quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Crispiniano: cultura para a cidadania

ENCARTES – O filósofo paulista Renato Janine Ribeiro explicita que uma política cultural, antes de mais nada, "não deveria ter como principais destinatários ou autores nem os artistas nem os intelectuais". "Numa sociedade democrática (e a cultura pode contribuir para tornar mais democrática a sociedade, enriquecendo o imaginário das pessoas, assim as capacitando para decidir melhor suas vidas), quem tem mais a ganhar com a cultura é o povo, ou o público, como um todo", diz o pensador.
Nesse sentido, perguntamos se haverá continuidade uma postura política na área da cultura que fala muito mais em "porcentuais" e em "leis de renúncia fiscal" do que em cultura propriamente dita, se, como diz Renato Janine, "o ideal é uma política de cultura que aposte em torná-la artigo de primeira necessidade. Isso significando tomar o ponto de vista do público, mais que o do artista – porém o de um público que não seja apenas entretido, mas sim enriquecido, pela cultura?"
CRISPINIANO – Concordo com o filósofo de que o destinatário numero um de uma política cultural não é o artista ou produtor, mas o povo. Afinal de contas, o que seria do cantor, do bailarino ou do ator sem o aplauso da platéia, o que seria do escritor sem o leitor ou do cineasta sem o espectador? O destinatário fulcral de uma política cultural é o cidadão. "Todo artista tem que ir aonde o povo está". Nosso povo só terá a verdadeira dignidade cidadã quando tiver acesso ao feijão, ao Boi-de-reis e ao CD de Beethoven, ao leite, ao circo e à Monalisa, ao chinelo, ao bom forró e ao Bolshoi, à casa própria, à cantoria e ao concerto da Sinfônica. É como dizem os Titãs "a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte". Mas, vale lembrar que de barriga vazia não se curte Chopin e sem conhecimentos não se produza feijão para todos. Padre Zé Luiz me dizia que o que mais gostou em Israel é que o trabalhador do Kibutz descia do trator recitando Shakespeare. Não queremos também a velha política de dar pão e circo. Queremos a cultura como instrumento da cidadania.
ENCARTES – Ainda com base na opinião de Renato Janine Ribeiro, ao afirmar que "é cultural toda experiência da qual saio diferente – e mais rico – do que era antes. Seja o que for, um livro, um filme, uma exposição: estou no mundo da cultura quando isso não apenas me dá prazer (me diverte, me entretém), mas me abre a cabeça, ou para falar mais bonito, amplia o meu mundo emocional, aumenta minha compreensão do mundo em que vivo e, assim, me torna mais livre para escolher meu destino" - perguntamos: Como deverá ser a sua pauta de atuação na administração da cultura nos próximos quatro anos? Seguindo o pensamento da direita, que vê a cultura como entretenimento, fazendo parte da diversão? Investindo, como a esquerda, cuja idéia de cultura remete à promoção da cidadania, sendo a cultura um direito básico, incluída na formação de um sujeito livre? Ou atrelando-se às normas do centro, que, na opinião de Janine Ribeiro, "não parece ter uma idéia clara sobre o papel da cultura na sociedade – e isso justamente no partido que talvez desfrute da maior proporção de simpatia entre as pessoas que têm acesso à cultura", sendo "quem mais fala – mais que a esquerda, o que não espanta, mas também mais que a direita, o que é curioso – em leis de incentivo?".
CRISPINIANO
– Nossa atuação será no sentido de trabalhar a cultura como instrumento de cidadania. Não queremos fazer maquiagem cultural nem sermos receptáculos de uma invasão cultural em curso, tampouco macacas de auditório da Disneylândia. Nem criar um escudo como Policarpo Quaresma. A arte é universal e a ação cultural deve servir à qualidade de vida das pessoas e deve ser um instrumento de educação política sem ser panfletária ou partidarizada.
ENCARTES - O que podem aguardar os produtores culturais, os artistas, os que vivem de arte, a partir da nova gestão da FJA? Podem contar com planos de evolução e desenvolvimento para áreas como a cena musical potiguar? O teatro que se faz no Rio Grande do Norte? Para os que investem em cinema e vídeo? Como serão beneficiados os que se dedicam às artes plásticas, ao artesanato? Como serão tratados os escritores? Haverá um Plano Diretor Quadrienal para a Cultura? Haverá parcerias com as ONGs culturais, especialmente entidades de classe, como a Ordem dos Músicos; Sindicato dos Músicos; União Brasileira de Escritores do Rio Grande do Norte; Sindicato dos Artistas e Técnicos em Diversões do Rio Grande do Norte; Federação dos Carnavalescos; Sindicato e Associação dos Artesãos; outras entidades afins?
CRISPINIANO – Podem aguardar muito diálogo. E um diálogo qualificado e realizador. Queremos sentar com todos os segmentos da produção da difusão e da fruição cultural, mas não para jogar conversa fora. Nos limites que vão entre a vastidão da criatividade e a escassez dos orçamentos, entre a imensidão do potencial dos talentos e dos apertos da burocracia haveremos de encontrar o ponto de equilíbrio entre a razão e a emoção, para que o Rio Grande do Norte possa ter orgulho da sua cultura como tem do seu sal, do seu petróleo, do seu melão, do seu camarão e da sua gente. (Caderno Encartes, Jornal de Natal, 12, de fevereiro de 2007.)

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