quinta-feira, janeiro 29, 2015

A classe média, de que é possível

O silêncio do 'homem de bem'
Contardo Calligaris -
29/01/2015

DE SÃO PAULO

Anteontem, 27 de janeiro, foi o aniversário de 70 anos da libertação do campo de concentração de Auschwitz pelas tropas soviéticas. A data ficou como símbolo do fim do pesadelo, embora Auschwitz não fosse o primeiro campo encontrado pelos Aliados avançando rumo à Alemanha.

A Congregação Israelita Paulista comemorou o dia antecipadamente, no domingo. Os protagonistas da cerimônia eram os sobreviventes do genocídio que vivem entre nós –quase todos meninas e meninos quando entraram nos campos, logo antes do desfecho.

Grupo de prisioneiros se dirige ao crematório de Auschwitz, 
onde eles seriam assassinados

Foi especialmente bom estar lá, porque estamos atravessando dias obscuros. Como sempre em tempos de intolerância, o que fala mais alto é o ódio por quem é apenas um pouco diferente. Os sunitas (do Boko Haram) massacram os xiitas na Nigéria. A mesma fúria assassina aparece no Paquistão, na Síria ou no Iraque (com o dito Estado Islâmico). No conflito aberto do Oriente Médio, como na Europa, o futuro é incerto.

Claro, o horror pode ser a obra de fanáticos ou de "monstros", mas ele nunca é eficaz se não for acompanhado pelo silêncio e pela distração do homem comum –ou seja, o horror sempre pede alguma cumplicidade das ditas "pessoas de bem".

Domingo, ao longo da cerimônia, eu pensava em Tocqueville (1805-1859) e em Isaiah Berlin (1909-1997), que são, para mim, os dois grandes defensores dos valores democráticos e liberais –melhor: defensores do indivíduo, inclusive (e sobretudo) contra o Estado que ele mesmo inventa para conviver com seus semelhantes (e com seus diferentes).

Ambos, Tocqueville e Berlin, nunca esquecem que uma democracia pode facilmente vir a ser inimiga da liberdade de seus cidadãos. Exemplo recente e apropriado: Hitler chegou ao poder, se não propriamente por via eleitoral, por uma espécie de aclamação que poderia ser considerada "democrática".

Em geral, a lembrança desse fato (e de outros análogos) produz considerações sobre a burrice do povo, que não saberia escolher seus candidatos e se deixaria seduzir por populistas de cada tipo. Surgem assim propostas recorrentes para abolir o sufrágio universal e criar um censo eleitoral. Será que é certo mesmo que todos votem? O voto já foi privilégio de quem possuía bens e terras e de quem sabia ler. Por que não instituir um exame de conhecimentos gerais para poder votar?

A essas propostas recorrentes, respondo que, na verdade, pouco importa se o eleitor sabe ler, se ele "entende" de política ou se conhece as instituições da república.



Pouco importa, porque o que acaba com a democracia não é que o eleitor não sabe ou não entende; o que acaba com a democracia é que o eleitor se vende muito barato –e, geralmente, por medo de perder o nada que ele tem.

O último (imperdível) filme dos irmãos Dardenne, "Dois Dias, Uma Noite" (com Marion Cotillard, extraordinária), é a história de uma mulher cujos colegas aceitam que ela perca seu emprego porque, em troca, cada um deles receberá mil euros de bônus. A classe operária da minha juventude, se é que ela existiu, não existe mais. No seu lugar, no filme, há uma pequena (e terrificante) classe média, que está disposta a quase tudo para preservar seu status ou para melhorá-lo marginalmente (quando você assistir ao filme, lembre-se de que mil euros são três mil reais).


Você topa trocar um pouco de sua liberdade por mais segurança? Por exemplo, aceitaria poder ser parado e revistado a qualquer momento sem motivo legal, para que seja mais fácil identificar eventuais criminosos? Você é dos que hesitam antes de responder?

Pois bem: você topa trocar a liberdade dos outros (não a sua, desta vez) pela mesma segurança suplementar? Por exemplo, toparia que todos os ciganos fossem expulsos da França se, com isso, você fosse roubado com menos frequência, no metrô?

Você acha esse exemplo distante de nossa realidade? Passe uma manhã cedo na Polícia Federal de São Paulo, na Lapa, e veja a longa fila dos que pedem asilo. É só esperar, o Brasil terá seu momento-França.



O proletariado devia ser o pilar da justiça social, e a classe média, o pilar da liberdade do indivíduo. O proletariado acabou idolatrando a máquina burocrática do Estado. A classe média só se preocupa em não deslizar para baixo, e é sempre facílimo apavorá-la: para que renuncie à liberdade (a sua e a dos outros), basta murmurar em seu ouvido, por exemplo, que os estrangeiros tomarão seu lugar, seu emprego, e, claro, suas mulheres.

Contardo Calligaris, italiano, é psicanalista, doutor em psicologia clínica e escritor. Ensinou Estudos Culturais na New School de NY e foi professor de antropologia médica na Universidade da Califórnia em Berkeley. Reflete sobre cultura, modernidade e as aventuras do espírito contemporâneo (patológicas e ordinárias).

Fonte: Folha de S. Paulo

terça-feira, janeiro 27, 2015

Mercado de Notícias: documentário sobre jornalismo e democracia.

SINOPSE
O Mercado de Notícias é um documentário sobre jornalismo e democracia.
O filme traz os depoimentos de treze importantes jornalistas brasileiros sobre o sentido e a prática de sua profissão, as mudanças na maneira de consumir notícias, o futuro do jornalismo, e também sobre casos recentes da política brasileira, onde a cobertura da imprensa teve papel de grande destaque.

O surgimento do jornalismo, no século 17, é apresentado pelo humor da peça “O Mercado de Notícias”, escrita pelo dramaturgo inglês Ben Jonson em 1625. Trechos da comédia de Jonson, montada e encenada para a produção do filme, revelam sua espantosa visão crítica, capaz de perceber na imprensa de notícias, recém-nascida, uma invenção de grande poder e grandes riscos.

VÍDEO

O cineasta Jorge Furtado conversou com a jornalista Daniela Pinheiro, em bate-papo mediado por José Carlos Avellar, acerca de O mercado de notícias, seu mais recente filme que mescla ficção e documentário e aborda o cenário contemporâneo do jornalismo brasileiro. A mídia pode ter sido tema de vários grandes filmes americanos e europeus, mas no Brasil, o assunto ainda é tabu, afirma Furtado, que entrevistou diversos repórteres e jornalistas com opiniões divergentes para suscitar uma infinidade de questões sobre a função do jornalismo. Assista abaixo ao bate-papo na íntegra:


A diferença entre documentário e ficção é ética: conversa com Jorge Furtado

quinta-feira, janeiro 22, 2015

Perseguição dos Alves, A Maldição

Inocentado, blogueiro atribui à família Arruda derrota de Henrique na eleição
O BG afirmou que postou comentários a respeito de fatos positivos ou negativos da campanha e atuação política e pública de Henrique
Postado dia 22/01/2015 às 15h13 por: Portal JH


O blogueiro Bruno Giovanni

O blogueiro Bruno Giovanni foi inocentado nesta semana da acusação de comandar o “exercito de fakes” de Robinson Faria (PSD), nas redes sociais, contra Henrique Eduardo Alves (PMDB), durante a campanha e 2014. E, agora livre do processo, restou para o BG, como é conhecido, o desabafo. Em sete textos intitulados “Os aloprados do PMDB”, publicados no blog dele, foram várias as queixas contra a campanha peemedebista e a família Arruda Câmara, a quem atribuiu a derrota de Henrique.

“Hoje, após quatro meses em silêncio, e um dia depois de ter sido inocentado pelo Tribunal Regional Eleitoral no processo movido contra mim pela campanha do deputado Henrique Eduardo Alves, derrotado nas eleições para governador, eu tenho uma história para contar pra vocês. Vou narrar a história dessa denúncia vazia e que tinha como propósito silenciar este blogueiro e atingir o então candidato e agora governador Robinson Faria. Ações sórdidas, pressões, constrangimentos, coações e ameaças, a pessoas do meu convívio, a gente que eu sequer conhecia, integrantes da minha família e anunciantes do blog. Tudo foi feito para silenciar e desmoralizar este que vos escreve”, afirmou o blogueiro.

Segundo o BG, a relação entre ele, Henrique, Arturo Arruda (cunhado de Henrique e dono da Art&C, agência responsável pelo marketing do peemedebista na campanha), e Laurita Arruda (jornalista, blogueira e mulher de Henrique), sempre foi boa. Contudo, teria surgido dela as primeiras acusações de que ele estaria comandando o exercito de fakes. “Olhei para Laurita e pedi para que ela parasse de dizer que eu comandava ‘fakes’. Ela se mostrou espantada, se defendeu e negou estar fazendo tal coisa, falou que eram as pessoas que estavam falando, olhei nos olhos dela e disse, pessoas ligadas a você. Foi o nosso último contato pessoal”, relembrou, no início da história contada.

O BG afirmou que postou comentários a respeito de fatos positivos ou negativos da campanha e atuação política e pública de Henrique. Os casos do envolvimento do seu nome no escândalo da Petrobras, a leitura da Playboy em plena sessão do congresso, o escândalo da capa da IstoÉ, a existência de um processo no TRF sobre dinheiro no Exterior, o processo de improbidade oriunda de sua participação na SEGOV, o Caso do Bode Galeguinho. Contudo, jamais perfis fakes.

Contudo, “falsos advogados da UERN” articularam uma denúncia com base em um testemunho feito pelo irmão de Fernanda Andrade, que trabalhava com ele nas redes sociais de Robinson Faria. “Foi o suficiente para se montar uma armação contra esse blogueiro. A ideia era calar, silenciar, constranger, ridicularizar e desmoralizar esse blogueiro. Mas, na pressa, armaram uma denúncia meia boca para ter peso na campanha e comprometer o meu blog. Me destruir literalmente”, afirmou o blogueiro.

O Bruno Giovanni relembrou a repercussão negativa contra ele na época, quando foi até chamado pelo jornalista e também blogueiro Ricardo Rosado (assessor de Henrique) de “Marketing Marginal”. “Achando pouco o linchamento público por aproximadamente 30 perfis, todos ligados à ‘primeira dama’, passaram a enviar e-mails para os anunciantes dos blogs com mensagens de pressão. Três empresas foram as mais atingidas. Uma delas recebeu no mesmo dia 18 emails, enviados com nomes diferentes, com o mesmo IP”, acrescentou o BG.

Bruno Giovanni criticou, principalmente, a família Arruda Câmara, que teria sido responsável, inclusive, pela derrota de Henrique. Afinal, segundo relembrou o BG, foi Cassiano Arruda o responsável por apelidar o peemedebista de “Deputado Copa do Mundo”, titulo que até hoje é utilizado contra o deputado. “Arturo preferiu, por causa de uma campanha eleitoral, ser o avalista de toda essa sujeira praticada contra mim, contra outras pessoas que o admiravam e contra o agora governador do Estado”, comentou o BG, acrescentando que a atuação dele no marketing acabou fazendo Henrique perder 15 minutos de tempo de televisão nos últimos dias da campanha. “Um recorde negativo que mostra a mão pesada e errada do marketing da campanha coordenado pelo mesmo”, comentou.

Sobre Laurita, BG afirmou que ela ajudou na derrota por “ter convencido o marido de que ele era imbatível” e “ter se transformado no maior cabo eleitoral de Robinson nas redes sociais, com suas tiradas pautadas pela arrogância, prepotência e vaidade. Virou meme”. “Dizem pessoas próximas a mim que eu tenha muito cuidado. Que eu serei perseguido pelo resto da vida, pelos Arruda e por Henrique Alves. Dizem que eu devo dormir de olhos abertos, porque na primeira oportunidade que tiverem acabam comigo. O histórico fala por si. Confesso que isso não me aflige. Sou dos cristãos que acreditam que quem faz aqui paga aqui e quem faz o bem recebe o bem”, afirmou o BG.

quinta-feira, janeiro 01, 2015

Precisamos cobrar fidelidade aos servidores a quem pagamos

A UFRN acovardada
"A universidade é um patrimônio da humanidade. Atacada ou não, em crise ou não, 
ela existe, e é agora, nesse momento concreto por que passam as sociedades, 
que precisa mostrar seu valor."
Professor Marco Aurélio Nogueira, titular de Teoria Política na Unesp
A propósito do livro “Os pactos na cena política cearense: passado e presente”, do professor e pesquisador César Barreira, da Universidade Federal do Ceará, que discute “as mudanças políticas e econômicas que serviram de base para a construção de um novo ciclo de poder no Ceará”, oferecendo elementos para compreender até que ponto foram rompidas as práticas políticas tradicionais, azeitadas pelos antigo coronéis, com a subida ao poder, na década de 80, dos “novos empresários”, incluso no texto (abaixo) sobre a visita que fizemos, em Fortaleza, aos jornais O Povo e Diário do Nordeste, queremos recordar que, no Rio Grande do Norte, a nossa Universidade se acovardou.
Qual o papel da Universidade? - indaga o professor Marco Aurélio Nogueira, titular de Teoria Política na Unesp, Campus de Araraquara, e um dos editores de "Gramsci e o Brasil". Marco Aurélio responde:
"A universidade existe para produzir conhecimento, gerar pensamento crítico, organizar e articular os saberes, formar cidadãos, profissionais e lideranças intelectuais. O desempenho dessas nobres e decisivas funções, porém, não é algo que se resolva no plano abstrato. Do mesmo modo que as demais instituições, a universidade está sempre historicamente determinada. Pode funcionar bem ou mal, cumprir com maior ou menor efetividade suas atribuições, ser mais ou menos admirada e respeitada. Ela não é perfeita nem inquestionável. Não está acima da sociedade nem desconectada dela. As próprias circunstâncias internas da instituição - seu corpo docente, sua estrutura administrativa, seus dirigentes, estatutos e tradições - incidem sobre sua imagem e seu desempenho. Em certa medida, cada época, cada sociedade e cada Estado têm a universidade que podem ter, por mais que a instituição universitária, por sua própria natureza, tenha luz própria e possa, justamente por isso, operar com alguma liberdade em relação às circunstâncias histórico-sociais que lhe estão na base. Não se trata de dependência ou limitação, mas de determinação." (Conforme artigo "Qual o papel da Universidade", em http://marxbrito.blogspot.com.br/2008/02/qual-o-papel-da-universidade.html, acesso em: 01 jan 2015). Ao final, ele assevera: "A universidade é um patrimônio da humanidade. Atacada ou não, em crise ou não, ela existe, e é agora, nesse momento concreto por que passam as sociedades, que precisa mostrar seu valor."
O que queremos enfocar é que são os contribuintes que sustentam a Universidade com os seus impostos e, no caso do Rio Grande do Norte, sustentam a pompa e ostentação, a arrogância e a presunção, enfim, a luxúria de nossos lentes, todos eles ganhando salários muito acima dos proventos dos trabalhadores, em geral, para permanecerem calados sobre as iniquidades praticadas pelos nossos oligarcas contra a massa do povo.
Podemos aquilatar a fortuna que nos é subtraída, pilhada, saqueada, diariamente pelas quadrilhas montadas no Estado, inclusive no âmbito da própria Universidade, a partir da leitura das matérias publicadas nos jornais. Pudemos falar acerca deste tema no livro "Meu filho, Meu tesouro, Minha República dos ovos de ouro no berço da Mafiocracia", ao abordarmos o tema Mafiocracia.
A população, que paga TUDO e por TUDO, é para ser melhor servida por esses servidores, a quem paga remunerações formidáveis.
Enquanto isto, somos submetidos aos horrores de consecutivas gestões públicas fraudulentas, entregues a "filhinhos de papai" a quem não conhecemos, despreparados para as funções, a quem entregamos a exploração de nossas riquezas, vendo ao lado e no coroamento dessas malignidades a Universidade calada, acuada, acovardada.


Os novos Senhores da humanidade
Basta ver o que nos diz a professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, Angela C. de Siqueira, no artigo "As novas relações entre a Universidade e a sociedade brasileira na era da revolução científico--tecnológica: O saber (Poder) em disputa": (http://www.anped11.uerj.br/18/SIQUEIRA.htm), quando assinala:
"A UNIVERSIDADE E SUAS VINCULAÇÕES NOS ANOS 80
"Se no final idade média as universidades e o saber por elas produzido ou divulgado eram submetidos ao poder da igreja, passamos aqui na América Latina , na década de 90 e no mundo na década de oitenta a ver "um boom na expansão de diversos tipos de mecanismos de vinculação entre as universidades e o setor produtivo. Até meados aos anos setenta(2) e, com exceção do Instituto de Tecnología de Massachussetts (MIT) e da Universidade de Stanford,(...), atividades tais como criação de firmas a partir das universidades eram totalmente estranhas à vida acadêmica" (FANELLI, 94)
"A mudança acima apontada tem a ver com a nova ordem mundial, onde os Estados-Nações vêem paulatinamente perdendo suas funções ante o fenômeno da globalização e regionalização ( Mercado Comum Europeu, NAFTA, Tigres Asiáticos, MERCOSUL, etc) da economia, com o surgimento e fortalecimento dos novos 'senhores da humanidade': '(...) Em nossa época os senhores são, cada vez mais, as corporações supranacionais e as instituições financeiras que dominam a economia mundial, incluindo o comércio internacional (...). o país é uma preocupação secundária para os senhores, que estão jogando um jogo diferente. Suas regras foram reveladas pelo o que 'The New York Times' chamou do 'Paradoxo de 92'.
"A vinculação cada vez mais estreita, a nível mundial, universidade-empresa tem haver com a atendimento dos interesses do capital e, no caso da América Latina e do Brasil em particular, estão vinculados a crescente pressão exercida pelos 'novos senhores do mundo' na criação do 'Estado Mínimo' . O Estado Mínimo seria mínimo para os benefícios sociais e máximo para colocar recursos públicos - incluindo aí o saber, os recursos de pesquisa, etc da Universidade - auxiliando no desenvolvimento econômico das empresas e grupos privados. Recursos não só financeiros, mas principalmente, no que tange, à educacação e mais efetivamente à universidade, redirecionar sua atuação aos interesses 'nacionais', ao 'desenvolvimento do país', dentro de uma concepção econômico-tecnicista dos mesmos.
"A autora baseia-se em dois estudos: BLACKMAN, C. & SEGAL, Nick (1992). Industry and Higher Education. The Encyclopedia of Higher Education. Ed. Burton R. Clark & Guy Neave, 1ª ed., 4 vols, Oxford, Pergamon Press. p. 934-46 e FERNÁNDEZ DEL LUCIO, Ignácio et. al (1993). Interacción universidad-empresa en España. Cooperación empresa -universidad en Iberoamérica. Ed. Guilherme Ary Plonski. San Pablo: CYTED. p. 109-36.
"'Economia Fraca, Lucros Fortes'. 'O país' como entidade geográfica pode sofrer um declínio. Mas os interesses dos 'principais arquitetos' da política serão 'particularmente bem atendidos'. (CHOMSKY, 1993)."

Sugestão de leitura:

"Crônica / Matheus Pichonelli
O ódio à democracia
O antidemocratismo manifestado em ano eleitoral não é resultado de um sistema ainda imaturo, mas de um processo que se consolida e começa a incomodar
por Matheus Pichonelli — publicado 27/10/2014 11:40, última modificação 27/10/2014 17:25

"Nordestino não sabe votar". "Pobres merecem o que têm". "Abaixo o Bolsa Esmola". "Vão pra Cuba". "Muda para Miami". "Os empregados deveriam ser proibidos de participar". "Paulista é uma raça egoísta". "Deveríamos nos separar do resto do país". Não, não é por acaso que as manifestações de ojeriza à política, ao contraditório e ao voto das populações mais pobres tenham se intensificado ao longo desta eleição, a sétima desde a reabertura democrática. A democracia brasileira é jovem, mas não é uma criança. Parte do ódio que ela provoca é antes o resultado de sua maturidade do que de seu ineditismo: quem vocifera não são os que desconhecem seu funcionamento, mas os que o conhecem muito bem – a ponto de, em pleno 2014, falarem em golpe, impeachment ou cegueira coletiva para deslegitimar um resultado adverso.

A polarização, cada vez mais acentuada entre os dois principais partidos do País, levou candidatos, eleitores-internautas, internautas-eleitores e parte da mídia a se comportar como torcedores de arquibancada nas últimas semanas, em especial no último domingo, 26 de outubro, quando a presidenta Dilma Rousseff foi reeleita. A tônica variava, mas tinha uma mesma base: não bastava expressar o voto, era preciso eliminar o concorrente e quem vota no concorrente – principalmente se ele não tem o mesmo repertório, a mesma escolaridade, a mesma (e suposta) independência material. Daí as agressividades identificadas tanto no submundo da internet quanto nas vozes de autoridades, personalidades e celebridades – que se engajaram na campanha atual, com apoio de um lado a outro, como nunca antes na história.

A essa altura, atribuir a um ou a outro a primazia do primeiro tacape será inútil. É preciso entender por que a agressividade se avoluma à medida que o sistema democrático se constrói – pois sua construção é um exercício permanente. Não é um fenômeno local: na Europa, onde o sistema é vigente há mais tempo, os intelectuais se batem há tempos sobre as contradições do chamado “reino do excesso” e das demandas pulverizadas (“mesquinhas”, segundo muitos) de um conjunto de indivíduos, muitos representantes de minorias – e não, para desespero das velhas oligarquias, de uma multidão uniforme.

Em um país como o Brasil, onde privilégio ao nascer e hegemonia política e econômica foram sinônimos ao longo da história, a ascensão de determinados grupos antes subjugados têm produzido todo tipo de ofensa ao chamado “individualismo democrático”. Sobram patadas sobre pobres, gays, lésbicas, negros, "comunistas", mulheres. Um exemplo foram as manifestações de ódio contra a população nordestina, onde o PT conquistou muitos votos. A repulsa chega com todos os disfarces, mas pode ser identificada, por exemplo, quando um ex-presidente da República atribui um resultado adverso (para ele e os seus) à cegueira coletiva dos “menos instruídos”.

No livro Ódio à Democracia, recém-publicado no Brasil pela Boitempo Editorial, o filósofo franco-argelino Jacques Rancière deixa pistas para entender este fenômeno. Um fenômeno que, a se fiar pela experiência europeia e pelos últimos embates, será cada vez mais comum por esses lados. A obra é uma crítica contundente à denúncia do “individualismo democrático” – que, segundo ele, cobre, com pouco esforço, duas teses: a clássica dos favorecidos (os pobres querem sempre mais) e das elites refinadas (há indivíduos demais, gente demais reivindicando o privilégio da individualidade). “O discurso intelectual dominante une-se ao pensamento das elites censitárias e cultas do século XIX: a individualidade é uma coisa boa para as elites; torna-se um desastre para a civilização se a ela todos têm acesso”, escreve. Para o autor, não é o individualismo que esse discurso rejeita, mas a possibilidade de qualquer um partilhar de suas prerrogativas. “A crítica ao ‘individualismo democrático’ é simplesmente o ódio à igualdade pelo qual uma intelligentsia dominante confirma que é a elite qualificada para dirigir o cedo rebanho”.

Qualquer semelhança com os últimos capítulos da eleição não é mera coincidência. No prefácio da mesma obra, o filósofo Renato Janine Ribeiro, professor de ética da USP, lembra que um número expressivo de membros da classe média ainda desqualifica os programas sociais consolidados nos últimos anos. “Para eles, o Brasil era bom quando pertencia a poucos. Assim, quando a multidão ocupa espaços antes reservados às pessoas 'de boa aparência', uma gritaria se alastra em sinal de protesto. O que é isso, senão o enorme mal-estar dos privilegiados?”, questiona. “A expansão da democracia incomoda. Daí um ódio que domina nossa política, tal como não se via desde as vésperas de um golpe de 1964, condenando as medidas que favoreciam os mais pobres como populistas e demagógicas”.

Em coro com Rancière, Janine Ribeiro lembra que a democracia não é um Estado acabado nem um estado acabado das coisas; ela vive constante e conflitiva expansão. “Porque a ideia de separação social continua presente e forte”.

Ao menos nas últimas semanas, esta ideia parece ter tomado proporções graves nas manifestações de ódio pelas ruas e redes sociais. Como se o mesmo país fosse pequeno demais para dois (para não dizer muitos) tipos de eleitores: um deve ser enviado a Cuba, o outro, a Miami; um deve ter o direito de voto cassado, o outro tem o direito apenas de calar. O não-diálogo é escancarado, sobretudo por quem costumava observar o espaço público como sua propriedade e hoje se rebela contra o "Estado protetor" e o voto "mesquinho" dos indivíduos. Mas a democracia, prossegue Rancière, longe de ser a forma de vida dos indivíduos empenhados em sua felicidade privada, é o processo de luta contra essa privatização, o processo de ampliação dessa esfera. "Ampliar a esfera pública não significa, como afirma o chamado discurso liberal, exigir a intervenção crescente do Estado na sociedade. Significa lutar contra a divisão do público e do privado que garante a dupla dominação da oligarquia no Estado e na sociedade”.
(http://www.cartacapital.com.br/politica/o-odio-a-democracia-7858.html)