quarta-feira, junho 04, 2008

A privatização do desastre

CULT - O que significa exatamente "capitalismo do desastre"? É um conceito realmente novo ou é apenas uma nova expressão para uma velha premissa capitalista? Afinal, devastações e crises sempre criaram oportunidades de negócio, são internos ao processo de acumulação capitalista.
N.K.
- Acho que o conceito de "destruição criativa", de Joseph Schumpeter, está muito ligado ao que descrevo. No sentido de que o capitalismo cria crises, de que executa constantemente criação e destruição. Mas estou falando de algo menos orgânico que isso. Trata-se aqui de uma estratégia política deliberada, de uma filosofia de poder; não apenas de ciclos naturais do capitalismo, em que uma nova tecnologia destrói um modelo econômico anterior e, a partir dessa destruição, um novo nível de criação surge. Trata-se de um conceito que foi profundamente compreendido e articulado por Williamson: que você precisa de uma crise para aprovar um conjunto específico de diretrizes econômicas. Acho que há algo de novo e antigo no que estou documentando. Veja o que aconteceu com após o furacão Katrina, exemplo clássico do capitalismo do desastre. Não considero o Katrina um desastre "natural" porque foi envolveu uma clara omissão do Estado - no sentido de que as barragens estavam deterioradas. Imediatamente depois do ocorrido, um político republicano, Richard Baker, disse "não pudemos limpar os projetos de conjuntos habitacionais, mas Deus fez isso por nós". Isso é o capitalismo do desastre! É uma idéia muito velha, que já existia na mentalidade colonial. Na América do Norte, os colonos que ocuparam a Nova Inglaterra tinham uma teoria religiosa sobre a varíola, pois a causa principal de mortalidade dos índios era a doença. Nos diários da época, falava-se da moléstia como uma dádiva de Deus. De diversas maneiras, estavam usando a mesma formulação que o político republicano. Quando a varíola acabou com diversas comunidades do Iroquois e a terra deles foi invadida pelos colonos, Deus foi invocado, e o desastre foi visto com um ato divino. Então, sim, isso não é novidade [ risos]. Mas, o que há de novo aqui, e que vimos em Nova Orleans, é que não apenas o desastre foi utilizado para a privatização do sistema educacional e habitacional, mas a resposta ao próprio desastre foi vista como oportunidade de mercado. E essa é realmente a última fronteira para o neoliberalismo. Todas as partes do estado foram privatizadas: estradas, eletricidade, telefone, água. Havia sobrado apenas as funções fundamentais: os militares, a polícia, os bombeiros. Mas agora estamos assistindo ao surgimento de um complexo do capitalismo do desastre: negócios que dependem diretamente desse conjunto de crises e desastres. Bombeiros privados, empresas como a Blackwater [ empresa militar privada], que apareceu em Nova Orleans pronta para substituir a policia, o Helpjet, um serviço que proporciona um plano de fuga rápido e luxuoso, com direito a limosine, no caso de furacão. Acho que estamos vendo isso agora na crise dos alimentos, no sentido de que esse desastre torna altamente lucrativo o setor corporativo do agrobusiness. Acho que precisamos entender os desafios que enfrentamos, principalmente relativos à mudança climática. Está muito claro que existe uma parcela da economia cujo desempenho é favorecido conforme a situação piora. Não são apenas as empresas de armamentos. São as companhias de petróleo, de agronegócios, de biocombustíveis, farmacêuticas, empreiteiras, companhias de segurança. Precisamos mapear essas empresas que, com um lobby poderoso, impedem mudanças efetivas para nos tirar desse processo de crises contínuas.
(...)
Leia a íntegra da entrevista na edição de junho da CULT, já nas bancas.

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