domingo, julho 28, 2013

Mcmafia Crime Sem Fronteiras

O crime organizado, que cresceu e se ramificou em todo o mundo a partir do colapso do comunismo soviético e da liberalização geral dos mercados, chega a movimentar cerca de 20% do PIB global, e conta quase sempre com algum grau de participação do poder político e dos detentores legais do capital. Essa relação entre os governos, o capital e a ilegalidade pode ser simbiótica, como no caso do Estado-gângster da Transnístria, fronteiriço com a Moldávia e a Ucrânia, responsável por um intenso tráfico de armas russas para os teatros de guerra do mundo. Mas o conluio pode ser mais sutil e insuspeitado, como no exemplo da atuação da yakuza (a máfia japonesa) como coadjuvante de governantes e empresários no boom imobiliário japonês da década passada. O autor realizou três anos de pesquisas e investigações em todos os continentes para mapear a proliferação das redes criminosas mundo afora e apresenta dados estarrecedores sobre ações ilícitas que vão desde o tráfico de mulheres russas para Israel até os crimes eletrônicos perpetrados em países como o Brasil e a Nigéria, das rotas do narcotráfico ao contrabando de petróleo, diamantes ou caviar. Narrado de forma envolvente, com a história sendo contada em grande parte por seus próprios personagens - policiais, criminosos, vítimas -, McMáfia pode ser lido como um eletrizante romance policial. Com a aterradora diferença de que aqui o sangue e a violência são reais. Foto:
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sexta-feira, julho 19, 2013

Desacato
Contardo Calligaris
Folha de São Paulo - Ilustrada
04/07/2013


 Em 2010, quando quis marcar o dia da inspeção veicular do meu carro, já não havia mais horários. A primeira data disponível era depois do fim do prazo de minha placa.
A inspeção descobriu que meu escape estava furado. Naquele dia, a caminho do mecânico que trocaria o tubo, meu carro passou por um radar e foi multado por circular sem certificação ambiental. Isso, eu descobri quando a multa chegou.
Tudo bem, não riam de mim, é que morei muito tempo na Europa e nos EUA, mas eis o que eu fiz: escrevi uma bonita carta ao DSV, Departamento de Operação do Sistema Viário, incluindo cópia dos documentos que atestavam 1) minha passagem pela inspeção na manhã do dia da multa, 2) o resultado da inspeção, 3) minha passagem pelo mecânico no mesmo dia, 4) a inspeção final.
Expliquei que eu tinha sido multado no trajeto entre a inspeção e o mecânico que consertaria o defeito encontrado e pedi que o departamento reconsiderasse a multa.
Talvez eu merecesse a multa de qualquer forma (pelo atraso inicial), mas a questão é: você recebeu resposta? Eu, nem sequer um sinal de que alguém tinha recebido minha correspondência.
O tempo passou. Neste ano, 2013, uma vez o IPVA pago, o licenciamento demorava a chegar. Um despachante descobriu que a multa de 2010, com juros e correção monetária, tinha reaparecido e impedia que meu carro fosse licenciado.
O despachante "nunca riu tanto" quanto ao escutar a história de minha carta etc. --coisa de gringo mesmo, essa de acreditar que, naquele endereço indicado nas notificações, alguém se daria à pena de ler e responder a um cidadão.
Essa história me custou algum dinheiro, mas não fui pessoalmente nem à inspeção nem ao Detran. É minha desobediência civil de privilegiado: pago, mas não deixo o Estado abusar do que tenho de mais precioso, meu tempo.
Para o Estado, em geral, o tempo do brasileiro não vale nada, e essa desvalorização do tempo do cidadão talvez seja mais injuriosa do que as eventuais falhas nos serviços. Nos serviços, podem faltar recursos (somos pobres), mas o descaso com o tempo do cidadão é só desprezo.
O mesmo desprezo aparece no fato de que a administração brasileira carece de mecanismos para proteger o cidadão contra os abusos do poder. Nos Estados democráticos, proteger o indivíduo é uma das grandes preocupações dos legisladores.
Nos Estados totalitários (modernos e antigos) ou nos Estados de origem colonial acontece o contrário: o legislador protege a administração (o partido único, a "coletividade", o império, a corte de Lisboa, tanto faz) contra o reles súdito.
Um leitor, Bárbaro, comentando a coluna da semana passada, assinala que os brasileiros não são vítimas só de descaso, "mas de intimidação mesmo, como atestam aqueles famigerados cartazes em qualquer repartição pública alertando o pobre cidadão que o desacato a funcionário público no exercício de seu trabalho é crime" (pena de seis meses a dois anos de detenção ou multa).
Talvez a reforma em curso do Código Penal acabe com o crime de desacato, que é uma pura coação do Estado contra o cidadão. Enquanto isso não acontece, proponho que, nas repartições públicas, ao lado do cartaz do desacato, seja pendurado outro, que lembre as punições para o funcionário e para o próprio Estado quando eles desacatam o cidadão que eles deveriam servir.
É uma boa ocasião, aliás, para sugerir que o termo "funcionário público" seja substituído por "servidor público". O que importa não é preencher bem uma função num governo ou numa administração: os torturadores eram ótimos funcionários da ditadura; o que importa é cumprir honradamente a tarefa de servir os cidadãos.
A ausência de canais pelos quais seja realmente possível se queixar (junto com a ideia intimidante de que a queixa pode ser entendida como desacato) são provas da necessidade de uma reforma política profunda, que mude a relação do Estado com o cidadão.
Esta é uma coisa que qualquer psicanalista e psicoterapeuta constatam e que vale no consultório e fora dele: escutar não é apenas uma condição para saber o que curar e como, escutar é tão importante quanto curar. Um governo que não escuta não terá legitimidade, mesmo que consiga curar alguns ou todos os males.
Justamente, o silêncio do DSV fez com que eu gostasse de ver, alguns dias atrás, as vidraças do Detran quebradas pelas pedras dos manifestantes.
Contardo Calligaris, italiano, é psicanalista, doutor em psicologia clínica e escritor. Ensinou Estudos Culturais na New School de NY e foi professor de antropologia médica na Universidade da Califórnia em Berkeley. Reflete sobre cultura, modernidade e as aventuras do espírito contemporâneo (patológicas e ordinárias). Escreve às quintas na versão impressa de "Ilustrada".

#RevoltaDoBuzao - 20/06/2013 - Natal/RN

Valeu a pena? Tudo vale a pena. Se a alma não é Pequena. Frase de Fernando Pessoa

Meu vizinho genocida, Contardo Calligaris


Meu vizinho genocida
Contardo Calligaris
Folha de S. Paulo
Ilustrada, quinta-feira, 18/07/2013 

Escrevi minha tese de doutorado de 1980 a 1991. No fundo, trata-se de um longa meditação sobre a ideia central de Hannah Arendt em "Eichmann em Jerusalém - Um Relato sobre a Banalidade do Mal" (Companhia das Letras).
Por isso, era inevitável que eu corresse para ver o filme de Margarethe von Trotta, que acaba de estrear, "Hannah Arendt". Tanto mais que ele narra especificamente os anos da vida de Arendt em que ela assistiu ao processo de Eichmann e relatou sua experiência para os leitores da revista "The New Yorker" (e, logo depois, no livro que citei).
Os artigos foram recebidos por uma salva de injúrias e ameaças. Mas, quando eu me interessei pela questão, a ideia de Arendt em "Eichmann em Jerusalém" já era universalmente aceita no campo dos "Holocaust Studies". Nota: a palavra "holocausto" evoca para mim um sacrifício, como se as mortes pudessem ser algum tipo de expiação; por isso, prefiro a palavra genocídio, que diz a verdade sobre a intenção dos assassinos.
Mas vamos por partes. Adolf Eichmann, tenente-coronel da SS, foi responsável pela logística do genocídio dos judeus pela Alemanha nazista. Em 1960, enquanto vivia escondido na Argentina, Eichmann foi capturado pelo Mossad israelense e levado a Jerusalém para ser processado.
Nessa altura, Arendt já tinha publicado há tempos (em 1951) seu "Origens do Totalitarismo" (Companhia das Letras). Fato extraordinário para a época, Arendt examinava os totalitarismos do século 20 levando stalinismo e nazismo para um mesmo tribunal. Ela encontrava as origens do totalitarismo do século 20 no imperialismo colonialista e no racismo (ideias, convicções, tanto das elites como dos povos) .
Pois bem, dez anos mais tarde, Arendt saía do processo de Eichmann pensando diferente: as convicções (por exemplo, antissemitas) dos funcionários do regime não bastavam para explicar o que os tinha transformado em assassinos genocidas, e o totalitarismo tinha sido possível não graças aos entusiasmos ideais de sua tropa, mas, ao contrário, graças a personagens quaisquer e banais, facilmente dispostos a abdicar sua faculdade de pensar.



Eichmann era um pateta --os filmados do processo, que o filme mostra, são extraordinários para sentir a desproporção entre o tamanho do crime e a mediocridade do criminoso. Preferiríamos que ele fosse um exaltado ou um monstro: sua loucura explicaria o horror de seus atos e o manteria solidamente afastado da gente, diferente de nós. Mas Eichmann não era um monstro, era o vizinho do apê ao lado.
Isso constitui uma desculpa? Ao contrário, aos meus olhos (e aos de Arendt também, acredito), a banalidade do assassino constitui uma agravante.
O vizinho alega as ordens, a ordem ou a fidelidade a qualquer grupo que seja, tudo porque quer parar de pensar: essa é sua culpa original e mais grave, graças à qual ele se torna capaz de agir como se não existissem considerações morais. De fato, ele quis sobretudo deixar de dialogar com sua consciência.
Talvez em 2015 eu publique minha tese. Fiquei a fim de explicar este fato um pouco assustador: há algo na dinâmica de nossa subjetividade normal que faz com que parar de pensar seja uma tentação constante, como se qualquer desculpa (ideológica, por exemplo) fosse boa para fugir da solidão, que é a condição do diálogo moral de cada um com sua consciência.
O coletivo (a nação, o partido, o sindicato, a torcida, a gangue, o grupo adolescente de amigos, a própria família) não oferece apenas ideologias e desculpas: ele fornece uma função para cada um de seus membros. Com isso, não preciso pensar para decidir minha vida --preciso apenas preencher minha função. É bom o que é funcional ao grupo -ruim, o que não é.
Qualquer crepúsculo do indivíduo é um crepúsculo da moral. Pensemos nisso, por favor, quando torcemos, agitamos bandeiras ou falamos, misteriosamente, na primeira do plural.
Minha tese tinha o título "A Paixão de Ser Instrumento". Ela perguntava: por que a ideia de se transformar em instrumento (abdicando a subjetividade da gente) teve e continua tendo tamanho sucesso?
Para qual razão psíquica fundamental teríamos todos uma predisposição a sermos seres estúpida e covardemente coletivos? Por que preferiríamos ser funcionários do horror a conviver com as incertezas cotidianas do juízo moral? A resposta não cabe aqui. Mas a questão não envelheceu.
Contardo Calligaris, italiano, é psicanalista, doutor em psicologia clínica e escritor. Ensinou Estudos Culturais na New School de NY e foi professor de antropologia médica na Universidade da Califórnia em Berkeley. Reflete sobre cultura, modernidade e as aventuras do espírito contemporâneo (patológicas e ordinárias). Escreve às quintas na versão impressa de "Ilustrada".

O pequeno anjo da Colômbia (completo)

Este documentário é uma preciosidade,algo que deveria ser assistido por todos,inclusive pelas crianças nas escolas. Para qualquer adulto comum se questionar a respeito de si mesmo. Será que a vida comum que estamos acostumados é o que realmente cada um de nós veio fazer aqui? Será que não nos desviamos demais da nossa verdadeira essência? Exemplos como este devem ser divulgados principalmente para os pequeninos que ainda este amor está latente. Acredito sinceramente que este menino colombiano tenha carregado a verdadeira felicidade em cada momento da sua vida. Nós infelizmente temos buscado e ensinado às crianças a buscarem de forma errada, mas é tempo de reverter esta mentalidade que só tem levado o mundo para direções muito desastrosas. Em Deus Maria Beatriz (remetente do documentário)