quarta-feira, setembro 07, 2011

A riqueza do mar e a redenção de Macau



A riqueza do mar abre mais uma porta para a redenção de Macau
Nesta entrevista à FOLHA DE MACAU, o professor Edmar Almeida de Moraes, coordenador da Política de Formação Humana nas Áreas de Pesca Marinha, Continental e Aqüicultura Familiar/Portos e Navegação, do Ministério da Educação e Cultura (MEC), através da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), faz uma extensa reflexão sobre a importância que a Política de Formação Humana e os Núcleos de Pesquisa Aplicada à Pesca vem adquirindo ao longo do tempo, apresentando dados e informações sobre os avanços dessa Política desde a sua criação, em 2007, até o momento atual. Na entrevista, ele aborda a formidável oportunidade que foi dada às atividades do IFRN - Campus Macau, sobre as ações do Núcleo de Pesquisa Aplicada Nordeste -03, ressaltando a importância do desmembramento dos Núcleos de Pesquisa. “Todo o Brasil está esperando esse curso que fortalece os 21 núcleos de pesca do país. Precisamos dessa formação que foi esquecida ao longo da história e que agora está sendo recuperada”, destaca professor Edemar, que é licenciado em Letras, Bacharel licenciado em Filosofia, Bacharel em Direito, e tem mestrado em Educação para o Desenvolvimento. O objetivo do curso é formar quadros para atuar na área de pesca, aqüicultura e ambiente, atividades características da nossa região e que precisam ser desenvolvidas junto a uma formação profissional. A justificativa do curso se faz pela demanda sócio-econômica do setor.
Torna-se da maior importância que se divulgue, junto às famílias de baixa renda acerca da oportunidade que existe agora no IFRN de Macau, que dispõe do Barco-Escola “Instituto Federal”, ex-barco de pesca “Glenelg”, de origem americana, com 26 metros de comprimento. O barco teve seus reparos e serviços de conversão iniciados na Base Naval de Natal (BNN) em 25 de setembro de 2008. A finalidade era transformá-lo em Barco-Escola, para que fossem ministradas aulas de cursos técnicos na área da pesca. A embarcação também será empregada no ensino e na pesquisa pelo campus do IFRN, em Macau. A aquisição da embarcação pelo IFRN foi resultado de um acordo de cooperação entre o Instituto, a Marinha e o MEC, por meio da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC). Com esta nova panorâmica, abre-se um novo horizonte aos jovens do município, que precisam de trabalho e estudo, ganhando uma profissão, e com isto evitando, as meninas, de se prostituírem, e os rapazes, de caírem nas drogas ou na cracolândia.
Em rápidos traços, professor Edemar faz sua própria apresentação, antes da entrevista que concedeu para a edição especial de 9 de setembro de 2011 da FOLHA DE MACAU, comemorativa dos 136 anos de emancipação do município.
"Meu nome é Edmar Almeida de Moraes, sou professor e funcionário de carreira do Ministério há 37 anos, sou amazônida e nasci no interior do Pará. Meu avô  era pescador e aprendi a gostar da pesca com ele. Meu pai era de Belém, da região de Salgado e depois fui pra lá. Segui meus estudos em São Paulo, fui pra Minas onde fiz toda minha formação acadêmica. Lá me licenciei em Letras, Bacharel licenciado em Filosofia, Bacharel em Direito, mestrado em Educação para o Desenvolvimento, vim para o Ministério, comecei minha vida pública através de concurso, entrei no Conselho Federal de Educação, depois fui pra SESU (Secretaria de Ensino Superior), onde passei por vários cargos e fui fazer o doutorado na Universidade de Colônia, na Alemanha. Retornando, continuei meu trabalho na SESU e tive a honra de ser convidado na época, pelo Dr. Ulisses Guimarães para ser o Chefe de Gabinete da Constituinte. Eu estava em Mossoró, aqui no Rio Grande do Norte, estadualizando uma universidade municipal, juntamente com o padre Sátiro (Cavalcanti Dantas - http://www.pesatiro.com.br/obras.php), que era o Reitor pró-tempore na época. Estadualizamos e depois fiz o projeto para reconhecê-la como universidade. Hoje é uma grande universidade estadual, interiorizada aqui dentro do Estado, levando a educação, a formação e a qualificação. A minha ligação com o RN vem desde meus avós paternos, que saíram de Mossoró e foram parar em Belém do Pará, por isso digo que tenho uma ligação de sangue com o RN. 
Foto: aqui.

A riqueza do mar e a redenção de Macau



FOLHA DE MACAU – Como se enveredou pelos caminhos da pesca?
EDMAR ALMEIDA – Meus avós maternos eram pescadores no Pará e eu quando criança, pescava com meus avós, com meu avô que me ensinava. Eu não quis uma carreira universitária, porque eu disse que queria ficar no Ministério da Educação para desenvolver projetos de cunho e alcance nacional de inclusão social e transformação. Antes de ir pra Constituinte, desenvolvi um trabalho com a Universidade do Pará de interiorização daquela universidade. Fizemos a interiorização e quando estava na constituinte tive a ideia de colocar um dispositivo constitucional que obrigasse as instituições públicas irem pra o interior. Eu não era deputado, não podia, mas redigia as emendas e meus amigos da Comissão de Educação, quiseram colocar e nós colocamos. Era o art. 60 parágrafo único das disposições transitórias constitucionais, que obriga as universidades por um período de dez anos e as instituições públicas irem para o interior com ensino, pesquisa e extensão, foi quando começou a interiorização das universidades que hoje está no ápice. Então retornei pra SESU-MEC e fui coordenar a interiorização das universidades federais e estaduais de todo país e ao chegar na SETEC, que antigamente chamada de CEFET, comecei a interiorização das escolas técnicas através das escolas agrotécnicas e hoje temos toda essa interiorização que é o espírito constitucional contido naquele velho dispositivo, que hoje não existe, foi modificado. No período de dez anos isso foi feito, isso nós fizemos uma reunião em 1998 para avaliar essa interiorização, isso veio aos poucos e com o governo Lula houve esse processo de expansão e interiorização. Por que tudo isso? Porque nós sempre acreditamos que não existe desenvolvimento sustentável sem uma base educacional. Eu, como conhecedor da Amazônia e do resto do país que tive a oportunidade de conhecer, eu sabia que a gente tinha que ir pra o interior, descentralizar a educação que estava centrada nas universidades dentro das capitais. E as famílias pobres, como ficariam? Eu tive um exemplo claro disso, quando cheguei no Acre para fazer a interiorização daquela universidade, conheci os bolsões de miséria daquela população, ou seja, as famílias fugindo do interior porque não tem trabalho e nem estudo, iam pra Rio Branco, não tinham uma profissão, então moravam em cortiços, favelas. Daí era um passo para as filhas se prostituírem, os filhos caírem nas drogas ou na cracolândia como dizemos hoje e com a interiorização, nós democratizamos na prática, as oportunidade para que todos os cidadãos brasileiros pudessem frequentar uma escola. Olhe aqui o Campus IFRN Macau e assim por diante, em todo nosso país. 
FM – Qual a importância da pesca para a economia do RN?
EA – Vou continuar respondendo uma pergunta anterior, de como eu entrei na pesca. Com a chegada do professor Eliezer como secretário da SETEC, ele chamava a gente no gabinete e mostrava o mapa do Brasil e dizia: olhem aqui, nós temos 8.500km de litoral. Na época nós tínhamos cinco cursos técnicos no país na nossa rede, que já tinha cem anos. Um curso era dado lá em São Gabriel da Cachoeira do Alto Rio Negro, na cabeça do cachorro, como a gente chama, dois em Belém, um na Bahia em Valença e outro em Alegre, no Espírito Santo. Descobri mais um que era em Itajaí, isso em 2006. Incumbiram-me de desenvolver uma política nesse sentido. Redigimos um acordo de cooperação com o Ministério da Pesca que era antes FEAPI. Foi assinado pelos Ministros da Educação, da Pesca e pela Secretaria de Educação Profissional, professor Eliezer e eu testemunhando. Essa política chama-se Política de Formação Humana na área de pesca marinha, continental e aquicultura familiar, acrescido depois com outro acordo com Portos e Navegação. Como eu tinha uma vocação desde pequeno para pesca, como já disse que aprendi a pescar com meu avô quando criança, aquilo ficou e eu sempre queria desenvolver uma ação nacional e uma foi à interiorização, os cursos noturnos, tanto nas universidades como nas nossas escolas técnicas, os CEFET´s, agora Institutos, hoje é uma tranquilidade os cursos noturnos fui eu e a outra foi com a pesca, que veio a calhar. Então foi uma forma de eu resolver e realizar um antigo desejo de infância. Então hoje, essa política, em três anos já colocou mais de setenta e dois (72) novos cursos no país, na nossa Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.

A riqueza do mar e a redenção de Macau



FM – Quantos cursos de Recursos Pesqueiros existem em nosso Estado?
EA – O RN começou com a criação do Núcleo de Pesquisa Aplicada à Pesca. Está contida nessa política que leva o número 0022006, mas nós começando em 2007 quando realizamos um seminário nacional em João Pessoa e em Cabedelo na Paraíba, no qual levei os Institutos, que já mexiam com pesca e outros estavam entrando, mais as lideranças pesqueiras de todo o Brasil. Professor Lizando Fernandes está comigo desde a primeira hora, ele participou das discussões que deu o pontapé inicial pra todo esse movimento, em maio de 2007. Lá tomamos duas decisões, uma que é aumentar o número de cursos técnicos na Rede Federal e a criação dos Núcleos de Pesquisa Aplicada Pesca e Aquicultura, cuja sigla é NUPAS, que se dividem por região. Por exemplo, no Nordeste existe o NUPA 1, 2, 3. Tudo isso começou com a criação do NUPA/RN, em Natal e com a criação do Campus Macau, foi a chance de se começar a desenvolver uma política pra pesca aqui no RN. A importância desses cursos é que o Brasil não tinha técnico, importávamos técnicos para as áreas de pesca, camarão de países como Peru, Chile e Equador. Mas aí, a vocação de nossos Institutos, através de seus Campi, começou a florar, perceber a necessidade. Como era que iríamos aumentar o número de cursos técnicos no nosso país, nas nossas instituições se não tínhamos professores? Então, veio a calhar que nós estávamos na primeira fase do processo de expansão da Rede Federal. Então, negociei com todos os diretores e reitores e diretores gerais, vagas para concursos e vestibulares, já que eles estavam recebendo para implantar nos campi. Daí fomos fazendo os concursos públicos para os campi na área de pesca, aquicultura, portos e navegação. Com isso abriu-se o mercado de trabalho pra essa gente em todo o país. Hoje nós temos mais de trezentos professores concursados efetivos nos nossos Institutos com mestrado, doutorado, etc.
FM – Considerando que a região salineira ainda possui extensas áreas próprias para o cultivo de peixes e camarão e que existem centenas de trabalhadores na área de pesca, como você vê a possibilidade da criação de fazendas de produção do pescado, gerida por cooperativas de trabalhadores ou mesmo a criação de pequenas produções individuais (uma espécie de reforma agrária litorânea)?
EA – A criação de fazendas para a produção de pescado está vinculada, não só a um desenvolvimento econômico, mas também de sustentabilidade do meio ambiente. Nós não podemos degradar o meio ambiente com a implantação de fazendas. Não sou contra, mas nós temos que respeitar as leis de preservação do ambiente e para isso precisa-se de formação, capacitação e os nossos Institutos, o campus Macau está preparado, através de seus núcleos de pesquisa, com cursos para pescadores e pescadoras. Aqui nós já temos um projeto, que está servindo de protótipo para todo o país e quiçá para o mundo, refiro-me ao Pescando a Cidadania, que nasceu aqui. Foi feito pelos professores servidores do campus Macau e isso está impactando em todo o país ao ponto de, no ano que vem já termos colocado recursos no orçamento na ordem de quinhentos mil reais (R$ 500.000,00) para formarmos formadores, o curso de multiplicadores para todos os institutos do país e além de outros que quiserem fazer esse curso de multiplicadores para formar professores para o curso de alfabetização, Pescando a Cidadania. Isso será desenvolvido pelo campus Macau, que está previsto para abril de 2012. Virá gente de todo o país. Gostaria que esse curso fosse feito aqui mesmo em Macau, mas por problemas de infraestrutura, teremos que fazer em Natal.
Foto: aqui

A riqueza do mar e a redenção de Macau




FM – Na questão das cooperativas de pescadores, existem algumas que deram certo, mas aqui em Macau, houve uma tentativa de criar uma cooperativa de pescadores e foi um fracasso, porque terá sido? Sabemos que existem cooperativas em outros Estados que funcionam a contento, como por exemplo, no Rio Grande do Sul, existem cooperativas de frutas. Será uma questão de educação dos pescadores ou dirigentes sindicais?
EA – São conjuntos de fatores que tem contribuído pelo fracasso dessa área, mas os núcleos de pesquisa, essa política e os nossos institutos, principalmente nos campi onde se desenvolve a pesca, estão imbuídos desse espírito cooperativista, e nó, na Rede Federal, nos nossos núcleos de pesquisa, temos pessoas especializadas. Já estamos trabalhando nessa área, no sentido de capacitar os pescadores, dando conhecimento tecnológico, falando da importância da cooperativa e no que vem a ajudar. Nós já temos experiências. Por exemplo, nós já temos uma experiência em São João da Barra. A pesca lá é oceânica e os maridos pescadores vão pra mar, passam entre 15 e 20 dias e as pessoas com as crianças ficam em terra. A baixa estima dessas mulheres ficava lá em baixo. Quando os maridos retornam, muitas vezes o que ganharam não dá pra pagar o que gastaram pra levar e o que deixaram pra família. Então fica esse circulo vicioso, que chamo de escravidão do séc. XXI, que está trelado aos atravessadores. Nossa política tem trabalhado nesse sentido de superar esses atravessadores. Para isso nós criamos e estabelecemos cooperativas, mas lá é uma cooperativa que vai dar educação elevação de escolarização com qualificação profissional. Analfabetos fizeram cursos de alfabetização, demos cursos de processamento de pescado, boas práticas, e isso começou a gerar trabalho e renda para as mulheres. Quando os maridos retornavam do mar, notavam mudanças em sua residência, a casa estava bonita, já tinha outros utensílios como geladeira, telefone, televisão, as crianças com roupa nova, a mulher tinha tomado um banho de loja, colocado dente, arrumado o cabelo. Isso me deu um problema porque começou a gerar ciumeira dos maridos, pois pensavam que o Ricardão tinha passado por lá na ausência. Tivemos que fazer uma reunião e dizer que o Ricardão era a política de formação humana. Um colega meu brincando, dizia que o Ricardão era o Edimarzão e eu dizia que não dissesse uma coisa dessas senão iam me matar. Mas até eles, os pescadores foram fazer o curso e hoje estão lá, exportando. Então nossos núcleos trabalham com cooperativismo, estabelecendo boas práticas, processamento do pescado, gestão e comercialização, que são os dois gargalos desse processo. A importância dos nossos cursos aqui no Instituto, já está repercutindo, nem bem formamos a primeira turma, já temos mais de quatorze alunos fazendo estágios em empresas. Ha alguns dias tivemos uma notícia. Temos um aluno que foi fazer um estágio em uma empresa Produmar, em Natal. Ele ainda não terminou o estágio, mas já está visado para ser contratado. Hoje ele ganha setecentos reais (R$ 700,00) como estagiário, mas o salário dele após a conclusão do estágio já como técnico, estar de mil e oitocentos reais (R$ 1.800,00), ou seja, recém-saído da fornalha já passa a ter seu trabalho reconhecido. Isso demonstra que não podemos mais trabalhar como antigamente, porque o mundo avançou, precisa de novas tecnologias e nós estamos fazendo essa transferência de tecnologia e conhecimento, ou seja, eles aprender nos nossos laboratórios, na teoria e na prática e no exercício do estágio, o aluno coloca em prática tudo que aprende, e com isso vai melhor à produção e a qualidade dos produtos. Era o que o Brasil estava precisando, de técnicos.
FM – No final dos anos 90 a Petrobras criou o Projeto Marambaia, que consistiu na criação de recifes artificiais, o RAS, por meio de colocação de contêineres metálicos numa área a 10 milhas da costa, aproximadamente. Como você vê um projeto dessa natureza para os pescadores da região?
EA – Tudo isso vai depender de capacitação também, hoje sempre digo que não adianta você dar o peixe se não ensinar a pescar, não adianta você dar o dinheiro e não ter gente capacitada. É discutido muito isso, a gente tem que analisar caso por caso porque ai envolve uma série de conhecimentos ambientais, preservação, equipamentos, etc. A frota pesqueira no Brasil está sucateada. Nossos pescadores não têm equipamentos pra está enfrentando o tempo todo a distancia do mar. O que temos é frota artesanal. Em outros países já aconteceu isso, mas essa metodologia é discutida, porém se tem outra infraestrutura, tanto é que esse projeto da Petrobras, pelo que se, não vingou, justamente pela carência e despreparo. O gargalo de todo processo da pesca, como sempre coloco, é a questão da qualificação profissional, do preparo do homem para o mar, para que eles possam usar de uma forma mais racional, ora eles tenham um conhecimento extraordinário. Nós temos um projeto chamado Certific, que vai certificar os saberes e a pesca é o que está mais adiantado. Percebemos porque esse projeto da Petrobras não frutificou, me parece que acabou, mas é exatamente pela conjunção pela carência em todo esse processo. Esse problema de lançar navios sucateados que não presta mais pra nada, isso aconteceu em outros países, mas pelo que estou sendo informado, não continua, não deu também bons resultados, foi um modismo da tecnologia.