domingo, novembro 26, 2006

Rádios comunitárias e processo legal

As rádios comunitárias conforme
o Devido Processo Legal

Enfaticamente, realço o caráter suspeito dessa legislação, não só porque invade injustificada e simultaneamente as áreas sensíveis dos direitos fundamentais e da competência federativa, mas principalmente porque evidencia desprezo pela Constituição Federal, que assegura, também como expressão fundamental dos direitos individuais (art. 5º, XXXVI), que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", quando essa lei, ao arrepio de outro princípio fundamental, que é o da igualdade (art. 5º, "capu"), dispõe, em seu art. 22, que as emissoras do Serviço de Radiodifusão Comunitária operarão sem direito à proteção contra eventuais interferências causadas por emissoras de quaisquer Serviços de Telecomunicações e Radiodifusão regularmente instaladas, condições estas que constarão do seu certificado de licença e funcionamento.
Aqui o governo estende sua proteção legal a um grupo de pessoas, detentoras das concessões na área das telecomunicações e radiodifusão (as televisões e rádios comerciais), em detrimento das rádios comunitárias, que poderão sofrer lesão, sem, contudo, terem direito à reparação dos prejuízos, ou poderem recorrer ao Judiciário para refrear o abuso danoso, o que é uma afronta à repartição dos Poderes da república.
Finalmente, tenho a firme convicção de que o Judiciário deverá atuar, firmemente, não mais como braço do governo, oprimindo o povo, ao lhe recusar o livre exercício de direito fundamental, sob o argumento hipotético de necessidade de ordem, amparando apenas os interesses estatais. Resta lembrar, a título de exemplo, que a Suprema Corte americana tem rejeitado, de plano, medidas governamentais, cujas justificativas repousam na vantagem de se manter o povo na ignorância. Ela tem ressaltado que a escolha entre o perigo da supressão da informação e o perigo de seu mau uso já foi feita pela Constituição. ("It becomes relevant to note that the Supreme Court has flatly rejected governmental measures whose justification ‘rests... on the advantages of [people] being kept in ignorance’. The choice ‘between the dangers of suppressing information, and the dangers of its misuse is freely available’, the Court has said, [in Virginia Bd. Of Pharmacy v. Virginia Citizens’ Consumer Counsil - 1976] is one ‘that the first amendment makes for us’.") Com efeito - informa Laurence Tribe -, a Corte abraçou a visão do Justice Cardozo, no caso de que nós somos livres somente se nós sabemos... Não há liberdade sem escolhas, e não há escolhas sem o conhecimento e nada disso é ilusório. Implicitamente, por conseqüência, no coração da noção de liberdade encontra-se a liberdade de pensamento para ser absorvida e para ser criada. ("In effect, the Court has embraced the view of Justice Cardozo that we are free only if we know... There is no freedom without choice, and there is no choice without knowledge - or none that is not illusory. Implicit, therefore, in the very notion of liberty is the liberty of the mind to absorb and to beget.")
Essa observação é plenamente pertinente para um país como o nosso, de tamanho continental, onde milhares de Municípios não têm sequer um único veículo de comunicação, socorrendo-se do alto falante das igrejas para se transmitir as notícias. Evidenemente, enquanto perdurar essa situação de ignorância, o povo se encontra escravo das dominações políticas dos coronéis da região, que impõem seus candidatos e seu modo de ver a vida: aquele modo que só beneficiar o grupo da elite, assim mesmo que o apóie incondicionalmente, inclusive na prática de variados crimes, entre os quais o desvio de dinheiro público." (Livro "Devido Processo Legal", Juiz Paulo Fernando Silveira (Editora Del Rey/MG, 2001)

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