domingo, novembro 12, 2006

Como matar um jovem

GILBERTO DIMENSTEIN
Folha de São Paulo, Caderno Cotidiano,
domingo, 12 de novembro de 2006
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A redução de nossa selvageria dependerá da disseminação de instrumentos para manter o jovem se capacitando
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PROFESSOR DE MEDICINA da Universidade de São Paulo, Dario Birolini tem 69 anos, 45 dos quais dedicados a operar vítimas de traumas. Suas mesas cirúrgicas se transformaram, nessas mais de quatro décadas, em uma espécie de tradução das estatísticas da violência urbana: por lá passam pacientes esfaqueados, deformados por pauladas e perfurados por bala. Até mesmo ele está surpreso com o estado dos corpos que, nos últimos anos, têm chegado ao pronto-socorro do Hospital das Clínicas. "Tenho visto jovens com toda a região pélvica destruída." Diariamente, na cidade de São Paulo, um motociclista morre e outros 25 são feridos, muitos deles obrigados a se submeter a várias cirurgias e dolorosos tratamentos. A maioria torna-se inválida. A síntese da maior bomba social brasileira está nas mãos do professor Dario Birolini. Por isso, cada vez mais se terá de prestar atenção em debates como os que ocorreram quase clandestinamente, na semana passada, em Brasília, sobre a juventude e o trabalho.
Na cidade de São Paulo existem 150 mil motoboys percorrendo, em média, 100 km por dia, numa carga horária de dez horas. Como recebem por encomenda entregue, quanto mais correm, mais ganham. As empresas não se interessam em saber das condições em que são levadas suas encomendas. Desde que cheguem, tudo bem. As autoridades não se sentem aptas para fiscalizar. Para os cidadãos comuns, o motoboy não é mais do que uma ameaça ao retrovisor dos seus veículos. Uma modalidade de subemprego, os motoboys e seus acidentes são o reflexo da juventude marginalizada, a partir da qual se medirá o sucesso ou o fracasso do novo mandato de Lula.
Só se pode, afinal, entender esses seres dirigindo em situações tão arriscadas quando olhamos a informação do Dieese de que 45,5% dos brasileiros entre 16 a 24 anos estão desempregados. Tais indicadores são muito piores entre os jovens de baixa renda. Detalhando um pouco mais, apenas no Distrito Federal e nas regiões metropolitanas de São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e Salvador, temos 3,2 milhões de desempregados nessa faixa etária. Entre 16 e 24 anos de idade, são 35 milhões de brasileiros cujo desemprego é de 25%, o dobro da média nacional. Apimentem-se esses dados lembrando que quase 18% dos brasileiros entre 15 e 17 anos estão fora da escola, a maioria vivendo nas chamadas áreas de risco - assim podemos ter pistas sobre por que motivo o assassinato é, em várias cidades brasileiras, a principal causa de morte entre jovens."

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