domingo, novembro 19, 2006

A debutante que dançou a valsa no céu

A uns poucos meninos, esses, sim, crianças de verdade, que aparentemente jogavam biloca a alguns metros da cena, ao lado de duas gurias tal qual umas bedéis, perguntamos o que se passara. Os quatro tinham idade entre quatro e seis anos, e estavam por ali a considerar a cena. Mais que de repente assomaram ao centro do platô, onde se encontrava o cadáver de Ana Rosa, para exibir um surpreendente espetáculo. Dele não se cogitava nem sequer supunha, nada havia de ensaiado, nem agenda ou diário, mas ele dominou, por um átimo de tempo, aquela fração da manhã. O enredo estava na ponta da língua, nos gestos, na roupa e na pele de cada brincante. No conjunto, era como um jogral, personagens de um pastoril que, de forma intempestiva, se pôs a narrar detalhes de uma tragédia há muito anunciada. Dona Virgínia, mãe de Ana Rosa, em participação especial, entrou com sua voz em off. As meninas eram Dorinha e Lindaura. A primeira, branca e loura, espadaúda e desabrida, encarnava a Cigana; a segunda, uma morenaça esplendorosa, dengosa, carnuda, representava a Diana, anjos barrocos a dominar o cordão do folguedo popular dramático de origem européia, representado entre o Natal e a Festa de Reis, que agora adornava o cadáver. Pedro Bala, o maior, negro e franzino, aparentava uns seis anos. Pirulito, seu camaradinha, de uns cinco anos, moreno claro, olhos esverdeados, exibia grande vivacidade. Vestiam-se a rigor, como atores que eram, sendo o primeiro o Pastor Guia, e o segundo, o Anjo Gabriel, brincantes que dominaram o palco e nos fizeram a narrativa. (Foto)

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