quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Brasil: Viver na Barbárie

"Mantenhamos viva a memória desta criança, o João Hélio, que
foi arrancado brutalmente do nosso convívio num martírio de sete
quilômetros numa cena dantesca.
Leve o desenho acima, de autoria dele, publicado no O Globo e
cole em seu blog, o mínimo de reverência que podemos fazer -
era uma criança como as nossas, não desanime.
A Prefeitura do Rio dará a uma praça de Cascadura. o nome
do João - em luta para que o fato não seja esquecido."
(Colaboração: http://gk.jaegger.blog.uol.com.br/)

Brasil: Viver na Barbárie

Para não esquecer que estamos
na Barbárie.
Colaboração: Dácio Jaegger

Crispiniano: cultura para a cidadania

Paulo Augusto
Editor do Encartes

Filho de Santo Antônio do Salto da Onça, o jornalista e escritor Joaquim Crispiniano Neto (foto) talhou sua vida como um militante da cultura, com especial carinho pelas manifestações da cultura popular, tendo sido esta sua marca no desempenho como membro do Partido dos Trabalhadores, sigla que o credenciou com a indicação para a presidência do órgão máximo da cultura no Estado, a Fundação José Augusto. Credencia seu nome, por um lado, o sucesso obtido com as experiências literárias no campo da poesia, ao lado de um currículo íntegro como personalidade da política estadual.
O novo dirigente cultural é engenheiro-agrônomo e bacharel em Direito, jornalista provisionado, poeta e dramaturgo. Tem 11 livros e 130 folhetos de Literatura de Cordel publicados, sendo autor de seis peças teatrais, dentre as quais o Auto da Liberdade e Sanduíche de Gente. Membro eleito da Academia Brasileira de Literatura de Cordel e da Academia Mossoroense de Letras.
Em suas primeiras declarações à imprensa, após confirmado no cargo, que assumiu no último dia 8, depois de árduas negociações, para substituir a professora mossoroense Isaura Amélia Rosado, que esteve dirigindo os destinos da FJA desde abril do ano passado, Crispiniano confirmou o mesmo espírito combativo.

Crispiniano: cultura para a cidadania

Profissional respeitado na mídia, habilidoso como formador de opinião e político esperto e capaz, tendo disputado a Prefeitura de Mossoró pelo PT, chega à presidência da FJA com o mesmo ânimo com que iniciou a transitar nos caminhos da cultura, desde 1972, quando ingressou no Colégio Agrícola Jundiaí, passando pelo grupo de jovens que integrou ainda em Santo Antônio de Salto da Onça, ou como membro do Diretório Acadêmico da ESAM, assim como na UERN, em Mossoró, sendo um conhecido em toda a região Nordeste através da luta pela literatura de cordel. Traz também outras honrarias no campo do teatro, assim como no apoio que sempre deu às artes plásticas, ou nas discussões sobre as leis de cultura, recordando-se ainda seu empenho pela criação de secretarias de cultura. "Sempre fiz esse trabalho militantemente", diz Crispiniano Neto, que agora se senta, como dirigente, do outro lado do birô, passando a responder administrativamente pela cultura que deverá ser gerenciada em todo o estado.
Crispiniano Neto conta em seu currículo com participação nos caminhos da Fundação José Augusto, não sendo um de seus servidores, mas como membro que foi do Conselho Diretor da FJA de 1987 a 1990, e membro do Conselho Editorial do Projeto Chico Traíra, ainda na FJA, durante oito anos, Atuou ainda como membro da Comissão Gerenciadora da Lei Câmara Cascudo durante cinco anos, e como membro do Conselho Municipal de Cultura de Mossoró, durante seis anos. Foi um dos produtores do Projeto Seis & Meia em Mossoró durante quatro anos, trazendo 102 shows de artistas nacionais para a terra de Santa Luzia.
Em Mossoró, ele foi ainda fundador da Casa do Cantador do Oeste Potiguar e do Congresso Potiguar de Repentistas Nordestinos e fundador e diretor da Coocar – Cooperativa Caiçara de Artistas, Técnicos e Produtores Culturais e foi ativista da luta por um teatro para Mossoró durante doze anos. Ele acredita que o fato da cidade contar hoje com seis teatros, muito se deve a esta luta dos artistas. Dirige o programa Cultura dos Monxorós, na Rádio Rural de Mossoró, que completou um ano e contribuiu para mudar a linha da programação da emissora que sempre primou pela cultura.

Crispiniano: cultura para a cidadania

Com essa responsabilidade de administrador nas costas ele respondeu às perguntas da entrevista a seguir, encaminhada pelo Caderno Encartes, do Jornal de Natal.
ENCARTES – A partir da cogitação do seu nome para assumir a FJA, o senhor, muito certamente, pode ter dado início à elaboração do esboço de um plano para a sua gestão à frente da administração da pasta da cultura. Quais as intenções predominantes, os traços que, até o momento, caracterizariam seu plano inicial para dirigir a FJA?
CRISPINIANO NETO – A intenção predominante é a de fazer os bens culturais chegarem ao acesso da maioria da população. Para isto, precisa de um fluxo, que passa pelo apoio a quem produz cultura e à preocupação com a qualidade da cultura ofertada ao povo. Isso requer muito diálogo com os setores envolvidos na produção e na difusão cultural. Como temos muita disposição para o diálogo este processo deverá ser muito rápido. De modo que não demoraremos a ter esta produção coletiva de um plano de trabalho que respeite os anseios e de quem faz cultura e de quem tem o direito de dela usufruir.
ENCARTES – Com base nas características que singularizam seu trabalho no campo da cultura, são conhecidas suas preferências pela vertente que aglutina produtos e criadores de caráter popular. O crítico paulista Arnaldo Daraya Contier, musicólogo e historiador, professor titular da área de História Contemporânea da Universidade de São Paulo e professor do Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Mackenzie, recorda que a sociedade civil deve lutar pela democratização das culturas que deve necessária e obrigatoriamente partir de objetivos definidos, em prol de uma comunidade, os quais deverão ser atingidos através de ações organizadas. "Sabemos que a democratização da cultura e a construção de políticas culturais de Estados realmente democráticos ainda fundamenta-se num conceito a ser construído", enfatiza Arnaldo Daraya. Ele adverte que o fato de Zeca Pagodinho ter vendido 400.000 cds e 80.000 dvds, não autoriza imaginar que o mercado através dessa expressiva vendagem tenha implodido os conceitos entre o erudito e o popular, unindo a "baixa com a alta cultura". Perguntamos se o senhor poderia vir a trabalhar com um Plano Diretor Quadrienal, montado com a participação da sociedade organizada e que tenha a participação de representantes de todas as classes?
CRISPINIANO – Não se pode pensar cultura a partir das preferências pessoais do gestor. O fato do diretor geral da Fundação José Augusto ser cordelista não o autoriza a direcionar a política cultural do Estado para a poesia popular. Com certeza vai ajudar a evitar que a Literatura de Cordel continue a ser tratada como literatura menor. Temos que trabalhar com todas as expressões culturais no campo da arte e também com a cultura não artística. O respeito à diversidade cultural é a base fundamental de uma política de cultura republicana e cidadã. A humanidade já superou o tempo da mentalidade eurocentrista, quando se pensava que só era cultura o que acontecia no Louvre ou em Liverpool e que a África, a Ásia e as Américas eram compostas por povos bárbaros ou de civilizações inferiores. O mesmo se pode pensar no Brasil, pois temos de deixar de acreditar que só é cultura o que acontece no eixo Rio-São Paulo e que no Rio Grande do Norte a cultura se acaba na Reta Tabajara. Natal é o pólo cultural mais importante do Estado, Mossoró tem tido um destaque impressionante nos últimos tempos, mas não se pode pensar a cultura potiguar sem falar da Filarmônica de Cruzeta, da obra de Felinto Lúcio em Carnaúba dos Dantas, de Hianto de Almeida, de Macau, da produção poética de Assu, de Xico Santeiro em Santo Antonio do Salto da Onça, de Pedro Velho com a obra de Chico Antonio, com Militante e os galos brancos de São Gonçalo do Amarante. São tantas as realidades culturais concretas por todo o corpo do elefante que eu passo a achar inadequado o termo "interiorização" da cultura que nos deixa a impressão que o interior não tem cultura e precisamos ir lá colonizar. Prefiro falar de intercâmbio cultural. No tempo (tradição e vanguarda), no espaço (capital e interior) e no nível de sofisticação técnica (erudito e popular). Só casando estes aspectos vários, teremos o verdadeiro e bom caldo cultural papa-jerimum.

Crispiniano: cultura para a cidadania

ENCARTES – O filósofo paulista Renato Janine Ribeiro explicita que uma política cultural, antes de mais nada, "não deveria ter como principais destinatários ou autores nem os artistas nem os intelectuais". "Numa sociedade democrática (e a cultura pode contribuir para tornar mais democrática a sociedade, enriquecendo o imaginário das pessoas, assim as capacitando para decidir melhor suas vidas), quem tem mais a ganhar com a cultura é o povo, ou o público, como um todo", diz o pensador.
Nesse sentido, perguntamos se haverá continuidade uma postura política na área da cultura que fala muito mais em "porcentuais" e em "leis de renúncia fiscal" do que em cultura propriamente dita, se, como diz Renato Janine, "o ideal é uma política de cultura que aposte em torná-la artigo de primeira necessidade. Isso significando tomar o ponto de vista do público, mais que o do artista – porém o de um público que não seja apenas entretido, mas sim enriquecido, pela cultura?"
CRISPINIANO – Concordo com o filósofo de que o destinatário numero um de uma política cultural não é o artista ou produtor, mas o povo. Afinal de contas, o que seria do cantor, do bailarino ou do ator sem o aplauso da platéia, o que seria do escritor sem o leitor ou do cineasta sem o espectador? O destinatário fulcral de uma política cultural é o cidadão. "Todo artista tem que ir aonde o povo está". Nosso povo só terá a verdadeira dignidade cidadã quando tiver acesso ao feijão, ao Boi-de-reis e ao CD de Beethoven, ao leite, ao circo e à Monalisa, ao chinelo, ao bom forró e ao Bolshoi, à casa própria, à cantoria e ao concerto da Sinfônica. É como dizem os Titãs "a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte". Mas, vale lembrar que de barriga vazia não se curte Chopin e sem conhecimentos não se produza feijão para todos. Padre Zé Luiz me dizia que o que mais gostou em Israel é que o trabalhador do Kibutz descia do trator recitando Shakespeare. Não queremos também a velha política de dar pão e circo. Queremos a cultura como instrumento da cidadania.
ENCARTES – Ainda com base na opinião de Renato Janine Ribeiro, ao afirmar que "é cultural toda experiência da qual saio diferente – e mais rico – do que era antes. Seja o que for, um livro, um filme, uma exposição: estou no mundo da cultura quando isso não apenas me dá prazer (me diverte, me entretém), mas me abre a cabeça, ou para falar mais bonito, amplia o meu mundo emocional, aumenta minha compreensão do mundo em que vivo e, assim, me torna mais livre para escolher meu destino" - perguntamos: Como deverá ser a sua pauta de atuação na administração da cultura nos próximos quatro anos? Seguindo o pensamento da direita, que vê a cultura como entretenimento, fazendo parte da diversão? Investindo, como a esquerda, cuja idéia de cultura remete à promoção da cidadania, sendo a cultura um direito básico, incluída na formação de um sujeito livre? Ou atrelando-se às normas do centro, que, na opinião de Janine Ribeiro, "não parece ter uma idéia clara sobre o papel da cultura na sociedade – e isso justamente no partido que talvez desfrute da maior proporção de simpatia entre as pessoas que têm acesso à cultura", sendo "quem mais fala – mais que a esquerda, o que não espanta, mas também mais que a direita, o que é curioso – em leis de incentivo?".
CRISPINIANO
– Nossa atuação será no sentido de trabalhar a cultura como instrumento de cidadania. Não queremos fazer maquiagem cultural nem sermos receptáculos de uma invasão cultural em curso, tampouco macacas de auditório da Disneylândia. Nem criar um escudo como Policarpo Quaresma. A arte é universal e a ação cultural deve servir à qualidade de vida das pessoas e deve ser um instrumento de educação política sem ser panfletária ou partidarizada.
ENCARTES - O que podem aguardar os produtores culturais, os artistas, os que vivem de arte, a partir da nova gestão da FJA? Podem contar com planos de evolução e desenvolvimento para áreas como a cena musical potiguar? O teatro que se faz no Rio Grande do Norte? Para os que investem em cinema e vídeo? Como serão beneficiados os que se dedicam às artes plásticas, ao artesanato? Como serão tratados os escritores? Haverá um Plano Diretor Quadrienal para a Cultura? Haverá parcerias com as ONGs culturais, especialmente entidades de classe, como a Ordem dos Músicos; Sindicato dos Músicos; União Brasileira de Escritores do Rio Grande do Norte; Sindicato dos Artistas e Técnicos em Diversões do Rio Grande do Norte; Federação dos Carnavalescos; Sindicato e Associação dos Artesãos; outras entidades afins?
CRISPINIANO – Podem aguardar muito diálogo. E um diálogo qualificado e realizador. Queremos sentar com todos os segmentos da produção da difusão e da fruição cultural, mas não para jogar conversa fora. Nos limites que vão entre a vastidão da criatividade e a escassez dos orçamentos, entre a imensidão do potencial dos talentos e dos apertos da burocracia haveremos de encontrar o ponto de equilíbrio entre a razão e a emoção, para que o Rio Grande do Norte possa ter orgulho da sua cultura como tem do seu sal, do seu petróleo, do seu melão, do seu camarão e da sua gente. (Caderno Encartes, Jornal de Natal, 12, de fevereiro de 2007.)

O que se pode esperar da FJA?

Paulo Augusto
Editor do Encartes (Jornal de Natal)

Em forma de enquete, o Caderno Encartes, do Jornal de Natal, encaminhou três perguntas a diversos artistas de Natal e do interior. As questões eram: 01 – O que você espera da Fundação José Augusto?; 02 – Qual a impressão que hoje você tem da FJA?; 03 – Se você fosse presidente da FJA, o que você faria? As respostas estão a seguir:
ABAETÉ - Cordelista, gerente da loja Encanto do Cordel, cooperativa que reúne entre 20 e 25 cordelistas do Estado. Autor de 114 títulos, entre os livros mais vendidos de Abaeté, encontram-se "O Casal que Engatou no Parque Industrial", que já está na terceira edição. "O Matuto e o Boiola" e, ultimamente, "Saddam Hussein Chega no Inferno", o mais recente.
01 - Eu espero principalmente para o cordel. Pois quem vai assumir é um cordelista, pessoa muito boa, que já tive o prazer de conhecer. E eu espero que o Projeto Chico Traíra (de apoio a cordelistas e repentistas) este ano saia. Eu posso falar só do lado do cordel.
02 - A impressão é de que está um pouco parado. Na nova direção, muita gente espera que melhore, que apareçam os projetos que estavam engavetados. Que a maioria dos artistas - pois tem muita gente aí ainda no anonimato, precisando ser descoberto. E que precisa de apoio da fundação. Acho que com Crispiniano Neto agora vai dar continuidade.
03 - Se eu fosse presidente, eu acho que em cada região da capital eu abriria uma nova Fundação José Augusto. Por exemplo, na zona norte. Eu dividiria aqui a Fundação, e abriria uma na zona norte. Para trabalhar com o pessoal da cultura lá. Porque eu acho que tem muita gente da zona norte que não sabe nem onde fica a Fundação José Augusto. Porque quem precisa da FJA são os poetas carentes. Os chamados "poetas da panela" não precisam da fundação. E a segunda coisa seria popularizar a cultura, levar para o povo. A fundação foi criada no tempo de Aluízio Alves, mas eu mesmo que moro aqui em Natal há 25 anos vim conhecê-la há coisa de três anos. Eu não sabia. Falavam em fundação, mas eu não sabia nem o que era. Através dos escândalos (Foliaduto) muita gente ficou conhecendo. Mas através do trabalho mesmo da cultura, acho que pouca gente conhecia. Ela devia chegar mais ao povo, ir aos bairros mais carentes.

O que se pode esperar da FJA?

MANOEL SILVA - Cordelista. Tem em média 90 títulos de cordéis. Publica com a ajuda de um grande amigo, Abaeté. Os mais vendidos são "O Jumento Fastioso", "O Óvulo Estimulante", "A Malandragem do Cheque Sem Fundo". "Outros bem vendidos, que eu gostaria de ter em mãos, mas não estou podendo mandar editá-los, é ‘O Príncipe Aventureiro e o Castelo da Solidão’, ‘A Princesa Bagassita na Fonte Misteriosa’ e outros".
01 - O que eu espero com Crispiniano Neto é que ele possa ajudar, possa botar pra a frente a cultura, pois nós estamos morrendo. A cultura natalense, a cultura norte-rio-grandense, a cultura popular está quase morrendo por falta de apoio. Eu queria que ele visse isso e colocasse uma ajuda.
02 - Como eu estou vendo agora? Não é boa a impressão. Aquilo (escândalo do Foliaduto) que houve um ano atrás deixou uma impressão muito ruim. Sujou. Não está bem. Ela manchou um pouco. Precisa uma restauração grande.
03 - O que eu faria primeiramente era uma gráfica para o Estado. Pois o Estado do RN não tem uma gráfica para os poetas, que estão no abandono. A Fundação José Augusto tem uma gráfica, chamada Gráfica Manibu, mas nós vivemos na esperança que ela nos dê apoio. Nós não temos esse apoio. Então, eu faria a gráfica, para que todo o estado tivesse o apoio dela, não só o rico. Mas os poetas pobres, que estão necessitando de editar as suas obras.
FEST - Tem 27 anos, há três anos é coordenador da banda Descaso, de rock pauleira. Promoter, realiza festivais de rock e da cultura underground. "O pessoal da banda tem 18, 15, 25, são mais adolescentes". Organizou em Candelária em 2006 o Candel Rock Underground. Está organizando um evento para maio, sem local fixo ainda.
01 - Na verdade, eu nunca vi a FJA apoiando nenhum evento underground, não. Sinceramente, eu não espero nada da FJA não.
02 - A impressão, eu acho que está mais pelo nome, mesmo. Porque apoio para a cena underground eu não vejo nenhum.
03 - Se fosse presidente, com certeza, apoiaria o pessoal que está começando, que está à margem. Tem várias bandas aqui em Natal, com qualidade, com conteúdo também, e não existe apoio para este pessoal. E merecia ter. A coisa fica bem no descaso. Foi até o princípio da gente ter colocado o nome da banda – Descaso –, para retratar a realidade aqui de Natal.

O que se pode esperar da FJA?

JOTÓ - Artista plástico, Naif. Tem um ateliê à rua Vigário Bartolomeu, 526, Centro da cidade, o qual divide com outros artistas. Tem cerca de 10 anos na atividade.
01 - Sobre relações com a fundação, a gente não tem nada a contar. Porque a gente não tem apoio. Nunca veio nada de lá. Nem de cá. Se você chegar hoje na fundação não tem nem o meu nome nem o nome de Alan (sócio dele no ateliê).
02 - Para falar a verdade, eu não tenho impressão da fundação, porque eu não tenho um diálogo. Nunca ninguém veio aqui, nunca fomos lá. Então, eu não conheço a fundação. Aquelas baboseiras (Foliaduto) eu soube, mas nunca acompanhei nada. Sou longe da fundação.
03 - Como presidente, na verdade, é uma coisa que, não é dizer que eu não tenha essa capacidade. Mas se eu tivesse uma posição dessas, eu gostaria que todos também tivessem. As pessoas que não têm recursos. Dava oportunidades e cresceria mais esse aspecto das artes plásticas. Investiria, faria promoções, daria força a quem não tem. Eles não nos conhecem. E temos muitas propostas aqui. Também parece que eles não têm nada a nos dar. Nunca chegaram a esse ponto. O que eu quero aqui é o meu trabalho.
JOÃO EUDES - Produtor cultural. Ex-secretário municipal de Cultura de Macau.
01 - Vale salientar que eu conheço Crispiniano desde 1986, quando encontrei-me com ele pela primeira vez, num comício, lá na Serra do Mel. Acredito que não é de se esperar muita coisa, não. Porque, ele já entra engessado. Se a pessoa quiser saber o que esperar da FJA, não é você ouvir nos cafés, nos bares, nos restaurantes, nos teatros. Você tem que olhar no orçamento. O que é que o orçamento do estado destina para a cultura. Creio eu que o orçamento não tem a marca de Crispiniano. Porque ele está entrando agora, e o orçamento já foi aprovado no ano passado. Então, nesse primeiro ano ele vai trabalhar sob a influência de um orçamento feito pelos outros. Então, pouca coisa vai ser feita.
02 - A FJA, não é de hoje que eu tenho essa impressão: ela, realmente, vamos dizer assim, é uma tartaruga gigante. Ela nem influi nem contribui. É um negócio que foi feito para atender os interesses das pessoas que governam aqui o estado. Para empregar, para atender demandas. Com relação à cultura, ela está totalmente por fora.
03 - É muito fácil. Não precisa a pessoa fazer nada. Até porque, o gerente cultural messiânico, aquele que faz as coisas, esse não existe mais. O que eu gostaria, o que creio, acredito que Crispiniano vai ajudar a fazer, é fazer transparência. Acho que ele vai convocar a Primeira Conferência Cultural do Rio Grande do Norte para abrir o debate, para lancetar o tumor. Saber por quê essas instituições tão pomposas, tão cheias de labirintos, tão luxuosas e cheias de pompas, por que elas estão isoladas e tão distantes do povo. Então, eu espero. Acho que o que se pode fazer é isso: provocar o debate. Eu não gostaria que ele viesse a criar nenhuma ilusão, nenhuma expectativa de que ele fosse fazer. Eu queria somente que Crispiniano, como militante antigo do movimento popular, ele se lembrasse que, contra vampiro, existe a luz. (Caderno de Encartes, Jornal de Natal, 12 de fevereiro de 2007.)

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Rádio Solidariedade 93.5: a defesa da cidadania

Rádio Solidariedade 93.5:
a defesa da cidadania

Paulo Augusto
Radar Potiguar, Jornal de Natal
12.02.2007
Para a segunda audiência acerca da Rádio Comunitária 93.5 Rádio Solidariedade, localizada em Macau/RN, o produtor cultural João Eudes Gomes compareceu, na última quinta-feira, dia 8, ao suntuoso prédio da Justiça Federal, no bairro de Lagoa Nova, em Natal, acompanhado do advogado Luiz Sérgio de Melo Neto, que representou o advogado constituído para o caso, Emanuel Paiva Palhano.
Na audiência, em que se concentraram outros casos de perseguição da Anatel, por instalação de rádios comunitárias no Estado, João Eudes e seu advogado foram atendidos pela juíza da 2ª Vara da Justiça Federal do Rio Grande do Norte, Gisele Leite, estando presentes igualmente, o procurador federal Marcelo Dias e dois advogados da Anatel. Os dois logo se retiraram, em razão de João Eudes não querer fazer um acordo, conforme indagação da juíza.
A defesa apresentada pelo advogado Emanuel Palhano baseou-se numa rica informação acerca da legalidade da manutenção de rádios comunitárias pela sociedade civil organizada, ao contrário de um significativo número de emissoras que se proclamam comunitárias e que se encontram em operação, muitas vezes de forma irregular, sendo controladas por políticos que delas fazem uso para fins particulares.
Dedicado a esse trabalho há cerca de dez anos, aproximadamente, a partir do Gabinete do deputado estadual Fernando Mineiro (PT), num empenho voltado para a questão das rádios comunitárias no Estado do Rio Grande do Norte, Emanuel Palhano já obteve inúmeras vitórias.
"Desde que começaram os primeiros embriões, a concepção de RC no interior do Estado que a gente começou a ir à Justiça para buscar liminar de funcionamento", disse Emanuel em entrevista anterior ao Jornal de Natal. "Na época, algumas rádios conseguiram ter uma liminar, para permanecer funcionando, com base no Pacto de São José da Costa Rica, e outras rádios não tiveram. Começou a questão da busca e apreensão dos equipamentos, os processos criminais, e a gente foi montando uma defesa, uma estratégia jurídica, no campo criminal mesmo, para defender essas pessoas. E felizmente, nesses dez anos, não aconteceu de ninguém ser preso. Algumas pessoas fizeram transação, não quiseram levar o processo adiante, mas quem buscou fazer essa defesa, felizmente todas tiveram absolvição."

Rádio Solidariedade 93.5: a defesa da cidadania

No caso da Solidariedade 93.5, Palhano apresentou uma muito bem fundamentada Defesa Prévia e uma mais robusta Defesa de Mérito, documento que foi apresentado à juíza Gisele Leite através do advogado Luiz Sérgio Melo. Após cerca de duas horas de audiência, a juíza Gisele Leite, depois de ouvir duas testemunhas de defesa apresentadas por João Eudes – Domingos Sávio Bezerra de Lima e Fabiano Nascimento –, uma vez que a testemunha de acusação – arranjada pelos que defendiam os interesses da Anatel – não compareceu, além de ouvir o próprio João Eudes Gomes, a juíza informou ao acusado que ele seria chamado no mês de março, a fim de apresentar alguma resolução em torno da sentença.
Na documentação apresentada por Emanuel Palhano, o advogado fez questão de comentar acerca da prisão indevida de João Eudes Gomes, no dia 26 de outubro, para ele "excessiva, posto não se tratar de um delinqüente de considerável periculosidade, mas tão-somente um cidadão que faz da radiodifusão comunitária uma fórmula de levar cultura e informação ao povo de Macau".
Acostumado a esse trabalho específico, atuando com as leis e os direitos que amparam as pessoas que estão sendo vítimas de perseguição da Anatel e do Ministério Público Federal, Emanuel Palhano, fez ver que, "lamentavelmente, há que se chamar atenção, desde logo, para o espetáculo digno de platéia promovido pela Polícia Federal, quando da realização da prisão do acusado. O abuso e o excesso estão materializados de forma incontestável, submetendo o acusado a grande constrangimento". Ele se referia à arbitrariedade protagonizada pela Polícia Federal, dia 26 de outubro de 2006, quando João Eudes foi preso em Macau, por agentes da Polícia Federal, na sede da emissora, com uso de armas de fogo, sendo conduzido a Mossoró, sede regional da PF, onde foi coagido a prestar depoimentos e vislumbrar a apreensão de todo o equipamento da rádio comunitária, conforme os documentos que ele fez anexar aos autos.
Para o advogado Emanuel Palhano, admira o comportamento do Ministério Público Federal, ao agir de forma inoportuna, ficando a impressão, para quem toma conhecimento do caso, de que se trata de perseguição orquestrada por grupos políticos de Macau e do Estado contra o produtor cultural João Eudes. Haja vista a insistência da juíza Gisele Leite em indagar às testemunhas de João Eudes se havia programas "de conteúdo político eleitoral", fato sempre negado pelas testemunhas. Para Palhano, "não obstante o país passar por relevante processo de mudança, em que o próprio Judiciário e o Ministério Público têm colaborado de forma brilhante com o progresso dos direitos fundamentais, o fortalecimento dos princípios da Justiça e ideais de cidadania, deparamo-nos com o posicionamento retrógrado do Ministério Público Federal, preocupado com instalação e funcionamento de rádios comunitárias."

João Eudes: ‘Religião de tarados’

O caso da 93.5 Rádio Solidariedade, emissora da Comunidade Norte-rio-grandense de Defesa da Cidadania, com endereço em Macau, cria espécie, na medida em que não há como encurralar seus diretores, já que a própria legislação em vigor desconhece prática de crime no caso levado às barras do Tribunal da Justiça Federal. Aparenta toda uma perseguição de grupos políticos que vêm perdendo terreno em Macau, diante do avanço democrático, como pode ser comprovado com a própria destruição do mito em torno do ex-prefeito José Antônio Menezes, antes todo-poderoso e agora mesmo demitido como médico dos quadros da Prefeitura de Macau. Em entrevista ao RADAR POTIGUAR, disse João Eudes Gomes, ao fazer suas considerações acerca do rumoroso caso:
"Nós vamos sendo vítimas da intolerância, da falta de democracia, da falta de respeito, até. Uma perseguição que é feita pela Anatel, depois pela Polícia Federal e depois pelo Ministério Público Federal, que culmina na Justiça Federal. O Ministério Público denunciou, em 2005, a 93.5 FM de ser uma rádio clandestina, de ser uma atividade ilegal. Esse processo já vem de lá para cá, houve idas e vindas e, finalmente, houve essa audiência hoje, da qual a gente chegou à conclusão de que não existem provas concretas de crime. A gente já sai de lá na certeza de que como criminoso a gente não vai ficar. Não tem como enquadrar a gente dentro de uma lei de crime, porque não existe crime. É o chamado "crime inexistente". Se o crime é inexistente, não existe autor.
RADARPOTIGUAR – No momento em que se vêem crimes de colarinhos brancos por toda parte, três forças do Estado se reúnem para massacrar uma iniciativa do movimento popular. Que considerações você faz?
JOÃO EUDES – Eu acho que, de 1964 até agora, só existiu em Macau uma instituição comunitária. E os governos têm muito medo dessas idéias. Não é o fato de ser uma rádio. É porque você se indaga: como é que uma população sem dinheiro mantém uma rádio, a rádio funciona e tem audiência? Assim pode ser um hospital comunitário, pode ser um centro de compras comunitário, pode ser um banco comunitário. A população descobre que pode viver independente dos falsos líderes, vamos dizer, dos padrinhos, dos coronéis. É aquela coisa: a pessoa descobre, através da união na rádio comunitária, que você pode se autogerir. Pode ser independente. E isso, no Brasil, é proibido. Porque o Brasil é um país capitalista onde não predomina a colaboração. O que predomina é a concorrência. E a rádio comunitária vem para pôr por terra essa questão da concorrência. A rádio comunitária sobrevive da colaboração. Ela aceita as pessoas como as pessoas são. Não precisa você falar chiando, não precisa você ser bonito. A rádio comunitária recebe a todos: o branco, o preto, o pobre, o rico, quem tem, quem não tem. Quem fala o português das elites, quem fala o português estropiado. A rádio comunitária recebe todo mundo. Ela não discrimina. Daí existir uma grande perseguição contra essa atividade. Não é só contra a rádio. É contra a iniciativa. É se organizar independente das classes dominantes.

João Eudes: ‘Religião de tarados’

RADARPOTIGUAR – Não existe nem motivo do crime, porque está tudo dentro da legislação.
JOÃO EUDES – Vários fatores excluem a possibilidade de crime. Primeiro, porque essa lei que o Ministério Público está arrimado é uma lei que foi suprimida pela Lei de Radiodifusão Comunitária, que é uma lei de 1998. Essa lei em que o Ministério Público está arrimado é uma lei de 1968, editada por Castelo Branco. Só que, em 1998, foi editada uma lei específica para Rádio Comunitária. E nessa lei específica de Rádio Comunitária não existe pena de privação de liberdade, de apreensão de equipamento. O que existe é: primeiro, uma advertência; segundo, uma multa; e terceiro uma determinação da suspensão da atividade. Então, a juíza vai julgar como determina o Código Civil em que a lei antiga é suprimida pela lei nova.
RADAR POTIGUAR – Hoje eles juntaram vários casos. Inclusive um dos acusados que ali esteve saiu com uma multa para pagar, em cestas básicas. Quer dizer que a Anatel continua fazendo sua perseguição, de forma ilegal. E isso, com apoio do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e da Justiça Federal.
JOÃO EUDES – A arbitrariedade é uma coisa inconcebível. O nome já está dizendo: arbitrariedade. Um ato em que você chega para a pessoa e você faz todo aquele aparato, toda aquela coisa suntuosa, e a pessoa tem medo. Porque a imponência da espada da Justiça, ameaçando o cidadão comum, aquele que nunca esteve numa situação como esta. Porque na lei, no papel, ele é cidadão, ele tem direitos, mas na prática ele é réu, ele é tratado como um rebotalho. Ele é tratado como escória, ele é tratado como marginal. Na prática. Então, é preciso que os professores das universidades quando estiverem dando o curso de Direito, Direito Constitucional, eles digam para os alunos que existe uma diferença da prática para a teoria, como existe uma diferença do dia para a noite. Existe uma diferença da teoria para a prática. Na teoria, nós todos somos cidadãos. Na prática, a classe pobre, que não tem condições, é tratada dessa forma. Você impõe a outras pessoas, como você viu mesmo, só por medo. A pessoa tem medo e cede, para fazer acordo, de uma coisa que é ilegal. Porque como é que a Justiça vai acatar uma decisão da Anatel? Porque a Anatel não tem poder de polícia. A Anatel é uma agência criada pelo governo federal para atuar na questão técnica. E hoje ela está obsoleta. E como é que esse órgão, num Estado Democrático de Direito, se arvora no direito de invadir a sede de associações, de passar por cima da Constituição, de passar pelos tratados internacionais que o Brasil assinou, as convenções que o Brasil assinou, como o Pacto da Costa Rica, a Constituição Federal e também a Lei de Radiodifusão Comunitária.
JORNAL DE NATAL - A gente vê que a rádio do político continua funcionando, e muitas vezes fazendo mal à população, pois se utilizando de mentira, do engodo e de subterfúgios. Nisso, a gente vê uma elite que se apropria do Estado e o administra para seus próprios fins, contra o povo. Os três poderes atuando em conjunto contra o povo.
JOÃO EUDES – Contra o povo. Tudo é contra o povo. Aonde você chega, os sustentáculos do poder são contra o povo. Aqui é uma elite, sob uma religião de gananciosos, egoístas, tarados, doentes, contra a população. Então, para manter seus privilégios, eles passam por cima de tudo. Inclusive você está vendo aí o espetáculo, como a gente já denunciou em outras reportagens, que a barbárie está predominando. Precisa dizer mais alguma coisa?

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Só Não Temos Princípios Éticos

Só Não Temos Princípios Éticos
Por Sônia van Dijck
http://alertaototal.blogspot.com
O Estatuto da Criança e do Adolescente não protege as vítimas (de qualquer idade), mas protege os monstros com menos de 18 anos. Obviedade. Somos todos reféns do medo da violência e somos suas possíveis vítimas.
Enquanto isso, as ongs e os politicamente corretos vão continuar dizendo que devemos sacrificar as vidas de entes queridos e nossas vidas, porque falta educação, habitação, emprego, saúde, comida, e nós somos os culpados por faltar tudo isso. Só não dizem que falta governo, decência dos políticos, dos magistrados (não vou lembrar o juiz Lalau... - é explícito demais), dos delegados, dos policiais corruptos.
Pagamos impostos altíssimos, para que haja educação, habitação, emprego, moradia, comida, sistema de saúde. Tem gente que manda o dinheiro sujo da corrupção para contas bancárias no estrangeiro e, depois, vem com falação politicamente correta - tem gente cujo filho fica milionário nos bastidores do poder e, depois, vem dizer que "penalizar menores não resolve a violência" - tem gente que defende reajuste fantástico de seu próprio salário e mais mil outras mordomias, em um país de miséria explícita, e vem fazer representação de politicamente correta e é contra a diminuição da idade penal.
Tem gente que viola a Constituição, viola conta de trabalhador, aprecia freqüentar mansão animada pelas putas da cafetina-mor da República, gosta de negócios de lixo e nem se liga na realidade nacional - tem gente que tem salário de ministro pago pelo contribuinte para proteger os criminosos figurões e não toma conhecimento do avanço da violência urbana - tem gente que comete crimes contra a democracia e, depois, pretende alcançar a anistia e nem nota que somos vítimas do crime que acontece nas ruas.
Se levarmos em conta tudo isso e muito mais de tudo que sabemos, entenderemos que a brutal violência urbana é apenas mais um detalhe da enciclopédia viva do crime em que o Brasil se transformou.
No Brasil de hoje, é tão banal ser preso, em um quarto de hotel, com uma baita dinheirama de origem desconhecida para comprar um dossiê fajuto contra os adversários do governo, quanto violar a conta bancária de um trabalhador, quanto agenciar o trabalho escravo, quanto incendiar um carro com uma família em seu interior ou um ônibus com pessoas a caminho do trabalho ou de volta para casa, quanto matar um garoto arrastado por cerca de 7 quilômetros pelo asfalto da cidade grande, quanto forjar um documento para soltar criminosos, quanto receber propina, quanto aumentar dantescamente seus próprios salários em um país de miséria, quanto ultrapassar o sinal vermelho em uma rua ou avenida, quanto fazer sexo com uma menor em um bordel de 5ª categoria ou em uma mansão de machos chiques e poderosos, quanto fazer caixa 2 na campanha eleitoral, quanto dar porrada em torcedores de futebol aprisionados e caídos bem diante das câmeras, quanto mandar pra cadeia quem rouba um pão no supermercado, porque tem fome.
No Brasil de hoje, todos os crimes deixaram de ter gravidade: são banalidades do cotidiano. E a Justiça perdeu a balança.
No Brasil de hoje, vale invadir favela atirando, não importa em quem, e vale dizer que criminoso de menor idade deve ser compreendido, amparado, protegido pelas ongs, pelos politicamente corretos, pelo contribuinte, pelo Estado e até pelas famílias das vítimas, que não são politicamente corretas em seu sofrimento e em sua sede de justiça.

Só Não Temos Princípios Éticos

No Brasil de hoje, político quer apenas se eleger; aumentar sua conta bancária (de preferência, no estrangeiro); cuidar do enriquecimento dos parentes e do afilhado da rapariga do delegado; beijar criancinha em campanha para ganhar votos dos incautos; fazer alguma falação comovente ou messiânica (de acordo com a ocasião) e deixar que os assassinados morram em paz, e suas famílias chorem e sofram bastante (desde que continuem votando nos corruptos, nos irresponsáveis, nos criminosos notórios e acreditando em suas promessas de ordem, segurança, emprego, moradia, saúde, educação).
Magistrado só quer ficar milionário em tempo rápido e delegados e policiais precisam se virar para ter um extra, pois não são nem magistrados e nem deputados ou senadores - e não são de ferro e também merecem alguma graninha por fora...
Afinal, somos uma democracia: temos que dar espaço para os criminosos e para suas vítimas; para os corruptos e para os que pagam impostos; para os menores assassinos e ladrões e para as crianças mortas pelo crime. O sol nasceu pra todos e ilumina o túmulo de quem está 7 palmos abaixo do nível do asfalto.
Somos uma democracia, temos espaço para todos - só não temos mais princípios éticos.
Sem problema. Quem precisa de princípios éticos?
Lula prometeu que seremos um país desenvolvido - mesmo que ele chame corruptos notórios de "companheiros", não vamos perder a esperança: Lula vai encontrar uma política de segurança pública, sem penalizar os monstros de menor idade, e nós vamos saber como seu filho ficou milionário em tempo recorde (sem invasão de privacidade, é claro!) e de onde veio a grana para a compra do dossiê fajuto contra os tucanos.
Lula vai conseguir explicar para os bandidos que mataram João e para os que queimaram pessoas (bom lembrar o caso do índio Galdino - claro que Lula não era ainda governo - o governo Lula já tem um bom catálogo de crimes/criminosos e não precisa dos crimes anteriores) e para todos os outros monstros, porque Bruno Maranhão não é bandido, embora seja tão parecido com outros bandidos, apesar de ter liderado a invasão e a depredação do Congresso Nacional.
Lula vai explicar os crimes que interessam ao governo (à governabilidade - palavra que provoca orgasmos no palanque e diante de Câmeras de TV) e vai explicar que há outros crimes que devem ser chorados pelas famílias das vítimas, pois os criminosos não devem ser penalizados e tais crimes não interessam à Presidência. Quando Lula teorizar tudo isso, do alto de seu palanque, teremos entrado na civilização ou mergulhado no socialismo petista, no qual os monstros do crime merecem sempre compreensão, pois são vítimas da sociedade.
Para ilustrar o que nos espera no futuro, seguem imagens recentes da violência da qual não somos vítimas, pois os bandidos não devem ser penalizados (Lula não quer perder os votos dos parentes dos criminosos - se ele vai salvar o Brasil, também há de salvar os monstros do crime como sua fala messiânica e todos serão livres).
No Brasil de hoje, João morreu porque nós quisemos que os monstros fossem monstros, apesar de sermos trabalhadores e pagarmos impostos para um governo incompetente e ineficaz - isso de pagar imposto é mesmo ser politicamente correto.
Toda solidariedade para com a família do menino João e para com as outras famílias vítimas do Brasil de hoje.
Sônia van Dijck é professora universitária aposentada.
Veja no blog Alerta Total.

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Congresso lembra chiqueiro

"Parlamento ou Chiqueiro?" - pergunta, de saída, o título do artigo que abre a seção Américas da revista inglesa The Economist na edição desta semana, em artigo, que detalha alguns hábitos do Congresso Brasileiro e a batalha para se elegr o novo presidente da Câmara Arlindo Chinaglia. O texto termina com a constatação de que "a tarefa mais difícil é proteger a democracia brasileira dela mesma". (Foto, fonte.)

Congresso lembra chiqueiro

Revista inglesa compara
Congresso brasileiro a chiqueiro
André Zahar
O Dia, Rio de Janeiro, 08/2/2007
"Rio - A revista inglesa "The Economist" disponibilizou em seu site, nesta quinta-feira, uma reportagem que compara a Câmara dos Deputados do Brasil a um criadouro de porcos. O artigo, intitulado "Parlamento ou Chiqueiro", trata da eleição para a presidência da Casa e diz que a atual legislatura além de "ingovernável" perdeu autoridade por conta dos escândalos recentes.
"É preciso um presidente mais determinado que Lula para impor medidas impopulares em uma legislatura onde leis vigoram ou não em função de interesses específicos, clientelas regionais e de um apetite voraz por indicações políticas", assinala.
A reportagem cita o problema do excesso de partidos políticos, mencionando o fato de que 21 legendas têm, agora, representação parlamentar contra 19 da penúltima eleição. "Mas apenas sete tem presença nacional, sendo o resto bandeiras de conveniência", destaca.
"Mais do que a quinta parte do último Congresso mudou de partidos, em geral atrás de favores, alguns meia dúzia de vezes. A dificuldade de conseguir maioria [no Congresso] envolveu o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva numa sucessão de escândalos na legislatura anterior", emenda.
A resposta de Lula aos escândalos, segundo "The Economist", foi prometer uma reforma política. "Mas isso é pedir a perus para votarem a favor do Natal", compara.
"Chinaglia ganhou, em parte, por ter prometido defender o Congresso de seus detratores. "Quem ataca o parlamento, ataca a democracia", disse ele. A tarefa mais difícil é defender a democracia brasileira de si própria", conclui a reportagem."

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Mais quatro anos de lambança

Paulo Augusto
Coluna Radar Potiguar
Uma tristeza a solenidade ocorrida na última quinta-feira, na Assembléia Legislativa, quando houve a posse dos deputados eleitos para a nova legislatura. Uma velha mendiga agachada num canto da praça 7 de Setembro, encurralada entre as pernas dos soldados da Polícia Militar que protegiam os políticos, dizia, entre melancólica e desconfiada: "Nada de novo no front."
Finalmente os desaparecidos soldados da PM deram o ar de sua graça. Eles só aparecem nessas horas, para acobertar e blindar os políticos em solenidades públicas. A população não vê um mísero soldado desses para lhe dar guarida durante os 365 dias do ano. A não ser, bem, para abatê-la e aos seus filhos, entregues à sanha do tráfico, na ausência absoluta de emprego, nos subúrbios, em operações as mais absurdas.
Um trabalhador, que vive do seguro desemprego, e que teve a perna cortada por implicações diabéticas e imposições médicas, era mais enfático. Em meio ao empurra-empurra dos guardas, que tentava manter a multidão a uma distância que deixasse fora de risco os chamados representantes da população, dizia sem meias-palavras: "Uma catrevage. Pra nós, cativos aqui da mendigagem, de pouco adianta. teremos mais quatro anos de pabulagem e lambança."
Com efeito, como a grande maioria da população não chega a ler jornais - e mesmo se os lesse, engulharia -, perdeu uma nota publicada num dos poucos periódicos que ainda se pode manusear, com o cuidado de pular as páginas que falam de política e estampam os patranheiros, em suas gabolices. Trata-se de uma confidência feita por um de nossos "deputados", pouco conhecida, portanto, mas que merece ser do conhecimento de nossos eleitores.
Estava na coluna Hoje na Economia, assinada por Marcos Aurélio de Sá, administrador do Jornal de Hoje, na edição da quinta-feira, 25 de janeiro de 2007. Dizia a manchetinha: "Deputado oferece emprego na Assembléia pela quitação de uma dívida de campanha". E vinha o texto:
"Esta semana, um político reeleito para a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte – que constituiu pesadas dívidas (inclusive perante agiotas) durante a última campanha eleitoral e no momento se encontra em dificuldade para quitá-las –, saiu-se com a seguinte proposta diante de um dos seus credores, a quem deve o valor de R$ 100 mil:
‘Não tenho como pagar tão cedo o que lhe devo. Mas faço a seguinte proposta: você indica uma pessoa, que pode ser um seu filho ou alguém de sua inteira confiança e eu a coloco no meu gabinete com salário de R$ 4 mil pelos próximos quatro anos, sem necessidade de ponto. No fim de cada mês essa pessoa lhe repassa o dinheiro.’
"E tirou do bolso uma calculadora financeira, fez conta rápida e apresentou-a ao credor, argumentando que ele estaria fazendo um grande negócio, mais lucrativo do que se recebesse o pagamento de uma tacada. Pelo que se comenta nos meios políticos, essa estratégia é bastante comum na chamada ‘casa do povo’, onde cada parlamentar tem direito de contratar ao bel prazer um certo número de assessores."

Mais quatro anos de lambança

É claro que nem todos merecem o emplacamento e a pecha de astuciosos, de capadócios. Entre os elementos que irão representar a população potiguar por mais quatro anos na Assembléia Legislativa tem aqueles mais ambiciosos e vorazes. Basta dizer que o ex-governador, ex-senador e ex-deputado federal Lavoisier Maia, ex-marido da governadora, pai de Márcia Maia (PSB/RN), deputada também favorecida pela população, primo do senador José Agripino Maia (PFL) e de João Maia (PL), este paraibano também "abençoado" pelos eleitores com um mandato federal, o velho médico ginecologista paraibano agora outra vez alçado à condição de deputado estadual, por "generosidade" de nossos eleitores, e que tomava posse naquela mixórdia, quis abandonar o cenário político nacional em grande estilo, ganhando manchetes na imprensa brasileira. Isto por abocanhar em torno de R$ 100 mil apenas no mês de janeiro, como suplente de outra sumidade potiguar, na Câmara Federal. Conforme conta o repórter Marcelo Rocha, do Correio Braziliense, na edição de 25/01/2007:
"Suplentes de deputados empossados no início de janeiro para cumprir apenas 30 dias de mandato-tampão gastam o dinheiro público como se o Parlamento estivesse em pleno funcionamento. Prestação parcial de contas revela que alguns não precisaram de um mês para torrar toda a verba indenizatória de R$ 15 mil a que têm direito. Para trabalhar durante o recesso, os suplentes ganham ainda R$ 12,8 mil de salário, auxílio-moradia de R$ 3 mil e R$ 50 mil para gastar com salários de funcionários, além de oito passagens áreas.
"Dos 22 que tomaram posse, nove receberam ressarcimento até ontem. Lavoisier Maia (PSB-RN) usou cada centavo da verba indenizatória com despesas de viagens e combustíveis, segundo informação da Câmara. Só com gasolina, ele pediu para ser ressarcido em R$ 4,5 mil, o equivalente a 1,7 mil litros se considerarmos cada um a R$ 2,65. Desde 1º de janeiro, dia em que o potiguar tomou posse, se passaram 17 dias úteis. Isso significa gasto médio de 100 litros/dia. Se for levado como base um carro que faça 10 quilômetros/litro, o suplente rodou mil quilômetros diários ou 17 mil quilômetros durante o período — uma viagem à China. Talvez, por rodar tanto, é que Lavoisier apresentou documentos referentes a R$ 10,5 mil com despesas com viagem, como alimentação." Agora, o velho morubixaba entrega-se à faina doméstica, com suas aprontações na terrinha, onde a imprensa fecha sempre os olhos, a Justiça deixa suas cavilações em paz e tudo fica por isto mesmo — quem vai encarar!?!
Enquanto isto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aplicou nova derrota aos desembargadores de sete tribunais de justiça, incluindo o do Rio Grande do Norte, que queriam manter salários acima de R$ 22.111. Eles resistiam ao enquadramento às normas da Constituição sobre o teto salarial. O CNJ rejeitou na quarta-feira passada as justificativas dos sete tribunais de justiça que queriam manter os supersalários e confirmou esse limite de remuneração dos desembargadores e determinou o corte das verbas excedentes na maioria dos casos. A situação salarial abstrusa se verificava, além do RN, em MG, MT, PB, MA, AC e AP. Foram detectadas irregularidades em todos eles. O CNJ decidiu abrir processos administrativos nos sete Estados para apurar responsabilidades pela omissão de informações e pela manutenção dos supersalários.
Enquanto isto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aplicou nova derrota aos desembargadores de sete tribunais de justiça, incluindo o do Rio Grande do Norte, que queriam manter salários acima de R$ 22.111. Eles resistiam ao enquadramento às normas da Constituição sobre o teto salarial. O CNJ rejeitou na quarta-feira passada as justificativas dos sete tribunais de justiça que queriam manter os supersalários e confirmou esse limite de remuneração dos desembargadores e determinou o corte das verbas excedentes na maioria dos casos. A situação salarial abstrusa se verificava, além do RN, em MG, MT, PB, MA, AC e AP. Foram detectadas irregularidades em todos eles. O CNJ decidiu abrir processos administrativos nos sete Estados para apurar responsabilidades pela omissão de informações e pela manutenção dos supersalários.
(Publicado no Caderno Encartes, Jornal de Natal, edição de 05.02.2007.)

Manda bala, cara, a barra tá limpa

Paulo Augusto
Coluna Radar Potiguar
Na verdade, a sujeição da população trabalhadora no Rio Grande do Norte por mercenários e representantes de grupos de delinqüentes, verdadeiras organizações criminosas que se apossam de lugares privilegiados no aparelho de estado, ainda irá ser uma constante durante décadas. Em razão de vários fatores, num processo pútrido que se consolidou ao longo dos anos, e cujas causas nem de longe são sequer mencionadas, a fim de que apenas as chamadas elites (que de elites têm apenas o parentesco com os PCCs e ADAs da vida) não percam suas benesses e prerrogativas, adiando para a eternidade o funcionamento da verdadeira democracia, na qual todos possam ter um mínimo de bem-estar aqui e agora.
Entre os muitos fatores, verifica-se, primeiramente, a impunibilidade (que não se pode ou deve punir; incastigável) dos gajos que compõem essas chamadas "elites". Não por acaso o filme "Manda Bala", sobre a corrupção e a violência no Brasil, ganhou o prêmio do júri de melhor documentário do Festival de Sundance, no último sábado do mês de janeiro. O filme, dirigido por Jason Kohn, de 23 anos, filho de uma brasileira, acompanha um político que usa sua fazenda para lavar dinheiro, um milionário que investe uma pequena fortuna para blindar seus carros e um cirurgião que reconstrói orelhas de vítimas de seqüestro mutiladas, para mostrar os efeitos da criminalidade no Brasil. O documentário onde exibe a corrupção brasileira em toda a sua magnânima voracidade e petulância.
A impunidade, no caso, é das mais aberrantes, pois focaliza o ex-senador Jader Barbalho, cuja desenvoltura na criminalidade no Pará se assemelha ao que acontece com outras oligarquias e verdadeiras quadrilhas organizadas e que ocupam o poder em outras partes do Brasil profundo — como esse Brasil da gente, que viramos e vivemos como bichos, nesses grotões do Nordeste.
Kohn baseia sua obra na impunidade, tanto no caso da corrupção quanto na indústria da violência, onde se constata que os crimes continuam sendo cometidos "porque ninguém é punido no Brasil. O Barbalho foi preso e reeleito"
Kohn ensina o beabá da lavagem de dinheiro no Brasil. "O exemplo dado é o caso do ranário (the frog farm) de Jader Barbalho, que foi acusado de desviar US$ 9 milhões da Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia), operando um orçamento de R$ 300 mil. "O ‘crime organizado chegou ao centro do poder’ no Brasil. Jader fez o que queria na Sudam. Aprovava o que queria pelo valor que queria", declara o diretor. Em uma outra cena, surge um entrevistado brasileiro, não identificado, que fala em português e diz: "Sempre recebendo propina, sempre recebendo suborno".

Manda bala, cara, a barra tá limpa

Manda bala, cara!
No caso do nosso Poder Executivo, ocupado, evidentemente por alguém eleito por parte da população tendo em vista o retorno da arrecadação dos recursos públicos (diga-se: do povo) em benefício da população, há quem se indague na província acerca da ausência de planejamento, de projetos, enfim, de uma plataforma de governo, já que a professora Wilma de Faria (PSB), nossa socialista no poder, chegou ao Palácio sem ter nada a oferecer em contrapartida, a não ser uma ponte que ela já remaneja há três eleições, como pé-de-cabra para abrir sua estrada no pórtico de nossa obsequiosa ignorância.
O publicitário Casciano Vidal, em sua coluna Foco Econômico, na última revista Foco, edição de janeiro, coloca algumas indagações que servem para ilustrar a quantas andam as cabeças de quem ainda tem o saco de olhar para o que estão fazendo os políticos de nossa terra. Diz ele:
"Especialistas em tributação e arrecadação pública – jornalistas e políticos, de maneira geral – estão queimando os neurônios para descobrir como é que a governadora Wilma de Faria vai fazer para investir no Rio Grande do Norte, algo em torno de R$ 15 bilhões, nos próximos quatro anos. Até agora, ninguém consegue fechar a conta.
"Tem gente até somando as promessas do Governo Federal na recuperação de rodovias, os investimentos da Petrobrás na exploração de petróleo e o que se paga de ‘Bolsa Família’ e aposentadorias do INSS, aqui no Estado, para ver se dá para chegar a esse valor... E a conta não está fechando. Creio que será necessário acrescentar o dinheiro do pagamento de salários para funcionários públicos – dos governos estadual e federal – mais os recursos do custeio da máquina administrativa estatal, para se chegar a esse valor.
"Isso sem falar no dinheiro que poderia ser investido no novo Aeroporto de São Gonçalo do Amarante, mas que não consta um único centavo no Orçamento da União e nem no orçamento da Infraero.
"Esse breve comentário que os puristas podem tachar de irônico ou jocoso, é apenas para registrar a falta de compromisso da governadora Wilma de Faria com a verdade, quando ela cria uma situação fantasiosa (e talvez ela até acredite que a sua versão seja verdade) e faz a divulgação de uma perspectiva de situação futura, quando na realidade, aquilo não passa de um desejo.
"Ocorre que o governante não pode anunciar os seus desejos como se ainda fosse candidato. A missão do candidato é propagar esperanças de um futuro melhor. Ao governante compete administrar com a verdade, dentro da realidade do governo."
(Publicado no Caderno Encartes, do Jornal de Natal, edição de 05.02.2007.)

Inventário da Inutilidade

Abimael Silva
"Nenhum potiguar do ramo pode negar a competência cultural da professora Isaura Rosado, mas a publicação do "Inventário - Catálogo do Acervo de Artes Visuais do Governo do Rio Grande do Norte" foi o maior gol contra da Fundação José Augusto em 44 anos de história.
É uma colcha gigante de falhas e erros absurdos. Uma publicação vergonhosa, que não passa das fronteiras da cidade.
O "Catálogo" foi inventado em formato de livro comum, impresso em preto e branco, com o gravíssimo erro de priorizar informações bobas e reproduzir os trabalhos não-legíveis, no ridículo tamanho de até três milímetros um trabalho que tem o tamanho original de 1,72cm.
Tem excesso de anônimos, 77 sem dados biográficos e 102 participantes que não são potiguares, de 345 selecionados. A grande maioria com qualidade extremamente duvidosa.
O que tem mais é informação incompleta. Por exemplo, o médico, escritor e artista plástico Getúlio Araújo, que morreu no começo do século, continua vivo no catálogo. O desenhista Emmanoel Amaral fez um belíssimo e famoso retrato da poeta e jornalista Miryam Coelli, em 1989, em tamanho 93 x 63cm e foi reproduzido como "Sem título", no tamanho 2 x 1cm.
Também é bom não esquecer que essa "obra" foi realizada por um quarteto: Isaura Amélia de Sousa Rosado Maia, Ana Neuma Teixeira de Lima, Eduardo Alexandre de Amorim Garcia e Vatenor de Oliveira.
Além da feiúra do preto e branco, o papel Pólen Bold 85g. só fez complicar o resultado final. Se o caso era usar Pólen, que fosse um mais decente e apropriado para um livro de arte. A ausência de um índice onomástico é visível a olho nu. Como também um sumário.
A capa do "Catálogo" é coisa de papangu de quarta categoria! Cinza, amarelo jerimum com fundo vermelho, isso é capa de livro de arte?
Livro de arte tem um formato de livro de arte, impressão coloria, papel couché fosco ou outro que não complique a reprodução e uma capa mais alinhada, compatível com a temática do produto.
Mas existe um pioneirismo: é o primeiro catálogo de obras desaparecidas. A Fundação José Augusto inventariou bens inexistentes (quadros fantasmas). Dos cinqüenta que sumiram, constam os artistas plásticos Dorian Gray Caldas, Erasmo Andrade, Arruda Sales, Regina Guedes, Irmã Myriam, Cristina Jácome, Laércio Eugênio, Getúlio Araújo, Levi Bulhões, Mano, Manxa, Vatenor, José Estelo, Ojuara, Newton Navarro, Leopoldo Nelson e muitos outros.
Manxa, artista potiguar consagrado além do RN, tem um trabalho com tamanho original de um metro e setenta centímetros, reproduzido com três milímetros de largura. Reproduzir uma obra de arte com três milímetros de largura é uma vergonha para todo norte-rio-grandense.
Sem considerar as injustiças. Enquanto eles ficam pedindo doações aos verdadeiros operários das artes, para enriquecer o fraco acervo, o ilustre desconhecido Florêncio Costa de Medeiros, de Pedro Velho, teve seis abstratos adquiridos.
Assim, não tem jeito que dê jeito."
Abimael Silva, Sebista e Editor
(Publicado no Caderno Encartes, do Jornal de Natal, edição de 29.01.2007.)

Fundação borra-tintas com Inventário

Paulo Augusto
Especial para o Encartes
Convidada para assumir a direção da Fundação José Augusto num momento delicado da instituição, em que a entidade máxima de representação da cultura potiguar se via em palpos de aranha sob investigação do Ministério Público na apuração da acusação de ter servido como "laranja" no chamado "Foliaduto", golpe que desviou R$ 2 milhões em recursos públicos que teriam sido usados no Caixa 2 na última campanha eleitoral, a professora Isaura Amélia de Sousa Rosado Maia vê-se, no momento, no olho de um furacão que, certamente, a pegou de surpresa.
Professora e pesquisadora de alto gabarito, ex-secretária da Educação do Estado na primeira gestão da professora Wilma de Faria, tendo prestado serviços inestimáveis à cultura do Estado, em especial ao dirigir a Fundação Cultural Capitania das Artes, Isaura Rosado, vem sendo cobrada pelos produtores culturais locais, em especial os artistas plásticos, ao apresentar, como resultado da apuração de um banco de dados coletado por uma equipe de especialistas da FJA, um catálogo de artes visuais do inventário do Patrimônio Cultural sem as devidas qualificações técnicas.
Realizado sob os auspícios do Ministério da Cultura, o "Inventário - Catálogo do Acervo de Artes Visuais do Governo do Rio Grande do Norte" foi produzido no âmbito do Programa Monumenta, para o qual foram destinados R$ 180 mil, divididos entre as partes do levantamento, cabendo a metade a cada uma das duas vertentes em que se dividiu o estudo, tendo o projeto como um todo contado com financiamento do BID e o apoio da Unesco.
O inventário abrangeu cerca de quatro mil bens, dividido em seis categorias - arquitetônico, museológico, arte sacra, bens móveis e integrados, artes visuais e patrimônio imaterial.
O que causa admiração aos que criticam o Inventário implica no fato de que o trabalho de catalogação de seis vertentes do patrimônio cultural, ao par de ser pioneiro, tenha sido entregue a pessoas consideradas experts em suas áreas de atuação, devendo servir, a partir de sua conclusão, de orientação a pesquisas, e permanecer como uma massa de informações sobre o Rio Grande do Norte para subsidiar as definições de roteiros turísticos e culturais do Estado.
No caso do Inventário relacionado às artes visuais, a FJA se encarregou de catalogar, no espaço de um ano, os quadros e telas existentes em todos os órgãos do organograma da administração direta e indireta do governo do Estado, sendo o trabalho entregue à coordenação executiva de Ana Neuma Teixeira de Lima,Eduardo Alexandre de Amorim Garcia e Vatenor de Oliveira, este último o diretor da Pinacoteca do Estado, instalada no Palácio da Cultura.
Do acervo da Pinacoteca, 607 obras foram inventariadas, sendo contabilizados em órgãos da administração direta e indireta, 267. No período compreendido para a feitua da obra, o Estado recebeu 101 doações de artistas, incluinsive 40 itens - entre desenho, gravura e pintura - do crítico de arte Geraldo Edson de Andrade. No total, foram catalogadas 874 obras, incluindo-se as 49 "desaparecidas" ("obras com registro de entrada no acervo e não localizadas", conforme se explica no livro). Sobre o caso das obras "desaparecidas", Isaura chegou a comentar com o repórter Júnior Santos, do Caderno Viver, da Tribuna do Norte, em entrevista publicada no último dia 11: "O Viver noticiou o sumiço de 40 telas de artistas plásticos doados para a Pinacoteca. Como ficaram esses quadros na catalogação das artes visuais?", indagou o repórter, tendo Isaura respondido na ocasião: "Estamos trabalhando com um número total de obras do Estado. Essas 40 telas representam 5% do acervo da Pinacoteca, ou seja, não representam muita coisa."
O que vem constrangendo os artistas plásticos e aos editores do Estado (veja matéria ao lado e na página 02) refere-se explicitamente ao resultado do catálogo como produto, tendo em vista os custos anunciados, transformado num livro absolutamente ordinário, na sua simplicidade, sem quaisquer laivos de requinte ou bom gosto, levando, contudo, a suscitar o caráter de "finura", no sentido de engenho ardiloso e astuto, tendo em vista não ter havido uma explicação pública sobre sua realização. (Publicado no Caderno Encartes, do Jornal de Natal, edição de 29.01.2007.)

Marcelus Bob: cobrança dos desaparecidos

Considerado um dos 100 maiores artistas de vanguarda do mundo, segundo a revista alemã Neue Blätter, o artista plástico natalense Marcelus Bob, 49, criado no morro de Mãe Luíza onde manteve um ateliê, foi o único artista plástico a conseguir, na década de 80, uma autorização oficial para grafitar os muros da Cidade do Natal com seus Humanóides. Ex-funcionário federal (sendo o primeiro lugar em concurso para o antigo IBDF, atual Ibama), é formado como técnico em Mineração (formado pela ETFRN, atual Cefet/RN).
De verve transgressora e irreverente, não poupa elogios à diretora geral da Fundação José Augusto pela execução do livro "Inventário", sem se furtar, contudo, a assinalar as críticas que considera pertinentes, na entrevista que deu ao ENCARTES, da qual publicamos trechos a seguir.

Marcelus Bob: cobrança dos desaparecidos

Encartes - Marcelus Bob, o que você achou do livro "Inventário - Catálogo do Acerco de Artes Visuais do Governo do Rio Grande do Norte, feito por uma equipe de especialistas da Fundação José Augusto?
Marcelus Bob - Em primeiro lugar eu quero ressaltar a grande iniciativa da professora Isaura Rosado. Inclusive eu já falei isso pra ela pessoalmente, quando ela assumiu a Capitania das Artes, fechando a brecha de um outro incompetente que tinha lá. E ela imediatamente mostrou serviço. Aí quando é agora, ela chega para suprir outra incompetência, na Fundação José Augusto. E aí, imediatamente, essa mulher maravilhosa tem a iniciativa de fazer o levantamento do acervo pictórico, sócio-cultural das instituições do governo do Estado, via Fundação José Augusto. Uma coisa que nunca, nenhum dos patifes que por lá passaram tiveram essa grande iniciativa da professora Isaura. E não é puxação de saco. É porque ela é competente mesmo. E ela pensa em coisas grandiosas. Isso é muito legal.
E aí, por outro lado, eu quero fazer uma crítica construtiva, a respeito da qualidade do Inventário que foi lançado. A iniciativa é maravilhosa. Mas, creio eu, humildemente, como artista plástico desta cidade, que, com as condições técnicas que atualmente possuímos em nível de impressão, o "Inventário" poderia ser realmente um inventário. Em termos de edição. Foi legal, porque mostrou a cara das pessoas que administram os nossos patrimônios públicos. E essa ruma de trabalhos não localizados (49), e tal-e-tal, isto na verdade é tudo obras roubadas. Ou doadas pelos dirigentes anteriores, que presenteavam as pessoas que eles recebiam com obras do acervo. Isto é verídico. Eu não estou inventando. Até porque é um assunto de muita responsabilidade.
E depois, com referência à edição, essas fotos aqui não são representativas em hipótese alguma. Era para ser no mínimo, no mínimo, em cores. E gostaria que a professora tomasse uma outra grande iniciativa. Que é fazer um levantamento a respeito das obras não localizadas. Que seria uma coisa ótima também para a gestão dela, inclusive. Ela ganharia bastante pontos com isso.

Marcelus Bob: cobrança dos desaparecidos

Encartes - Agora, uma coisa: você, que tem amizades no Brasil inteiro, no mundo todo, você mandaria um negócio desses, uma obra dessas para um amigo? Ou mandaria, assim, com o coração apertado, para um amigo seu no exterior, na Bahia, ou mesmo aqui, em João Pessoa? A gente fala em termos da qualidade do livro. Porque nele tem obras que aparecem com quatro centímetros. E ninguém vê o que é aquilo.
Marcelus - Milímetros. As obras são representadas milimetricamente. É impossível. E além do mais, em preto e branco. Será que isso seria uma economia? Ou é falta de profissionalismo de quem estava direcionando a edição do livro?
Outra coisa que eu gostaria de chamar a atenção veementemente. É a respeito da construção da capa. Por que que não chamemos os artistas, façamos uma licitação pública, para o vencedor fazer uma supercapa para esse inventário? Não seria maravilhoso? E, aproveitando a oportunidade, chamaria a atenção da nossa Telemar para voltar com os prêmios de capas das Listas Telefônicas. Que era uma iniciativa muito legal. Muito legal mesmo.
Encartes - Fale sobre o que há escrito na última págima, sobre os responsáveis pela edição, que parece uma piada. (Na útlima página do livro "Inventários", registra-se: "Este livro foi produzido no escritório da UNA (celular 99882812), na praia de Ponta Negra, na cidade de Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. Neste trabalho, a UNA lembra Herbert Read: ‘A Arte é sempre perturbadora, permanentemente revolucionária’.")
Marcelus - Não esqueça de dizer na matéria os meus parabéns para a grande iniciativa da professora Isaura. Que é maravilhoso isso aqui, essa iniciativa. Inclusive, as pessoas que ficaram responsáveis pela edição do livro não possuem capacidades técnicas qualificadas para realizar uma obra de tamanha envergadura. Aí, inclusive, neste trabalho, a UNA, que é a empresa responsável, lembra Herbert Read: "A arte é sempre perturbadora; permanentemente revolucionária". E aí lembraram da arte, do não-sei-quê, mas não lembraram da "revolução", não lembraram da qualidade do livro para fazer essa "revolução". Entendeu? (Publicado no Encartes, Jornal de Natal, na edição de 29.01.2007.)

Inventário de Artes Visuais: avaliações

Paulo Augusto
Especial para o Encartes
Encartes, do Jornal de Natal, edição de 05.02.2007
Trazemos mais algumas apreciações acerca do livro "Inventário - Catálogo do Acervo de Artes Visuais do Governo do Rio Grande do Norte", publicado pela Fundação José Augusto, do qual se fizeram, segundo informações oficiais, mil exemplares, que está sendo comercializado na Pinacoteca do Estado, a preço de custo (R$ 20,00). Informa-se que cada autor com obra catalogada deverá receber um exemplar.
Na semana passada, a reportagem do ENCARTES esteve pela segunda vez na Fundação José Augusto, a fim de avistar-se com a sua presidente, professora Isaura Rosado, que ainda continuava em viagem, na Europa. Na semana anterior, a professora Isaura foi igualmente procurada, mas, como se encontrava ausente do país, não foi possível encontrar assessores do seu staff — vinculados ao projeto do livro "Inventário - Catálogo do Acervo de Artes Visuais do Governo do Rio Grande do Norte" — a fim de receber a reportagem.
Sabe-se ainda que a FJA implantará as informações num banco de dados, tendo emvista facilitar no futuro o trabalho de catalogação e pesquisas. O objetivo do livro é a preservação do patrimônio histórico e cultural do Estado.
Apresentamos, a seguir, trechos das entrevistas feitas com os artistas plásticos J. Medeiros e Fábio de Ojuara, além do designer e artista gráfico Afonso Martins. J. Medeiros é poeta, artista plástico e ativista, "sem dúvida o que mais lutou por uma arte abstrata dentro de uma filosofia concretista", nas palavras do marchand Antônio Marques. No estado e em todo o Nordeste, J. Medeiros tem sido festejado como um dos precursores de uma poesia e de uma arte mais engajada nos aspectos da modernidade, tendo idealizado e participado de inúmeros eventos em todo o país, nos quais ele marca sua presença pela utilização dos multimeios artísticos: art door, vídeo art, computer art, intervenções urbanas.
Como artista plástico e poeta, Fábio de Ojuara, o artista de Ceará-Mirim, vem consolidando sua marca, tendo participado, no ano passado, da Mostra Internacional de Arte Postal/Arte e Vida no Terceiro Milênio, sob curadoria geral de Jota Medeiros, realizada na Galeria Conviv´art (UFRN). Na mostra, Ojuara exibiu seus trabalhos ao lado de quarenta artistas, com destaque para Hugo Pontes (MG), Jomard Muniz de Britto (PE), Malock (EUA), Piet Franzen (Holanda), Fernando Aguiar (Portugal), Isao Yoshii (Japão), Gudrum Fischer (Alemanha) e artistas do Rio Grande do Norte, a exemplo de Falves Silva, Selma Bezerra, Justino Neto, Flávio Freitas e Marcelus Bob. Tem trabalhos seus expostos em museus e em praça pública.
Afonso Martins é designer dos mais requisitados do Rio Grande do Norte, tendo seu trabalho reconhecido regional e nacionalmente. Autor solicitado e recomendado para elaboração de capas de livros, ilustrou e assinou inúmeras publicações para o Sebo Vermelho e outras editoras do Estado. Atualmente, ganha destaque seu trabalho como autor do projeto gráfico da revista multicultural Brouhaha – Vozes na Cultura Potiguar da Fundação Cultural Capitania das Artes. Afonso também pinta óleos.
A seguir, trechos das entrevistas sobre o livro "Inventário - Catálogo do Acervo de Artes Visuais do Governo do Rio Grande do Norte".

Inventário de Artes Visuais: avaliações

Encartes - Jota Medeiros, o que você diz acerca das obras desaparecidas que "aparecem" - em janela vazia - no Inventário da Fundação José Augusto?
Jota Medeiros - Em nenhum catálogo de arte, no mundo, que eu conheço, constam obras desaparecidas. Tem desaparecido, meu, um objeto, que eu doei à Fundação José Augusto, que não consta no catálogo nem como "desaparecido". Como duas obras que eu vendi, no ano passado, na gestão de François Silvestre, que não consta nem como "desaparecidas". Então, dentre os desaparecidos tem muitos "desaparecidos" que merecem ser aparecidos. Agora, eu acho que os desaparecidos, em depoimento, os artistas devem criar vergonha na cara e reivindicar o aparecimento das obras, e o desaparecimento da cultura do Rio Grande do Norte. Está entendendo? O Rio Grande do Norte precisa mudar radicalmente.
Encartes - O que você diz da elaboração do trabalho?
Jota Medeiros - Eu louvo três iniciativas da professora Isaura Rosado. O evento sobre a memória de Elói de Souza, pois ele é fundamental; o movimento em torno do Forte dos Reis Magos; e o Catálogo ("Inventário - Catálogo do Acervo de Artes Visuais do Governo do Rio Grande do Norte"). Seria interessante que ela continuasse.
Encartes - O que você diz de o catálogo ser vendido, a "preço de custo", de R$ 20,00?
Jota Medeiros - Acho que deve ser vendido. É um mau costume que existe em Natal, esse das pessoas receberem de graça. Quando é de graça, como as revistas Brouhaha e a Preá, que são de altíssima qualidade, não se dá o devido valor. No caso das revistas, eu acho que devem ser vendidas, agora, bem distribuídas.
— *** —
Encartes - Ojuara, o que você diz do catálogo. Você chegou a ver a obra?
Fábio de Ojuara - Eu vi o catálogo. Não deixa de ser um documento. Eu não sei se está bem feito ou malfeito. Mas lá eu vi que está registrado que está faltando obras minhas no acervo da Pinacoteca. Isso cabe ação judicial, aí, cobrando aonde é que estão essas obras dos artistas. Porque não tem só obra minha desaparecida. Tem de vários artistas. Então, se desapareceu, onde estão essas obras? Vamos moralizar por aí.
Encartes - E quanto à qualidade do catálogo, o que você diz?
Ojuara - Eu vi. Eu não sei o que devo comentar. O meu comentário, que eu quero fazer, é sobre a obra que desapareceu. Se a obra desapareceu, e está lá registrado... Que eu nunca vi catálogo registrar obra desaparecida. É a primeira coisa que eu vi. Então, eu quero que a obra apareça.

Inventário de Artes Visuais: avaliações

Encartes - Afonso Martins, você poderia fazer algumas considerações sobre a qualidade do "Inventário - Catálogo do Acervo de Artes Visuais do Governo do Rio Grande do Norte".
Afonso Martins - Acho que é importante e necessário haver a catalogação desse acervo, como ponto de partida para um trabalho maior, para um processo de construção de um acervo realmente catalogado, classificado e selecionado. E, mais importante ainda, a transformação disso, a concretização disso em uma pinacoteca, realmente, onde ficassem reunidos a partir de uma curadoria profissional. Eu frisaria isso. É importante que haja essa curadoria feita. Não apenas você publicar um catálogo, em que você reúne trabalhos profissionais com trabalhos amadores, enfim. Acho que a catalogação e, posteriormente, uma seleção cuidadosa, do ponto de vista da qualidade, inclusive com fins didáticos, isso deve ser feito com muito mais profissionalismo. É importante que isso seja ressaltado, para que o Estado ganhe uma pinacoteca construída com bases profissionais.
Nesse sentido, acho que é um passo importante, a catalogação disso. Mas que não deve parar nesse catálogo. Esse catálogo deveria ser, na verdade, ele funcionaria melhor depois de haver uma curadoria mais rigorosa, feita com mais apuro e com mais qualificação profissional. Eu acho que está feita uma seleção inicial. Até onde eu sei, é uma seleção de todas as obras que estão conservadas no poder do Estado. É mais interessante como registro, do que existe de fato, de acervo. Mais eu acho que deva ser feita uma outra seleção do que´exposto. Isto é comum em qualquer museu. Você tem um acervo, selecionado daquilo que é mais relevante, e uma reserva técnica, que é colocada para exposições eventuais. Então eu acho que o catálogo funcionaria melhor, inclusive do ponto de vista didático etc., a partir de uma seleção mais criteriosa, mais rigorosa. De um trabalho mais profissionais, que eu acho que deve ser feito mais pra frente.
Encartes - Você justifica eles terem botado os quadros desaparecidos? Até com uma quadrinho vazio, dizendo assim: Obra desaparecida. Me parece que são 49, como se registra ao final do livro. Você acha que foi válido, para constar pelo menos como doação, já que grande parte foi doação?
Afonso - Eu acho que isso é mais válido para um registro, não do público, mas um registro interno. Isso realmente deve ser apurado. É importante que a sociedade saiba desse caso. Mas não ser registrado no catálogo. Um catálogo que é vendido e tal. Eu acho que é um tipo de catalogação que deveria servir mais para a instituição. Inclusive com esse registro dos desaparecidos. Tudo bem: é importante informar para a sociedade, mas eu acho que esse tipo de registro em catálogo, acho que compete muito a este tipo de catálogo. Eu acho que um catálogo de um museu, para ser distribuído, deveria constar mais o material que está presente, que está selecionado. Agora, é importante que se faça esse levantamento, sem dúvida alguma. Agora, mas com outra intenção.
Encartes - No caso de eles botarem uma obra que tem 1 metro e 72 centímetros com dois ou três milímetros. O que você diz? Não foi economia, porque teve dinheiro. Custou R$ 180 mil, divididos igualmente entre as duas partes. O material confeccionado para a divulgação do projeto contém seis plaquetas (para cada uma das áreas catalogadas), um mapa localizando os principais monumentos de Natal e um CD com o acervo completo. Além do Ministério da Cultura (MinC), no âmbito de um programa chamado Monumenta, tem apoio do Banco Mundial e da Unesco. O Monumenta, que conta com financiamento do BID e o apoio da Unesco, procura garantir condições de sustentabilidade do Patrimônio com a geração de recursos que alimentam o Fundo de Preservação para o equilíbrio financeiro das atividades desenvolvidas e que mantenham conservados os imóveis da Área do Projeto. O projeto prevê ainda a instalação de totens com mapas por sete locais de grande visitação de Natal, como o Forte e Pinacoteca, além do catálogo de artes visuais do inventário do Patrimônio Cultural.
Afonso - Os ícones dão uma vaga idéia do que são os trabalhos, não é isto? Mas não é uma informação completa. Você tem uma informação. O ideal era que tivesse uma representação pelo menos em cores daquele trabalho. Acho que na internet você consegue ver um pouco melhor isso. Eles têm uma versão na internet. Agora, se a intenção do catálogo é registrar para um público maior, para a sociedade, se não é um catálogo só para registro interno, da instituição, deveria ter uma apresentação dos trabalhos de forma mais legível, mais visível. Essa iconografia. Se essa é a intenção de ser distribuída comercialmente, no mínimo, o que se deveria ter era uma apresentação mais visível de cada trabalho. Se fosse só para registro interno, eu friso isso, tudo bem. Mas, mesmo assim, o ideal é que fosse com uma legilibilidade maior, da parte iconográfica, de cada trabalho. (Publicado no Encartes, do Jornal de Natal, edição de 05.02.2007.)

A indignação necessária

O colunista Renato Mezan analisa
o tratamento dispensado
aos clientes de instituições bancárias
RENATO MEZAN
COLUNISTA DA FOLHA
Folha de São Paulo, domingo, 04 de fevereiro de 2007
"Poucos parecem ter reparado numa notícia publicada logo antes do Natal: numa agência carioca do banco Itaú, o vigia matou com um tiro um cidadão que tentava passar pela porta giratória.
Intimado a colocar na gaveta chaves e moedas, o senhor obedeceu, mas o detector de metais continuava a não permitir sua entrada. O guarda ordenou que tirasse o cinto, o que ele se recusou a fazer e foi alvejado como se se tratasse de um perigoso assaltante.
Tragédia dupla: para a vítima que perdeu a vida e para o vigia, cujo gesto absurdo poderia ter sido evitado com um pouco de bom senso.
Dirão alguns que se trata de um pobre coitado, que apenas "se excedeu" no cumprimento da sua obrigação. Não posso concordar: de um adulto, ainda mais portando uma arma, tem-se o direito de esperar alguma capacidade de avaliar uma situação e, diante dela, se comportar com sensatez.
O banco provavelmente relutará até o último instante em assumir a responsabilidade pelo ocorrido em suas dependências, alegando todo tipo de "razões": que o serviço de vigilância é terceirizado, que precisa proteger seus clientes... E a morte de uma pessoa cujo único delito foi resistir a um regulamento cretino terá passado em brancas nuvens.
É preciso refletir sobre o que significa essa tragédia. Ela é o ponto culminante, embora previsível, da truculência com que muitas instituições financeiras tratam quem as procura, inclusive e principalmente seus clientes. A escalada da prepotência, da arrogância e do desrespeito vem se acelerando e um dia teria de chegar, como chegou, ao assassinato.

A indignação necessária

Imagem negativa
A imagem do setor bancário é a tal ponto negativa que o Unibanco prefere apresentar-se como uma entidade que "nem parece banco". O imaginário que sustenta a publicidade é um dos meios mais interessantes para auscultar o mundo em que vivemos.
Aqui estamos diante de um caso muito instrutivo, pois o anúncio não visa a associar a empresa a algo útil ou desejável, como os daquelas que não se envergonham do que oferecem. Lembre-se o leitor de slogans como "Se é Bayer, é bom",
"Se a marca é Cica, bons produtos indica": ocorreria a esses fabricantes sugerir que seus produtos "nem parecem" aspirina ou massa de tomate?
Mesmo hoje, para permanecer no exemplo da propaganda, a Toshiba faz exatamente o contrário do Unibanco: em vários de seus anúncios o vendedor tenta se passar por japonês, buscando capitalizar as conotações de seriedade e competência associadas àquele povo.
E o ponto forte da campanha é a garantia de 50 meses, algo que somente uma firma convicta da qualidade do que faz pode oferecer.
Voltemos aos bancos. A estupidez de um aparelho incapaz de distinguir uma metralhadora de uma obturação ou uma fivela de um punhal é apenas a ponta de um iceberg de arrogância e descaso, mas o resto dele é igualmente ofensivo. Um exemplo entre inúmeros: a mesquinharia patente nos talões de cheques.
Alguns leitores se lembrarão daquelas folhas que vinham ao final deles, e que serviam para anotações diversas. "Esquecidos" de que pelas nossas contas não passam apenas depósitos e retiradas, mas CPMF [Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira], IOF [Imposto sobre Operação Financeira], débitos automáticos, DOC [Documento de Crédito] e assim por diante, os bancos reduziram ao mínimo as linhas dos canhotos e retiraram as tais folhas as quais não parecem causar prejuízo à contabilidade dos seus congêneres americanos e europeus, que continuam a fornecê-las aos seus clientes.

A indignação necessária

Desrespeito cotidiano
Outro detalhe revelador: jogando com a expressão "um caminhão de vantagens", o que o bordão transmite é a desproporção entre o veículo enorme e a pequenez do indivíduo postado à sua frente. Cochilo do publicitário, com certeza, mas que deixa transparecer algo efetivamente associável ao banco em questão -peso mastodôntico, falta de flexibilidade, dificuldade de manobra.
O público deveria manifestar com mais veemência indignação com o desrespeito do qual -das sutilezas aqui evocadas ao assassinato de um inocente- é cotidianamente alvo por parte de certas instituições.
É inadmissível que em nome da segurança (dos banqueiros) se permita que vigias despreparados, mas armados, humilhem e ameacem quem precisa dos serviços de uma agência.
É inadmissível que o consulente seja empurrado de tecla em tecla como uma alma penada, que precise de chaveiros com senhas para utilizar um caixa automático (Unibanco), ou necessite carregar consigo um "cartão de segurança" sem o qual não pode efetuar uma simples transferência de conta para conta, se esta superar um valor irrisório (Itaú).
É inadmissível que os caixas estejam situados nos pisos superiores, obrigando as pessoas a subir escadas para chegar aos guichês (como em inúmeras agências do Banco do Brasil, nisso copiado por diversos de seus congêneres).
Em resumo: não há como não concordar com o personagem de Brecht [na "Ópera dos Três Vinténs"], questionado sobre se considera um crime assaltar um banco: "Pode ser, sim... mas com toda a certeza é um crime abrir um banco".
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RENATO MEZAN é psicanalista e professor titular da Pontifícia Universidade Católica de SP. Escreve na seção "Autores", do Mais!. (Publicado no Caderno Mais!, na edição da Folha de São Paulo, domingo, 04 de fevereiro de 2007.)