, desde que a Zona Norte deu seus primeiros passos na explosão populacional e urbana que sofreria, a partir da década de 60, quando virou "depósito" de pobres e esquecidos, enquanto a indústria do turismo chamava atenção para o outro lado da cidade.
Como a principal, dentre outras zonas que são objeto de discriminação por parte dos órgãos públicos, na Zona Norte, que abriga quase um terço da população da capital, ainda se verificam pouquíssimas ruas pavimentadas, esgotos correndo a céu aberto nas inúmeras ruas carroçáveis, grande parte da infância e adolescência entregue à sanha do tráfico, o registro de acentuada violência, que atinge, em especial a juventude, carente de ocupação, escola e emprego, e os idosos, sem aproveitamento de seu potencial.
Sem falar naquele que talvez seja o mais visível, irritante, irrevogável, imanente e inalterável problema, que se conforma na ausência de uma engenharia de tráfego, que venha em socorro dos que precisam de usar sua malha viária para trabalhar "do outro lado do rio". Nesse caso, a Ponte de Igapó, estrutura pênsil desgraçadamente instalada numa estrada federal, a BR-101, cujas reformas ou substituição só podem ser negociadas no nível de ministério, na Corte, em Brasília, construída ainda na década de 50 e duplicada no governo do usineiro Geraldo Melo (1987-1991), hoje com suas modestas, parcas, minguadas feições, tornou-se no principal instrumento de tortura de quem precisa sair ou chegar a esta parte da cidade, devido aos engarrafamentos-monstro, em especial no momentos de pique e de rush no trânsito.
Como sabem os moradores da ZN, a maioria dos problemas do trânsito na área seria de fácil solução. Muitos compreendem que ainda persistem devido à incompetência, omissão e conivência dos ocupantes desses órgãos de trânsito, que preferem resolver problemas estruturais com algumas vistosas lombadas e gelos-baianos, de mais a mais presentes em toda a cidade. Haja vista a inoperância e os riscos potenciais vividos pela população trabalhadora ao subir ou descer dos coletivos, em direção ao centro ou em seu retorno, com a solução encontrada para uma das mais importantes via de escoamento de tráfego - a Estrada da Redinha - onde os gênios dos órgãos de trânsito aplicaram suas ações desqualificadas, colocando lombadas e mais lombadas na lombada do povo, sem se dar ao trabalho sequer de sinalizar as lombadas criminosas que lá já existiam.

Zona Norte: a auto-exclusão como escolha

Agora mesmo, acabados os festejos de inauguração da Ponte Newton Navarro, e finalizadas as comemorações da Padroeira de Natal, Nossa Senhora da Apresentação, que aparentemente não abençoa os moradores da Zona Norte de Natal, se poderá assistir, ao vivo, e em cores, à discriminação dos órgãos públicos municipais, quando dos trabalhos de decoração da cidade para o período natalino. Anualmente, a população vai à ruas, reclamar da completa ausência de uma atenção mais aguda para as ruas dos bairros do setor. Poderá se verificar que a melhor decoração será direcionada para os corredores onde passam os turistas e a elite da Zona Sul da cidade, ficando a decoração da Zona Norte a cargo de suas associações de classe.
Está-se em Natal, comemorando o Natal, mas nem todos os bairros da cidade merecem o mesmo respeito, nem se procura elevar a auto-estima dos moradores dos setores residenciais por igual, durante os festejos da comemoração do nascimento do Menino Jesus, que também, muito certamente, na cartilha dos gestores do município, apenas teria nascido para os de berço de ouro, com seus pedigree maialves.
Mesmo com a chegada de supermercados e hipermercados, de lojas de griffe, do Sesc e do Senac, de escolas de renome e até faculdades, persiste a carência de emprego e de ofertas de serviços. Sabe-se que, diariamente, cerca de 44,39% da população da Zona Norte se desloca para a Zona Sul com destino aos locais de trabalho, ou em busca de serviços, sendo que essa migração também acontece para outras áreas da cidade, como as Zona Leste e Oeste.
O padre de origem belga, Tiago Thiesen, em entrevista à Tribuna do Norte, alinhou algumas de suas atividades diárias em prol da população da Zona Norte, onde reside desde que chegou ao Brasil, em 1969. Padre Thiensen pode ser considerado como uma das pessoas que muito contribuiu para o crescimento da Zona Norte de Natal. Engajado no programa "Padres para América Latina", padre Tiensen recorda de como a área era "um mato só", em plena década de 70, e desde então acompanha e ajuda no que pode para a melhoria e o bem-estar dessa região.
"Quando cheguei aqui, Natal não tinha 200 mil pessoas. A Zona Norte era só mato. A única forma de se comunicar com os moradores do outro lado era atravessando o rio de barco", contou padre Thiensen. Ele informa que todo o desenvolvimento da região data da década de 1970, quando, governo do Monsenhor Walfredo Gurgel (1966-1971), se construiu a Ponte de Igapó.
Tanto o padre quanto os moradores compreendem que, apesar de toda a evolução da Zona Norte, ao longo do tempo, e mesmo agora, com a inauguração de mais uma ponte, construída em local errado, pois irá beneficar outras freguesias, mais endinheiradas e poderosas, existem áreas que realmente necessitam de grandes investimentos básicos de infra-estrutura. Padre Thiensen é um dos que observam que a população poderia usar seu poder de pressão e seus votos a favor dos seus interesses e da região, mas que acaba se iludindo com falsas promessas e com os espetáculos excessivamente caros e soberbos ao som de Cavaleiros de Forró e de outros artistas nacionais que pouco se lixam com o dia-a-dia da população.
"Existem alguns lugares na Zona Norte em que a situação dos moradores é lamentável", cofnrima o padre Tiago Thiensen. "Se escolhessem gente de bem, com seu poder de voto (cerca de 220 mil votos), a região poderia encher metade da Câmara dos Vereadores com gente de bem, que realmente quer ajudar", adverte o padre. Ele, contudo, conhece as dificuldades que se avoluma quando o assunto é administrar a região da cidade que mais cresce. "Em menos de 40 anos, a Zona Norte quadruplicou. É um desafio quase insolúvel para qualquer gestor tomar conta da região, mas a verdade é que não dá mais para tratar a Zona Norte como uma região à parte, separada de Natal", sentecia o padre.

CAOS ELETRÔNICO

Cláudio Guerra é entrevistado pela Unisinos
Graças a uma matéria do economista e sociólogo Antonio Cláudio Guerra, publicada no Caderno ENCARTES, do Jornal de Natal do dia 05 de novembro, intitulada "Rádios Comunitárias - FM 93.5: pelo direito de ser bonsai", os grupos, órgãos e entidades que lutam pela democratização da comunicação em todo o Brasil puderam ter conhecimento do drama vivido pela 93.5FM, Rádio Solidariedade, de Macau, administrada pelo produtor cultural João Eudes Gomes. Repassada para todo o Brasil, via internet, a matéria de Cláudio Guerra mereceu atenção e destaque em diversos estados, sendo o autor entrevistado pelo Portal do Instituto Humanitas Unisinos (IHU), da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul.
Reproduzimos, a seguir, a entrevista feita pelo IUH, onde, conforme seu site (
http://www.unisinos.br/ihu), "Você acompanha notícias, artigos e entrevistas veiculadas na mídia do Brasil e do mundo, em uma seleção preparada pela equipe do Instituto Humanitas Unisinos." Leia o texto da entrevista a seguir:
"Quando a Rádio 93.5FM, Rádio Solidariedade, da cidade de Macau, no Rio Grande do Norte foi proibida de transmitir sua programação por ser acusada, pelo Ministério Público Federal, de utilização de equipamento de radiodifusão, próprios de rádios comunitárias, o sociólogo e economista Cláudio Antonio Guerra escreveu o artigo "Rádios Comunitárias. O caso da FM 93.5: pelo direito de ser bonsai" e o enviou a inúmeros veículos. Cláudio, no texto, fala da luta das rádios comunitárias contra os "donos" da grande mídia.
A IHU On-Line, conversou com Cláudio, por e-mail, para tratar deste assunto. "A pressão popular deve se dar em todas as frentes de luta, mas penso que o fundamental é destruirmos a noção da ‘normalidade’ das coisas, essa ‘normalidade’ que exclui, que oprime e que massacra o cidadão", relatou Guerra, que falou também sobre as mudanças que precisam ser feitas nas leis que regem a comunicação comunitária no país e do cumprimento da função social do rádio no Brasil.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O que a população brasileira deve fazer, em sua opinião, para exigir que tais leis sobre concessões de rádios comunitárias sejam modificadas e, por conseqüência, reorganizem todo o rol de veículos que hoje existem na clandestinidade, mas contribuindo para a sua comunidade?
Cláudio Antonio Guerra
- A pressão popular deve se dar em todas as frentes de luta, mas penso que o fundamental é destruirmos a noção da "normalidade" das coisas, essa "normalidade" que exclui, que oprime e que massacra o cidadão. Nessa área da comunicação, ficou estabelecido como "normal" o poder das grandes redes e que todo político deve ser o dono de emissoras de rádio e canais de TV. Eu não sei como está a situação no resto do país, mas no Nordeste é um escândalo. Agora mesmo leio num jornal daqui uma denúncia sobre uma emissora de rádio, cuja concessão foi obtida para a cidade de Macaíba (RN), mas que está instalada e funcionando há muitos anos em Natal (RN). E a eficiente ANATEL - na ação de lacrar rádios comunitárias - desconhece o fato! Essa emissora é propriedade da vice-prefeita de Natal, Micarla Souza (1). Sem a intenção, o artigo acaba denunciando também o ex-senador e ex-governador Geraldo Melo (2) como dono de uma emissora de rádio na cidade de Ceará-Mirim e Agnelo Alves (3) (tio do senador Garibaldi Alves e do deputado federal Henrique Alves) como dono de uma emissora de rádio na cidade de Parnamirim, onde é o prefeito.
Penso que nossa ação maior deve ser a de fazer valer a Constituição Federal. Se o texto diz que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença", isso tem que valer. Não podemos concordar com uma lei que, ao invés de regulamentar, oprime as rádios comunitárias e o guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal, feche os olhos para essa injustiça. É necessário que avancemos para uma participação mais direta naquilo que nos pertence. Precisamos de mais plebiscitos, referendos e outras formas de participação direta tanto nas questões nacionais, bem como nas estaduais e municipais, pois a nossa democracia representativa, o parlamento, já se esgotou, e sozinho não atende mais aos anseios populares.
Eu penso também que essa demanda social pela liberdade de comunicação deve ganhar muita força nos próximos anos. E a Internet vai jogar aí um papel fundamental. Nós vivemos um belo momento de inclusão social que necessariamente pressiona para novas demandas sociais. Acredito também que nós estamos trilhando um caminho que pode levar ao fim da nossa submissão secular. Nossa história começou com a escravidão do negro e dos indígenas e continuou com a espoliação dos trabalhadores assalariados e dos pequenos produtores rurais e urbanos.
Para concluir, defendo que as rádios comunitárias de 25 watts ERP e antena de até 30 metros devem ter uma regulamentação específica apenas para preservar o interesse público, mas nunca com o intuito de suprimir o direito à comunicação como está definido na Lei 9.612.

CAOS ELETRÔNICO

IHU On-Line - Quais seriam as mudanças que você faria nas leis que regem os princípios das rádios comunitárias.
Cláudio Antonio Guerra - Primeiramente enterrar de vez o entulho autoritário. É urgente a supressão da Lei 4.117/62 (4). Não é possível que uma lei da ditadura seja maquiada e acolhida pela democracia. Depois, alterar os artigos 5º (5) e 22º (6) da Lei 9.612, de 19/02/1998, a lei das rádios comunitárias. O artigo 5º estabelece um "único e específico canal na faixa de freqüência do serviço de radiodifusão", o que limita a ação e expansão das rádios comunitárias. O artigo 22º é um absurdo, pois exclui o direito de proteção contra as interferências causadas por outras emissoras de radiodifusão. Mas o que é necessário mesmo, como propõe o Doutor Venício Lima (7), é um novo marco regulatório para o setor de comunicações.
IHU On-Line - A função social do rádio, hoje, está sendo cumprida?
Cláudio Antonio Guerra - Definitivamente não. E, sendo propriedade, deveria cumprir a função social conforme o texto Constitucional. Excluindo as rádios educativas e comunitárias que cumprem a função social, o que vemos são emissoras de radiodifusão voltadas quase que exclusivamente "na defesa do nosso grupo político", no dizer dos seus proprietários. Não se vê programas de debates com pluralidade de idéias. Deles só participam os que defendem as idéias "do nosso grupo político". As notícias são filtradas até o absurdo da inversão dos fatos. Não se vê pluralidade de opinião nem versões simultâneas das matérias polêmicas e também nenhuma iniciativa para a integração, divulgação e conservação dos elementos de cultura, tradições e hábitos sociais da comunidade. Ao invés de integrar a comunidade, contribui para desagregá-la.
IHU On-Line - O filme "Uma onda no ar" (8), de Helvécio Ratton, retrata a construção de uma rádio comunitária, a Favela FM de Belo Horizonte. Qual é a importância que esse trabalho tem hoje para as ciências da comunicação brasileira?
Cláudio Antonio Guerra
- Minas Gerais tem uma contribuição importante na disseminação das rádios comunitárias. Da cidade de Uberaba, em meados da década de 1990, um juiz federal concedeu várias liminares para a instalação e funcionamento de rádios comunitárias, contribuindo sobremaneira para o aprofundamento do debate e estimulando muitas comunidades a instalar o seu serviço de radiodifusão comunitária. O filme "Uma onda no ar" é analisado por muitos como uma discussão sobre os problemas da favela e também sobre o preconceito racial. Eu vejo o filme mais como uma contribuição ao debate em torno do problema da exclusão social, independentemente de serem favelados e negros. O primeiro preconceito é o de classe, depois vem o resto. O filme traz uma mensagem de resistência e toma partido. Nessa luta é preciso tomar partido.
IHU On-Line - Quais são, hoje, os principais problemas de ordem técnica para viabilizar a plena operação das rádios comunitárias no Brasi?
Cláudio Antonio Guerra
- Pelo menos até agora eu não vejo problemas de ordem técnica na operação das rádios comunitárias. Um equipamento razoável e uma antena bem situada - coisa que está ao alcance de qualquer comunidade organizada - responde bem à necessidade da população. Veja bem, ninguém aqui pretende falar para o mundo, se isso acontecer é conseqüência. O que a comunidade pretende é ter voz, ser ouvida, falar entre si, comunicar-se.

CAOS ELETRÔNICO

Notas:
(1) Micarla Souza (Foto) é deputada estadual pelo PV. Mudou para o PR para concorrer à Prefeitura de Natal em 2008. É filha ex-senador Carlos Alberto (antigo PDS) e dele herdou as rádios e a TV Ponta Negra, filiada ao SBT.
(2) Geraldo Melo é ex-senador e ex-governador do Rio Grande do Norte pelo PSDB. É dono da TV Potengi, filiada à Band.
(3) Agnelo Alves é prefeito de Parnamirim, no Rio Grande do Norte. Foi senador durante o governo FHC. É presidente da Femurn.
(4) Um dos principais dispositivos usados nessas situações é o artigo 70 da lei 4.117/62, antigo Código de Telecomunicações, que foi modificado pelo decreto 236 em 1967, durante o regime militar. O artigo considera crime a instalação ou a utilização de telecomunicações fora do que especifica a lei, o que incluiria as rádios comunitárias sem licença. Pela infração, os responsáveis pelas rádios podem ser presos por um ou dois anos.
(5) Art. 5º - O Poder Concedente designará, em nível nacional, para utilização do Serviço de Radiodifusão Comunitária, um único e específico canal na faixa de freqüência do serviço de radiodifusão sonoro em freqüência modulada.
Parágrafo único - Em caso de manifesta impossibilidade técnica quanto ao uso desse canal em determinada região, será indicado, em substituição, canal alternativo, para utilização exclusiva nessa região.
(6) Art. 22- As emissoras do Serviço de Radiodifusão Comunitária operarão sem direito a proteção contra eventuais interferências causadas por emissoras de quaisquer Serviços de Telecomunicações e Radiodifusão regularmente instaladas, condições estas que constarão do seu certificado de licença de funcionamento.
(7) Venício Lima é graduado em Ciências Sociais – Sociologia, pela Universidade Federal de Minas Gerais, doutor em Comunicação, pela University of Illinois, e pós-doutor, pela University Oxford, Ohio, EUA. Atualmente, é pesquisador da Universidade de Brasília e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing. Atuou nas principais universidades do país, focando nas Teorias da Comunicação, no Jornalismo Político e na Comunicação Pública. É autor de Duas questões de comunicação pública e Sete teses sobre mídia e política no Brasil, entre outras obras.
(8) Uma onda no ar é a história da criação e do desenvolvimento da Rádio Favela de Belo Horizonte - "a voz livre do morro", como a chamavam seus idealizadores. A rádio pirata entrava no ar todos os dias no horário do programa estatal A Voz do Brasil. A tática e o amplo alcance dos transmissores da rádio, que mandavam suas ondas bem além da favela, incomodavam as autoridades. Jorge, um dos idealizadores da Rádio, que é negro e morador da favela, acaba sendo perseguido e preso pela polícia. Atrás das grades, é questionado por outro detento sobre como foi a criação da Rádio. Começa uma história de luta, resistência cultural e política contra o racismo e a exclusão social, em que a população da favela encontra uma importante arma: a comunicação.
(Texto integral na página do Portal do IHU, aqui.)

terça-feira, novembro 06, 2007

Car@s,
ANTEPROJETO DE LEI EM VOTAÇÃO

O anteprojeto que propõe mudança na Lei Orgânica do Município será votado nesta quarta-feira pela Comissão de Justiça da Câmara dos Vereadores.
Quando: 7/11, às 14h
Onde: Câmara Municipal de SP - Viaduto Jacareí, 100, 1º andar
Convocamos os participantes de todos GTs que compõem o Movimento Nossa São Paulo para uma ação que poderá determinar os rumos da administração pública do município.
O anteprojeto que propõe mudança na Lei Orgânica do Município para instituir o comprometimento dos prefeitos da cidade a apresentarem um programa de governo detalhado para todo o mandato será votado nesta quarta-feira, dia 7/11, às 14h, pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Vereadores. Esta comissão avalia a legalidade e a constitucionalidade do projeto.
A votação já foi adiada por duas vezes, já que dois vereadores pediram vistas ao projeto. A pressão da sociedade civil é fundamental nesta etapa do processo, daí a importância da participação de todos.
Precisamos garantir que a aprovação não seja interrompida mais uma vez!
Quando: 7/11, às 14h
Onde: Câmara Municipal de São Paulo - Viaduto Jacareí, 100, 1º andar
Contamos com a presença de tod@s!
abraços,
Movimento Nossa São Paulo
www.nossasaopaulo.org.br

Rio também ganhou Defesa da população

A exemplo de São Paulo, o Rio de Janeiro também ganhou uma página na Internet para divulgar e organizar seus movimentos e suas batalhas contra os corruptores e políticos bandidos. Quando é que Natal, cidade presépio do Brasil, deixará de ser cretina e construirá o esboço de um plano para combate ao mau político?
Rio ganha movimento pela cidadania
Os cariocas ganharam uma ferramenta para acompanhar de perto como vai a vida no Rio de Janeiro. No dia 28 de agosto, representantes da sociedade civil e empresários lançaram no auditório da Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (Fecomércio-RJ), no Flamengo, o movimento Rio Como Vamos – iniciativa que visa mobilizar a população para fiscalizar a evolução da qualidade de vida na cidade.
Inspirado no Bogotá Como Vamos, desenvolvido na capital colombiana há nove anos, o Rio Como Vamos é um movimento de cidadania que propõe a mensuração e divulgação de indicadores da qualidade de vida no Rio. A meta é municiar a sociedade com informações para que ela possa exigir melhora nos serviços prestados pela administração pública.
Nesse sentido, a principal proposta do Rio Como Vamos nesta fase inicial é a chamada Cesta Básica de Indicadores, que engloba dez temas: Saúde, Educação, Segurança Pública e Violência, Pobreza e Desigualdade Social, Meio Ambiente, Lazer e Esportes, Habitação e Saneamento, Inclusão Digital e Trabalho e Emprego e Renda. "O Rio Como Vamos prioriza a definição de uma cesta básica de indicadores, começando por algumas áreas temáticas para conseguir melhor compreensão por parte da população", explicou a cientista social Samyra Crespo, uma das fundadoras do movimento e diretora do Instituto de Estudos de Religião (Iser).
Para se chegar a esses indicadores, o grupo técnico do movimento definiu uma série de critérios, tais como: a forma como a população poderá utilizar as informações; a possibilidade de desagregação dos dados para que sejam avaliados cada região e /ou bairro e a existência de uma série histórica; entre outros. A idéia é, a partir desses indicadores, mapear áreas da cidade e setores da administração que necessitam de mais atenção e investimentos. Ou seja, o conhecimento será a ferramenta através da qual a sociedade fará contato com a administração pública.
Celina Carpi, empresária e conselheira do Instituto Ethos, foi uma das idealizadoras do Rio Como Vamos. Para ela, nem só uma gestão empresarial eficiente se faz uma cidade boa para se viver. "A sociedade do entorno em que nós vivemos não pode estar doente para ter uma empresa saudável, então pensei como conseguiria trazer para esse entorno a mesma saúde que eu via dentro do meu próprio negócio", conta. Celina transformou a inquietação em solução ao conhecer as experiências aplicadas em São Paulo e Bogotá. Foi quando decidiu trazer e implantar o modelo em território carioca.
No lançamento do Rio Como Vamos, Emilia Ruiz Morante, que integra o comitê diretor do Bogotá Cómo Vamos, apresentou gráficos de uma pesquisa de percepção que mostra como o projeto melhorou a vida dos bogotanos. "Melhorar a qualidade de vida e dos governos é um longo processo, que exige paciência e persistência, além de trabalho em alianças", ponderou. Com efeito, o Bogotá Cómo Vamos é reconhecido pelos colombianos como o programa responsável pela melhoria da qualidade de vida e pela eleição de uma seqüência de três prefeitos com bom desempenho na capital, nos últimos nove anos. E se deu tão certo em Bogotá, por que não tentar em solo tupiniquim? (Continua abaixo) (Veja o site do Movimento aqui.)
(Foto: autor desconhecido.)

Rio também ganhou Defesa da população

De fato, o projeto estreitou laços entre Brasil e Colômbia. Os brasileiros quiseram aprender como os colombianos transformaram seus terríveis índices de violência em bons indicadores sociais. No fim de julho deste ano, uma missão do Brasil foi à Colômbia ver de perto o funcionamento do programa Cómo Vamos. O principal objetivo da viagem foi a coleta de dados que ajudassem a formatar projetos similares em grandes cidades brasileiras.
O Rio Como Vamos é o segundo projeto brasileiro inspirado na iniciativa colombiana. Em maio deste ano, os paulistanos ganharam o Nossa São Paulo: Outra Cidade, que pretende construir uma força política, social e econômica capaz de comprometer a sociedade e sucessivos governos com uma agenda e um conjunto de metas, visando oferecer uma melhor qualidade de vida para todos os habitantes da cidade. O presidente do Instituto Ethos e mentor do movimento paulista, Oded Grajew, saudou o lançamento do Rio Como Vamos. "Bogotá fez uma revolução, que pode se repetir no Brasil. O objetivo não se limita a melhorar a vida nestas cidades, mas mudar todo o país através desse exemplo de exigir a fixação de metas pelos governantes e também seu cumprimento, através de acompanhamento e avaliações permanentes", afirmou.
A cientista social Samyra Crespo disse acreditar que a espinha dorsal do trabalho são mesmo os indicadores, daí a importância da Cesta Básica. Já o economista André Urani ponderou que "o Estado do Rio produz indicadores excelentes, porém inúteis porque a sociedade não se apropriou do que é produzido". Para o ex-presidente da Agência Nacional de Petróleo (ANP), David Zylbersztajn, o sucesso do Rio Como Vamos vai de depender do grau de colaboração que as redes estabelecerem entre si e da importância que a sociedade à possibilidade do monitoramento.
Além de Celina Carpi, Samyra Crespo, André Urani e David Zylbersztajn, fazem parte da coordenação geral do Rio Como Vamos o médico e mestre em saúde pública Daniel Becker, o advogado e mestre em Direito José Antônio Fichtner e escritora e jornalista Rosiska Darcy de Oliveira. O movimento é apolítico e já conta com uma lista de 40 participantes, entre pessoas físicas e jurídicas. O Rio Como Vamos tem a adesão da Fecomércio, da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), da Associação Comercial, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), do Instituto de Ação Cultural (IDAC), do Comitê de Democratização da Informática (CDI), do Instituto de Estudos de Religião (Iser), do Instituto Ethos, da Fundação Avina, do Observatório das Favelas, do Synergos, do Centro de Promoção da Saúde (Cedaps), da Rede de Desenvolvimento Humano (Redeh) e do Viva Santa. Veja o site do Movimento Rio Como Vamos.

domingo, novembro 04, 2007

Uma idéia no lugar

Uma idéia no lugar
Espetáculo em Zurique criou super-realidade
que fundiu nacionalismo democrático da Copa de 1950 com o ufanismo de 1970
FRANCISCO ALAMBERT
Especial para a Folha
FSP, São Paulo, domingo, 04 de novembro de 2007
"Paulo Coelho, Dunga, Ricado Teixeira, dona Marisa, Aécio, Martha Suplicy, Lula e Globo. Vai ter tanta simbologia assim em Zurique!
Para a alegria da galera e o deleite dos empresários e empreiteiros nacionais, a tropa da elite da nação trouxe a Copa de volta. Era o que precisávamos para acreditar que a modernidade nos deu uma segunda chance e que seremos amanhã a China que fomos anteontem.
O mito JK renascido em FHC e transmutado em Lula reviverá no mesmo Maracanã construído pelo sonho desenvolvimentista.
Com o milagre de Dunga (jogador cascudo que num passe de mágica se fez "professor" da maior seleção que este país terá) e a fé refeita no progresso dessa terra em que o Cristo Redentor é uma das maravilhas do mundo, o anjo vingador mudará a história.
Teremos a vingança de 1950, aquele momento em que o Brasil ia dar certo, mas perdeu a Copa por "culpa" de um brasileiro pobre, negro e de codinome Barbosa. O mago Paulo Coelho e o "baixinho" (ah, as maravilhas da proximidade) Romário -este o mago dos pequenos espaços (e das negociatas vascaínas) e craque globalizado- estavam lá para garantir que a mágica será completa.
Pelé não estava lá, mas você há de convir que ele é meio "modernista" demais (digamos que restará como uma das relíquias do getulismo). Nunca antes na história deste país o nacionalismo foi tanto uma idéia no lugar.
Desde o "gente que faz" tucano, passando pelo brasileiro que não desiste, pelas minisséries da Globo, pela alegria de Galvão Bueno, pelos índices em alta do Banco Central, pelos índices em baixa de criminalidade do governo paulista (sempre tão questionados, mas quem se importa?), pelo sucesso de Kaká e dos ronaldos, até a retomada do cinema "de qualidade": passadas as privatizações, voltamos a aceditar em nós mesmos de tal maneira que até empresários andam sacando a honra da nação para deter uma certa "invasão espanhola".
Mas quem somos nós? O livro "A Cabeça do Brasileiro" [de Alberto Almeida, ed. Record] e a revista "Veja" nos mostram que somos dois.
A elite educada é democrática (não sei se Luciano Huck fez faculdade, mas ele é educadinho e democrata), e o povo é um poço de atraso e preconceito (seria o caso de Ferréz, que é escritor, mas não fez faculdade, e escreve o que passa na cabeça de gente ignorante e bárbara) -e a esquerda não sabe de nada disso." (Ilustração)

Uma idéia no lugar

"Andam nos dizendo todos os dias que o péssimo salário dos professores não tem nada a ver com a péssima qualidade de ensino. Até o diretor de "Tropa de Elite" [José Padilha] jura que pobreza não tem nada a ver com violência. A realidade é mais "complexa".
Mas o que é "realidade" para a elite e para a tropa? Uma pesquisa mundial da consultoria Nielsen mostrou que o Brasil (ao lado das Filipinas) é o país que mais acredita no que a publicidade diz que as coisas são. Somos fanáticos fundamentalistas da imagem manipulada: acreditamos nos comerciais assim como os talebãs acreditam em Alá.
Segundo a pesquisa, o "consumidor" brasileiro acredita mais na referência vinda da TV do que na de um amigo. Nossa cordialidade foi transferida para o departamento de marketing. A propaganda é o ópio da tropa e da elite (a pesquisa foi feita com internautas, e não com desdentados analfabetos).
E foi esse espetáculo, essa máquina de criar super-realidades, que vimos sacramentar em Zurique o casamento do nacionalismo da Copa de 50 com aquele da Copa de 70.
Uma pergunta "estrangeira" sobre violência quase estraga a festa. Mas tínhamos Ricardo Teixeira para defender as honras nacionais. Violência tem em qualquer lugar, ele responde a uma jornalista canadense (sic).
Mas o que ele não disse, e nem precisava, é que nosso novo nacionalismo se legitima de outra maneira: temos a elite pura (ainda que cansada), bem-pensante e democrática, a elite ex-sindical no governo, a elite do futebol mundial e agora também a "tropa de elite" da elite. O Brasil agora é um país de elite, e a nossa combinada ação elitista irá nos levar para dentro da elite mundial.
Mas e a realidade de Terceiro Mundo? Isso a propaganda não vende, portanto não existe, é só uma permanência do pensamento de esquerda que também já morreu.
Crença nas imagens da propaganda, nas virtudes da elite rica e letrada e nos deméritos do povo ignorante: tudo isso mais o nacionalismo tresloucado que assistimos na TV, altar da nossa fé, constituirá a lona que cobrirá esse circo de horrores e delícias que será o Brasil daqui até 2014."
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FRANCISCO ALAMBERT é professor de história contemporânea e de história social da arte na Universidade de São Paulo. Especial para a Folha, FSP, São Paulo, domingo, 04 de novembro de 2007. (Acesso, para assinantes.)

FM 93.5: pelo direito de ser bonsai

Rádios Comunitárias.
O caso da FM 93.5: pelo direito de ser bonsai
Cláudio Guerra
Sociólogo e economista
Centenas de grupos que querem aprofundar a discussão sobre os meios de comunicação podem orientar-se pela sugestão do jurista potiguar doutor Paulo Lopo Saraiva, no texto "A Comunicação Social na Constituição Federal de 1988", do livro, "Direito Constitucional — Estudo em homenagem a Paulo Bonavides". O autor propõe a instituição urgente do "Habeas Mídia", para libertar os meios de comunicação do "cárcere das elites", na feliz expressão do mestre Paulo Bonavides. E acentua: "Não apenas [para] garantir o direito de resposta, mas permitir o exercício do direito de ‘antena’, vale dizer, autorizar o acesso da sociedade organizada ao rádio e à televisão, colocando-os no espaço público".
(Ilustração: brasil.indymedia.org)

FM 93.5: pelo direito de ser bonsai

Cláudio Guerra
Sociólogo e economista
A luta das rádios comunitárias contra os barões da mídia
A sentença de condenação do produtor cultural João Eudes Gomes, que responde pela operação da rádio 93.5, FM-Solidariedade, em Macau, município da Região Salineira, no Rio Grande do Norte, prolatada pela justiça federal agora em setembro de 2007, acatando denúncia do Ministério Público Federal que o acusou de haver instalado e utilizado equipamento de radiodifusão [rádio comunitária] sem autorização do poder concedente, me remete à história do moleiro Domenico Scandella, conhecido por Menocchio, que viveu na aldeia de Montereale, província italiana de Friuli entre os séculos XVI e XVII e que foi queimado por ordem do Santo Ofício, após responder vários processos por desobediência às leis da igreja católica romana. Sua história despertou no pesquisador Carlo Ginzburg tanta curiosidade que resultou num livro interessante cujo título é "O Queijo e os Vermes – O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição". Até o papa Clemente VIII "se inclinava para Menocchio", mas o que estava em jogo era menos o perigo que o pobre moleiro poderia significar à igreja que o simbolismo de sua condenação no momento em que era necessário impor as doutrinas aprovadas pelo Concílio de Trento.
Para o filósofo Renato Janine Ribeiro, que escreve o posfácio à edição brasileira da referida obra, "Tal como é preferível esterilizar um ambiente hospitalar de mais do que de menos, também aparecia como preferível combater o diabólico em excesso, e não em falta". Para ele, "Menocchio é um herói, ou mártir da palavra".
A sentença
O eminente juiz que proferiu a sentença condenatória do cidadão João Eudes Gomes julgou procedente a pretensão punitiva da denúncia, respaldado no artigo 70 da Lei nº 4.117/1962, combinado com o artigo 2º da Lei nº 9.612/1998. Na dosagem da pena, o magistrado considerou que "a culpabilidade do réu, em face das circunstâncias fáticas e pessoais que determinaram o crime, é diminuta, porquanto se valeu, do serviço de radiodifusão com o desiderato de prestar o serviço à comunidade de que fazia parte, tendo sido, de fato comprovados os benefícios trazidos pelos serviços prestados; que o réu não registra antecedentes criminais negativos; que sua conduta social é boa; que a personalidade do acusado não inspira maior grau de desconfiança e de periculosidade à sociedade, que o motivo do crime foi o interesse de ajudar a comunidade local com a transmissão de informação e a realização de serviço de utilidade pública...".

FM 93.5: pelo direito de ser bonsai

Todas essas considerações que o eminente juiz fez, e o fez bem, foi corroborado por aqueles a quem interessa o funcionamento da FM-Solidariedade, a comunidade de Macau/RN, em especial a do Porto do Roçado. E foi por essa razão que uma centena de cidadãos dos mais variados segmentos da sociedade macauense declararam sua solidariedade à rádio comunitária. São professores, comerciantes, pequenos industriais, estudantes, operários, pescadores, representantes de entidades assistenciais, religiosas e educacionais que vêem na FM-Solidariedade um instrumento que contribui para a melhoria da vida comunitária.
É de se ressaltar, nesta sentença, dois pontos que, na minha opinião, ultrapassaram nossa legislação. Um é o fato do cidadão ser condenado individualmente a pagar multa e sofrer restrição de liberdade, apesar de ser apenas um dos membros de uma associação que é formada por dezenas de pessoas. No mesmo diapasão seriam os membros de um partido político ou de um sindicato, condenados individualmente em razão de uma acusação de infringência às leis pelo partido ou sindicato? Outro fato que também é preciso ressaltar é que de acordo com o texto constitucional, Capítulo I, Título II, Artigo 5º, XIX, "as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado". Pois bem, com a apreensão dos equipamentos da FM-Solidariedade a associação foi prejudicada em suas atividades antes do trânsito em julgado!
Uma lei da ditadura continua fazendo estrago na democracia
E devemos destacar também que a Lei 4.117/62, que instituiu o Código Brasileiro de Comunicações, apesar de ter sido promulgada num período de relativa democracia, foi inteiramente alterada pela ditadura através do Decreto-Lei nº 236 de 28/02/1967. Portanto é uma lei da ditadura. E até a nossa Constituição Cidadã de 1988 acolheu-a. Estranho? Não, se considerarmos que até hoje uma grande parte de deputados, senadores, governadores e outros políticos em busca de mandatos são donos de emissoras de rádio e de televisão. Estes fazem parte do baronato da mídia, cujas concessões foram obtidas, na sua grande maioria, durante a ditadura. Aqui sim, um flagrante desrespeito à Constituição Federal, que proíbe tal prática.
Os feudos da comunicação no Rio Grande do Norte
No Rio Grande do Norte, é comum citar que a Cabugi [Globo] é dos Alves, senador Garibaldi Alves, deputado federal Henrique Eduardo Alves (primo de Garibaldi), deputado estadual Walter Alves (filho de Garibaldi), vereador Geraldo Neto (sobrinho da Garibaldi); a Potengi [Band] é do ex-senador e ex-governador Geraldo Melo; a Ponta Negra [SBT], que era do senador Carlos Alberto [pai], agora é de Micarla de Souza [filha], presidente do Partido Verde (PV) e vice-prefeita de Natal; a Tropical [Record] é do senador José Agripino e do deputado federal Felipe Maia (filho de Agripino). Se é ou não, eu não sei, mas que a Tropical tem uma preferência enorme pelo senador José Agripino, isso tem. Basta ver seus telejornais que está lá o estridente senador discursando na tribuna do Senado Federal, todos os dias. E se sairmos aí em cada Estado da federação a apontar os verdadeiros donos de emissoras de rádio e TV – não os testas de ferro – veremos que são políticos com mandatos ou em busca de um.

FM 93.5: pelo direito de ser bonsai

Os barões da mídia e a legislação
No ano passado, o jornalista Venício Lima, pós-doutor pela Universidade Illinois, constatou que mais de 50 parlamentares tinha a posse de emissoras de rádio e TV. Segundo o levantamento, deputados que possuíam concessões de rádio e TV eram membros da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática e votaram pela renovação de suas próprias concessões.
Para o Doutor Venício Lima como não há uma legislação específica para o setor, os "grupos privados familiares ligados às elites políticas foram se apropriando do setor e exercendo influência decisiva na sua regulação. Os princípios inseridos a duras penas na Constituição de 1988 não lograram regulamentação no Congresso Nacional, onde a bancada que representa os interesses dos empresários de comunicações – direta e indiretamente – é historicamente muito forte". E alerta que, "no Brasil não há controle sobre a propriedade cruzada nem sobre a formação de oligopólios de mídia". E conclui: "Somente um novo marco regulatório para o setor, que tenha como horizonte a democratização das comunicações, poderia reverter a médio e a longo prazos a situação atual".
A poderosa Abert e suas afiliadas
Recentemente, através das emissoras de rádios e TVs, a Abert – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, que representa os proprietários destes meios de comunicação, encetou uma grande campanha contra as rádios comunitárias – para eles, "rádios piratas". Uma das acusações seria que essas rádios interferiam até nas comunicações dos aeroportos, pondo em risco a segurança das aeronaves. Mas a acusação maior era a de não estarem legalizadas.
Balelas. Qual a interferência que a FM-Solidariede, distante 200 km., poderia provocar nos aeroportos de Natal e Mossoró? E sobre a legalização, recente levantamento constatou que, só em São Paulo, das 39 emissoras de rádio em Freqüência Modulada licenciadas pelo Ministério das Comunicações, apenas 3 têm outorgas em dia. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu que o prazo de concessão para serviço de radiodifusão sonora é de 10 anos, podendo ser renovado por igual período. Com as outorgas vencidas, estas emissoras se valem do Decreto 80.066/1983, que estabelece no artigo 9º: "Caso expire a permissão, sem decisão sobre o pedido de renovação, o serviço poderá ser mantido em funcionamento tem caráter precário [...]". Ocorre que não há o estabelecimento de qualquer prazo ou limite e isso afronta o Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962 [artigo 36], uma vez que, "expirado o prazo de concessão ou autorização, perde, automaticamente, a sua validade a licença para funcionamento da estação". Para o deputado federal Orlando Fantazzini, "Não podemos continuar permitindo o funcionamento de emissoras comerciais com concessões vencidas há mais de dez anos, enquanto rádios comunitárias são fechadas de forma violenta, tendo processos em tramitação no ministério".

A FM-Solidariedade derrubará aviões?

A FM-Solidariedade derrubará aviões?
Mas voltemos a Menocchio. Que mal esse camponês – com seus pensamentos "fora da lei" — na sua pequenina aldeia causaria à poderosa igreja católica romana? E, passados mais de três séculos, continuamos perguntando: Qual o perigo que a FM-Solidariedade, com seus 25 watts de potência e sua antena de 12 metros fincada no solo pantanoso da maré do bairro do Porto do Roçado, na pequena Macau, poderia causar à sociedade? E ainda mais se verificarmos que faz apenas transmitir programas de musica popular brasileira, educacionais, religiosos, campanhas contra o uso de drogas, de vacinação, contra a dengue, além da divulgação de comunicados oficiais da Prefeitura Municipal, do Governo Estadual e do Governo Federal?
Vamos entender isso no âmbito de Macau. O município tem 26.000 habitantes, aproximadamente 20.000 na sede e cerca de 5.000 no Porto do Roçado, onde está a FM-Solidariedade. A cidade tem somente uma rádio AM comercial, que cobre toda a região e que é conhecida como "a rádio de Zé Agripino" [senador José Agripino Maia –DEM]. Se o seu nome consta da razão social da emissora não vem muito ao caso, o que vem ao caso é a preferência da emissora pelo senador, retransmitindo diariamente seus raivosos discursos contra o Governo Lula.
Desde meados da década de 90, foram várias as iniciativas de se fazer rádio comunitária em Macau. Algumas verdadeiramente comunitárias, outras nem tanto, mas muitos cidadãos de Macau foram condenados por tentar quebrar o monopólio da rádio AM em Macau. Concorreriam com ela? Acho muito difícil, pois além de não fazer comerciais, seus trabalhadores eram todos voluntários e não percebiam salários. E com relação a problemas técnicos, não há como interferir na emissora AM.
Descartados os aspectos técnicos, analiso pelo lado econômico. Estarão os barões da mídia com receio de perder os milhões de reais que recebem anualmente dos governantes para a propaganda quase pessoal de seus governos? Por aí também não vejo ameaças, pois rádios e TVs comunitárias não se prestam a servir governos. Servem a comunidade, servem o Estado. Resta então o fator ideológico e a necessidade de cumprir uma lei da ditadura, coisa que não é nada razoável para uma nação que viveu a maior parte da sua história republicana sob governos ditatoriais.

FM 93.5: pelo direito de ser bonsai

A quem serve a FM-Solidariedade
A despeito de todos estes problemas criados para que a FM-Solidariedade não funcione, ela segue lá no seu cantinho divulgando tudo que for de interesse da coletividade macauense, pois o que lhe dá legitimidade é o reconhecimento da comunidade e isso a FM Solidariedade tem de sobra. Agora mesmo sou informado que foram encaminhados para a emissora dezenas de pedidos de divulgação que considero importante listar alguns deles:
1] Do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Macau-RN: Edital de convocação para escolha de membros de Conselho Tutelar;
2] Do 6º DIRED – Secretaria de Educação do Rio Grande do Norte: Chamada para regularização de situação funcional;
3] Do Museu José Elviro: Comunicação de interesse da comunidade;
4] Da Caixa Escolar da Escola Estadual Profª Clara Tetéo: Assembléia Geral Extraordinária;
5] Da Paróquia Nossa Senhora da Conceição – Pastoral da Juventude: Convocação da comunidade para reunião sobre o Combate ao uso de drogas;
6] Da Escola Clara Tetéo: Comunicação sobre inscrições para os exames supletivos;
7] Do Conselho Municipal de Saúde de Macau-RN: Comunicação/Convite da 3ª Conferência Municipal de Saúde de Macau;
8] Do 6º DIRED – Secretaria de Educação do Rio Grande do Norte: Comunicação de homenagem aos professores;
9] Da Justiça Eleitoral – 30ª Zona Macau: Comunicado sobre a revisão eleitoral no município;
10] Da Prefeitura Municipal de Macau – Cemitério Público: Aviso de interesse da comunidade;
11] Da 6º DIRED – Secretaria de Educação do Rio Grande do Norte: Comunicado sobre as Olimpíadas de Matemática;
E a luz vem daqui mesmo do Rio Grande do Norte
"Não existe democracia sem comunicação democrática." É assim que inicia o livro "Vozes da Democracia: histórias da comunicação na redemocratização do Brasil", editado pela Intervozes: coletivo Brasil de Comunicação Social e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo em 2006 e que pode ser lido no sitio www.intervozes.org.br . Assim como a Intervozes, existem centenas de grupos que querem aprofundar a discussão sobre os meios de comunicação. No próximo dia dia 10, às 10 horas da manhã, o Movimento dos Sem Mídia fará uma manifestação diante da sede da Globo em São Paulo para protestar contra o monopólio da comunicação no Brasil
Em todo esse debate, uma luz vem daqui mesmo do Rio Grande do Norte, da terra onde viveu Jacó Rabbi, o vero amigo dos potiguares. É neste sentido que a proposta do eminente jurista potiguar doutor Paulo Lopo Saraiva, no texto "A Comunicação Social na Constituição Federal de 1988", do livro, "Direito Constitucional — Estudo em homenagem a Paulo Bonavides", é inovadora.
O autor propõe "a instituição urgente do ‘Habeas Mídia’, para libertar os meios de comunicação do ‘cárcere das elites’ na feliz expressão do mestre Paulo Bonavides". E acentua: "Não apenas garantir o direito de resposta, mas permitir o exercício do direito de ‘antena’, vale dizer, autorizar o acesso da sociedade organizada ao rádio e à televisão, colocando-os no espaço público". E conclui, apontando para a "necessidade urgente de criar a ‘Teoria Jurídico-Politica da Libertação da Mídia’, com uma nova lei sobre concessões, permissões e controle".
Conversando com o pessoal da FM-Solidariedade, pode-se percebe que eles não querem muita coisa, só o direito de antena e ocupar um pedacinho do espaço público para servir a população. Na expressão de um membro da emissora, "o que é gente quer é continuar uma arvorezinha, a gente quer mesmo é ser bonsai."
Claudio Guerra – Sociólogo e economista
(E-mail: clanguerra@gmail.com)