segunda-feira, julho 24, 2006

Um estadista temporão

– Pois bem – disse ele –, foi daquela boca desdentada que saiu um bafejo de sorte, com todas as características de um vaticínio. O homem se acercou de mim e disse: – “Se o doutor sair candidato, conte com os votos da gente”. Aquilo me soou como uma cantada. Ou melhor, uma revelação da palavra divina. Primeiro, me assustou e me causou arrepios, como ocorre com as coisas sobrenaturais. Mas foi o que me fez tomar a decisão de lançar minha candidatura a deputado estadual, tirando-me da inércia e da inoperância. Pensei que poderíamos, juntos, dar de presente ao funcionalismo o Plano de Cargos e Salários, cuja primeira discussão remonta ao meu governo, e que agora retorna na sua gestão, lá se vão quase 30 anos. Veja que força prodigiosa possui o nosso povo. Num instante, eu não era ninguém, estava condenado ao ostracismo e à ignomínia do anonimato. No momento seguinte, sou tocado pela varinha de condão desse povo, que faz de mim um personagem e me coloca na história outra vez, me resgata da névoa do desprezo. E é esse mesmo povo que nos constrói no dia-a-dia, que nos formata e codifica, que nos esculpe com suas mãos calejadas e, principalmente, nos sustenta. Somos ao mesmo tempo criadores e criaturas dessa população despojada que, apesar de viver jogada em favelas sórdidas, em condições infames e absolutamente sem horizontes, possui, no entanto, uma generosidade sem limites. Nem sei se aposentado o velho era. Talvez, não, pelo seu estado precário. Mas desapareceu nas quebradas da estrada, me deixando boquiaberto com a oportuna catucada que me deu. Um beliscão para a vida. Pois eu não traduzi aquilo como um estalo? Para mim, foi o estalo de Vieira”, disse Lavô, referindo-se à história do padre Antônio Vieira.

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