quarta-feira, novembro 08, 2006

Censura na WEB

"Burocracia na rede
Para evitar punição, 30 milhões de usuários
teriam de fornecer nome, endereço, telefone, RG e CPF a provedores
Editorial Folha de São Paulo, 08.11.2006
A PRETEXTO de corrigir distorções na legislação sobre "crimes na área de informática", o projeto de lei a ser submetido à análise da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, em data ainda não definida, incorre em erros ainda maiores. A proposta parte de uma premissa equivocada -a de que é possível legislar sobre a internet em termos nacionais- e ameaça criar sérios entraves burocráticos aos usuários.
O objetivo expresso no projeto é "tipificar condutas realizadas mediante uso de sistema eletrônico, digital ou similares, de rede de computadores, ou que sejam praticadas contra dispositivos de comunicação ou sistemas informatizados e similares". A tentativa é circunscrever a uma cobertura penal específica condutas criminosas difíceis de enquadrar com base na legislação atual.
A motivação é compreensível. A disseminação da internet tornou corriqueiros delitos graves, muitos dos quais julgados a partir de analogias genéricas com crimes como roubo e estelionato. Criar uma tipificação adequada às características próprias dos novos crimes significaria formular instrumentos normativos mais precisos para a ação penal.
O problema são os critérios. Práticas como envio de vírus e quebra de privacidade de banco de dados, compreensivelmente criminalizadas, foram equiparadas à de "permitir acesso por usuário não identificado e não autenticado". Os provedores de acesso à internet que incorressem em tal prática ficariam sujeitos à pena de dois a quatro anos de detenção. "Grosso modo", seria o mesmo que responsabilizar uma revendedora de automóveis pelo mau uso que um comprador dele fizesse.
O disparate não é menor do ponto de vista operacional. Para evitar punição, os usuários teriam de fornecer nome, endereço, número de telefone, da carteira de identidade e do CPF às companhias provedoras, às quais caberia a tarefa de confirmar a veracidade das informações. Num país com mais de 30 milhões de usuários de internet, não é preciso testar o modelo para que ele se mostre inexeqüível.
O projeto ignora ainda que muitas fraudes podem partir de máquinas ou provedores estrangeiros, obviamente impermeáveis à legislação brasileira. O recente litígio entre o Ministério Público Federal de São Paulo e o Google, motivado por acusações de pedofilia entre os usuários de um site de relacionamentos, é exemplar a esse respeito. A empresa recusou-se a fornecer os dados dos usuários e ameaçou fechar o escritório no Brasil.
É evidente que ainda há muito a caminhar nesse setor. Mas o necessário aperfeiçoamento da legislação não pode ser levado adiante à custa da privacidade do usuário e da qualidade na prestação do serviço." (Folha de São Paulo, São Paulo, quarta-feira, 08 de novembro de 2006.)

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