domingo, novembro 26, 2006

Rádios comunitárias e processo legal

As rádios comunitárias conforme
o Devido Processo Legal

Os fundamentos de minhas liminares variaram com o tempo, considerando as modificações na legislação, embora o núcleo central sempre tenha permanecido, como ver-se-á abaixo:
1. Direito fundamental autoexercitável: Como foi visto, o direito de informação, em suas duas dimensões básicas - o de informar e o de ser bem informado -, constitui direito fundamental, autoexercitável independente de lei, que - se vier - não pode suprimi-lo ou anulá-lo, total ou parcialmente, mas unicamente regulamentá-lo a fim de preservar legítimo interesse público, real e concreto, facilmente detectável pela razoabilidade do homem comum.
Toavia, o que estava acontecendo: o governo federal, através do Ministério das Comunicações, não atendia aos inúmeros requerimentos administrativos, solicitando-lhe autorização para a instalação de rádios comunitárias, que lhe eram encaminhados, nem sequer os respondia. Ou seja, de forma abusiva, exercia o poder tiranicamente, não concedendo, nem justificando a recusa em atender a um direito fundamental. Evidentemente, essa conduta é própria da monarquia, não de uma república, onde o ato administrativo é imantado da impessoalidade, entre outros atributos (CF, art. 37).
Logo, se o Executivo, de modo abusivo e autoritário, sequer respondia ao pedido de autorização para a abertura do veículo de radiodifusão comunitária - direito fundamental autoexecitável, relembre-se -, competia ao Judiciário, como intérprete final da Constituição e seu guardião venerável, dar executividade ao direito fundamental. Do contrário, estar-se-ia a serviço do Estado, numa ilógica inversão. Ou seja, o Judiciário estaria dizendo que o Estado é que é o senhor do direito da informação, que pode concedê-lo ou não, a seu exclusivo talante, o que é um atentado violento aos direitos fundamentais inalienáveis, justamente garantidos pela própria Carta Magna.
2. Competência municipal: Ao adotar o federalismo (CF/88, arts. 1º a 18), a Constituição quis dividir o poder político entre os entes que compõem a federação (União, Estados e Municípios), a fim de se evitar a excessiva concentração de poderes em um só ente político, a exemplo do que ocorria no tempo do império, quando todo poder se centralizava nas mãos do imperador e o país era um Estado Unitário (CF/1824, art. 178).
Portanto, a Constituição estabeleceu competências privativas para cada ente político, que não pode usurpar a dos outros, valendo o princípio federalista pelo qual a União exerce competência restrita (de um modo geral, assuntos envolvendo interesses nacionais, ou mais de um Estado-membro), enquanto o Estado-membro cuida dos demais interesses, salvo os indicados pela Constituição como próprios dos Municípios. A eles foi dada a competência para legislarem sobre assuntos de interesse local (CF, art. 30, I).
À simples leitura da Lei nº 9.612/97, constata-se que ela, inconstitucionalmente, regula assunto local, quando, ao cuidar da baixa potência e do alcance das ondas, diz, por exemplo, que a potência máxima é de 25 watts ERP, que a altura do sistema irradiante não pode ser superior a 30 metros e que entende-se por cobertura restrita aquela destinada ao atendimento de determinada comunidade de um bairro e/ou vila.
Ora, não é necessário ser especialista em telecomunicações para saber que as ondas eletromagnéticas de baixa potência, no que se refere ao seu alcance e receptividade, dependem fundamentalmente do estudo do relevo local. Logo, só o Município tem a titularidade - mediante um levantamento do relevo físico do município, sua dimensão, com base na carta topográfica analógica e digitalização do terreno - para a determinação das curvas de níveis, da potência necessária ou a aconselhável para se alcançar todo o território municipal, mediante sua equânime divisão, e para a quantificação das rádios que podem operar sem interferir umas nas outras e o direcionamento das respectivas antenas, inclusive a altura do sistema irradiante.
Além de a União estar usurpando, tecnicamente, do Município o poder de legislar, está retirando deste sua autonomia, constitucionalmente assegurada, de autogoverno, sem falar que está se desrespeitando o direito que a comunidade tem de traçar o perfil da rádio comunitária que interessa à sua comunidade. Há, evidentemente, dois danos políticos: a usurpação da autogovernabilidade municipal e o direito de a comunidade se expressar da forma que mais lhe convier.
A União, quando muito, só pode legislar naquilo que for, comprovadamente, de interesse geral, como, por exemplo, estabelecer a potência máxima que o município pode fixar, acima da qual pode causar, efetiva e concretamente, perigo à aviação civil ou aos aeroportos.

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