quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Crispiniano: cultura para a cidadania

Com essa responsabilidade de administrador nas costas ele respondeu às perguntas da entrevista a seguir, encaminhada pelo Caderno Encartes, do Jornal de Natal.
ENCARTES – A partir da cogitação do seu nome para assumir a FJA, o senhor, muito certamente, pode ter dado início à elaboração do esboço de um plano para a sua gestão à frente da administração da pasta da cultura. Quais as intenções predominantes, os traços que, até o momento, caracterizariam seu plano inicial para dirigir a FJA?
CRISPINIANO NETO – A intenção predominante é a de fazer os bens culturais chegarem ao acesso da maioria da população. Para isto, precisa de um fluxo, que passa pelo apoio a quem produz cultura e à preocupação com a qualidade da cultura ofertada ao povo. Isso requer muito diálogo com os setores envolvidos na produção e na difusão cultural. Como temos muita disposição para o diálogo este processo deverá ser muito rápido. De modo que não demoraremos a ter esta produção coletiva de um plano de trabalho que respeite os anseios e de quem faz cultura e de quem tem o direito de dela usufruir.
ENCARTES – Com base nas características que singularizam seu trabalho no campo da cultura, são conhecidas suas preferências pela vertente que aglutina produtos e criadores de caráter popular. O crítico paulista Arnaldo Daraya Contier, musicólogo e historiador, professor titular da área de História Contemporânea da Universidade de São Paulo e professor do Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Mackenzie, recorda que a sociedade civil deve lutar pela democratização das culturas que deve necessária e obrigatoriamente partir de objetivos definidos, em prol de uma comunidade, os quais deverão ser atingidos através de ações organizadas. "Sabemos que a democratização da cultura e a construção de políticas culturais de Estados realmente democráticos ainda fundamenta-se num conceito a ser construído", enfatiza Arnaldo Daraya. Ele adverte que o fato de Zeca Pagodinho ter vendido 400.000 cds e 80.000 dvds, não autoriza imaginar que o mercado através dessa expressiva vendagem tenha implodido os conceitos entre o erudito e o popular, unindo a "baixa com a alta cultura". Perguntamos se o senhor poderia vir a trabalhar com um Plano Diretor Quadrienal, montado com a participação da sociedade organizada e que tenha a participação de representantes de todas as classes?
CRISPINIANO – Não se pode pensar cultura a partir das preferências pessoais do gestor. O fato do diretor geral da Fundação José Augusto ser cordelista não o autoriza a direcionar a política cultural do Estado para a poesia popular. Com certeza vai ajudar a evitar que a Literatura de Cordel continue a ser tratada como literatura menor. Temos que trabalhar com todas as expressões culturais no campo da arte e também com a cultura não artística. O respeito à diversidade cultural é a base fundamental de uma política de cultura republicana e cidadã. A humanidade já superou o tempo da mentalidade eurocentrista, quando se pensava que só era cultura o que acontecia no Louvre ou em Liverpool e que a África, a Ásia e as Américas eram compostas por povos bárbaros ou de civilizações inferiores. O mesmo se pode pensar no Brasil, pois temos de deixar de acreditar que só é cultura o que acontece no eixo Rio-São Paulo e que no Rio Grande do Norte a cultura se acaba na Reta Tabajara. Natal é o pólo cultural mais importante do Estado, Mossoró tem tido um destaque impressionante nos últimos tempos, mas não se pode pensar a cultura potiguar sem falar da Filarmônica de Cruzeta, da obra de Felinto Lúcio em Carnaúba dos Dantas, de Hianto de Almeida, de Macau, da produção poética de Assu, de Xico Santeiro em Santo Antonio do Salto da Onça, de Pedro Velho com a obra de Chico Antonio, com Militante e os galos brancos de São Gonçalo do Amarante. São tantas as realidades culturais concretas por todo o corpo do elefante que eu passo a achar inadequado o termo "interiorização" da cultura que nos deixa a impressão que o interior não tem cultura e precisamos ir lá colonizar. Prefiro falar de intercâmbio cultural. No tempo (tradição e vanguarda), no espaço (capital e interior) e no nível de sofisticação técnica (erudito e popular). Só casando estes aspectos vários, teremos o verdadeiro e bom caldo cultural papa-jerimum.

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