segunda-feira, dezembro 10, 2012

Aonde eles pretendem chegar?

Aonde eles pretendem chegar?
CartaCapital, Colunistas: Mino Carta
Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital. Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde. redacao@cartacapital.com.br
Editorial, 07.12.2012

Mala tempora currunt, costumava dizer meu pai quando a situação política azedava. Maus tempos chegaram, em tradução livre. Ele usava relógio de bolso de ouro de celebérrima marca suíça, presente de meu avô materno, Luigi, munido de tampa sobre a qual se lia, gravado em latim, o seguinte dizer: nada aconteça que você não queira lembrar. Nem sempre, contudo, a vida sorri. Falo de cátedra, porque, quando meu pai morreu, herdei o relógio na qualidade de filho primogênito. Não o uso, mas o guardo com carinho e neste momento vejo meu pai a erguer a tampa com um leve toque de ponta de indicador e pronunciar, entre a solenidade e a pompa, mala tempora currunt.

Há qualquer coisa no ar que me excita negativamente e me induz a pensamentos sombrios, algo a recordar tempos turvos, idos e vividos. É a lembrança de toda uma década, espraiada malignamente entre o suicídio de Getúlio Vargas e o golpe de 1964, aquele executado pelos gendarmes da casa-grande, e exército de ocupação. Dez anos a fio, a mídia nativa vociferou contra líderes democraticamente eleitos e se expandiu em retórica golpista logo após a renúncia de Jânio Quadros.

Muita água passou debaixo das pontes, embora algumas delas levem o nome de ditadores e até de torturadores, mas o tom atual desfraldado à larga pelos barões midiáticos e seus sabujos não deixa de evocar um passado que preferiria ver enterrado. Talvez esteja, de alguma forma, mesmo porque as personagens têm outra dimensão. Os propósitos são, porém, semelhantes, segundo meus intrigados botões. Acabava de lhes perguntar: qual será o propósito destes comunicadores, tão compactamente unidos no ataque concentrado ao PT no governo? Qual é o alvo derradeiro?

A memória traz à tona Jango Goulart e Leonel Brizola, a possibilidade de uma mudança, por mais remota, e os alertas uivantes quanto ao avanço da marcha da subversão. Os temas agora são outros, igual é o timbre. Além disso, na comparação, mudança houve, a despeito de todas as cautelas e do engajamento tucano, com a eleição de Lula e Dilma Rousseff. Progressos sociais e econômicos aconteceram. O ex-presidente tornou-se o “cara” do povo brasileiro e do mundo, a presidenta, se as eleições presidenciais se dessem hoje, ganharia com 70% dos votos.

Percebe-se, também, a ausência de Carlos Lacerda. Ao menos, o torquemada de Getúlio e Jânio lidava melhor com o vernáculo do que os medíocres inquisidores de hoje. Medíocres? Toscos, primários, sempre certos da audiência dos titulares e dos aspirantes do privilégio, em perfeita sintonia com sua própria ignorância. Contamos, isto sim, com o Instituto Millenium. Há quem enxergue na misteriosa entidade, apoiada inclusive com empresários tidos como próximos do governo, uma exumação do Ibad e do Ipes, usinas
da ideologia fascistoide que foi plataforma de lançamento do golpe de 64.

Até onde vai a parvoíce e onde começa o fingimento? É possível que graúdos representantes do poder econômico não se apercebam das responsabilidades e alcances da sua adesão ao insondável Millenium? Ou estariam eles incluídos na derradeira prece de Cristo na cruz: perdoe-os, Pai, eles não sabem o que fazem? Que o golpismo da mídia da casa-grande seja irreversível é do conhecimento do mundo mineral. Causa espécie o envolvimento de personalidades aparentemente voltadas aos interesses do País em lugar daqueles da minoria.

Causa espécie, em grau ainda maior, a falta de reação adequada por parte do governo, inerte diante da ofensiva da autêntica oposição, o partido midiático. Não basta dizer, como o ministro Gilberto Carvalho, que o povo está satisfeito com o bom governo de Lula e Dilma, enquanto a própria liderança do PT recomenda ao relator da CPI do Cachoeira, o intimorato Odair Cunha, que retire os halfos para o morrinho e Policarpo Jr. do rol dos passíveis de indiciamento.

E aí se apresenta o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, empenhado no esforço de demonstrar que não foi ignorado pela Polícia Federal no episódio destinado a exibir as mazelas do terceiro escalão governista. Notável protagonista, altamente representativo. Precioso aliado do banqueiro Daniel Dantas em determinadas ocasiões, como, de resto, muitos outros “esquerdistas” brasileiros. Ah, sim, Cardozo acha que Lula provou sua inocência no caso da secretária Rose e de suas consequências. Acha? Ainda
bem. Soletra ele, diante das câmeras da tevê: “Imaginar que o ex-presidente estivesse envolvido por trás disso, está, a meu ver, desmentido”. A meu ver? Estivesse eu no lugar de Lula e de Dilma, viveria apavorado ao perceber este gênero de comandantes à frente do meu efetivo.

E à presidenta, que CartaCapital apoiou e apoia, recomendamos a leitura de um dos mais qualificados arautos da direita golpista. Merval Pereira não se confunde com Carlos Lacerda, mas na semana passada avisou não ser o caso de isentar Dilma das denúncias de
corrupção, presentes e passadas. Está clara a intenção de aplicar à presidenta a tese do domínio do fato.
Ilustração: aqui.

O beija-mão de Fux

O beija-mão de Fux
Carta Digital, 11 de Dezembro de 2012
CartaCapital, Colunistas: Wálter Maierovitch
Walter Maierovitch é jurista e professor, foi desembargador no TJ-SP

Sobre o processo, o magistrado, perante estrelas petistas, disse que “mataria no peito”

Fora o beijo traidor de Judas relatado nos evangelhos de Mateus e Marcos, entrou para a história, como sinal de reverência e de subserviência, o cerimonial do “beija-mão” introduzido no ano 527 pela imperatriz bizantina Teodora, esposa de Justiniano I. A imperatriz, favorável ao aborto e contra a pena de morte à adúltera, virou santa da Igreja Ortodoxa. No seu rastro, os papas da Igreja Católica Apostólica Romana posicionaram-se como receptores do “beija-mão” e recebem visitantes que se inclinam e lançam um ósculo no anel pontifício.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, o ministro Luiz Fux, quando na sua terceira tentativa de obter uma cadeira vitalícia no Supremo Tribunal Federal (STF), buscou apoios variados e se submeteu ao “beija-mão”. É grande o elenco dos visitados por Fux. De José Dirceu a João Paulo Cunha. Sem falar em Antonio Palocci, Paulo Skaf, presidente da Fiesp, e João Pedro Stedile, do MST. Chegou ao ponto de buscar aproximação com a namorada de Dirceu, Evanise Santos. Segundo o deputado Cândido Vacarezza, Paulo Maluf, que responde a três ações no STF por lavagem de dinheiro da corrupção, intercedeu pelo magistrado. Fux só não buscou o apoio da torcida do Flamengo, pois nessas horas contam apenas os votos dos cartolas.

A conduta postulatória de Fux, na ocasião ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), serve para ilustrar como o lobby conta e nem sempre o mérito profissional representa o principal atributo para se chegar a uma cadeira na mais alta Corte. Não fosse primo do presidente Collor de Mello, o atual ministro Marco Aurélio, que nas últimas sessões propôs pena baixa e prescrita a Roberto Jefferson e, com relação ao segundo crime imputado, absolvição pela desconsideração ao voto condenatório do ministro Ayres Britto, não teria chegado ao STF como pouco conhecido juiz do trabalho. A então desembargadora Ellen Gracie havia sido vetada por Fernando Henrique Cardoso para o STJ, mas, após receber apoio do conterrâneo Nelson Jobim, fez um upgrade e foi indicada pelo mesmo FHC como ministra do Supremo. Se não era capacitada para um tribunal de hierarquia menor, como, num passe de mágica e em pouco tempo, Ellen Gracie acabou indicada para o órgão de cúpula da magistratura?

Fux, por escolha de Dilma Rousseff em fevereiro de 2011, chegou ao STF em março, quando a denúncia da ação penal apelidada de “mensalão” já havia sido recebida (agosto de 2007). O fato, aliás, contou com rumorosa audiência pública e total cobertura jornalística. Dirceu era, portanto, réu do “mensalão” quando Fux partiu para o “beija-mão”. Segundo o ministro, houve apenas um encontro. ­Dirceu ­­afirma terem sido duas visitas.

Sobre a visita ou visitas a Dirceu, Fux afirmou, sem corar, ter esquecido de que o ex-ministro era réu do “mensalão”. Com o deputado e também réu João Paulo Cunha, à época presidente da Câmara, o juiz esteve numa reunião para um café da manhã e se recusou a revelar o teor da conversa. É, no mínimo, estranho um ministro do STJ comparecer a esse tipo de reunião. Algo semelhante ao encontro do ministro Gilmar Mendes com representantes do partido Democratas após a conhecida reunião com Lula e Jobim.

Nos agendados encontros para o “beija-mão”, Fux admitiu que o tema “mensalão” foi mencionado. E restou claro que os apoiadores aguardavam do ministro um voto diferente do que deu. Sobre o processo, o magistrado, perante estrelas petistas, disse que “mataria no peito”. Na chave de leitura dos “mensaleiros” e “filomensaleiros”, o “matar no peito” seria o golaço da absolvição. Hoje interpretam a expressão como gol contra de um traíra. Fux agora ressalta com ênfase o que não disse quando do lobby: “Não troco consciência e independência por cargo”. E sentenciou: “A prova dos autos desmentia o discurso da falta de provas da responsabilidade de Dirceu e demais acusados”.

Sobre o “beija-mão”, recordo uma antiga conversa com o juiz Márcio José de Moraes. Perguntei se ele seria escolhido para ocupar uma vaga aberta no Supremo. Moraes era um jurista de mão-cheia, juiz independente que, em plena regime de exceção, havia, por corajosa sentença e como magistrado de primeiro grau, condenado a ditadura pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog. A resposta, que guardo até hoje e que contei e recontei aos meus filhos bacharéis em Direito: “Wálter, não tenho nenhuma chance de ir para o Supremo, pois me recuso a fazer campanha, lobby e pedir apoio para políticos. Se algum presidente da República achar que tenho mérito, que me escolha”.

Do episódio Fux sai com a toga chamuscada. Não dá impeachment e ele não foi o inventor do “beija-mão”. Nem o Brasil, como muitos propagam, mudou depois das condenações no “mensalão”.
Foto: aqui.