sábado, julho 19, 2008

O silêncio de Daniel Dantas...

A voz de Lula e o silêncio de Dantas
Pedro do Couto
Tribuna da imprensa online
Foto: Daniel Dantas
Rio de janeiro, sábado e domingo, 19 e 20 de julho de 2008
O presidente Lula, interpretando a repercussão na opinião pública do processo Opportunity, decidiu convocar publicamente o delegado Protógenes Queiroz a concluir seu trabalho, colocando-se assim em posição contrária à de Daniel Dantas, cujos advogados tornaram-se inimigos do delegado e também levantaram suspeição contra o juiz Fausto de Sanctis. A tomada de posição por parte do presidente da República acentuou, mais uma vez, sua inegável sensibilidade política em captar a direção das marés e dos ventos.
A este respeito a jornalista Eliane Catanhede publicou um bom artigo na edição de quinta-feira da "Folha de S. Paulo". Luís Inácio da Silva não fez prejulgamento, mas sem dúvida colocou-se contra aqueles - no caso do ministro Gilmar Mendes - que, revogando as prisões preventivas decretadas contra o banqueiro, na realidade contribuíram para distanciar o ponto de chegada das investigações, que já envolve uma onda gigantesca de crimes financeiros. Aliás, financeiros só, não.
Tanto assim que o juiz Fausto de Sanctis determinou a prisão preventiva de Hugo Chicaroni e Humberto Braz, acusados de tentar subornar o delegado Queiroz. Ambos recorreram ao Supremo - vejam só os leitores -, mas desta vez o presidente da corte negou o habeas corpus. Assim agindo, o ministro Gilmar Mendes terminou tecendo uma restrição indireta a si mesmo. Chicaroni e Braz são acusados de quê? De tentar subornar uma autoridade para excluir quem do inquérito? Daniel Dantas. Logo, quem pode ter optado pela estrada do suborno?
A resposta só pode ser uma, Daniel Dantas. Logo, Dantas está incluído no crime praticado por Braz e Chicaroni. Aliás, suborno compõe seu estilo, sua atuação. Este, inclusive, seu maior erro. O de pensar que todos se encontram à venda. Que todas as consciências não passam de mercadoria no balcão da vida esperando uma proposta. A existência humana é algo muito mais complexo. Não é uma questão só financeira. Não é uma questão só de força. Não é tampouco apenas uma questão só de poder. Como compôs o genial Paulinho da Viola, "a vida não é só o que se vê, é um pouco mais".
Um pouco mais de tempo - como escreveu Helio Fernandes aqui na TRIBUNA DA IMPRENSA também quinta-feira - e o panorama no próprio Supremo Tribunal Federal pode reverter contrariamente a Daniel Dantas, remetendo-o à prisão. Basta que o plenário julgue os dois habeas corpus que ele concedeu ao sombrio banqueiro, colocando-o na esfera daqueles que possuem foro privilegiado. Não precisa nem a maioria dos ministros cassar a liminar. Basta elegantemente deslocar o tema para um outro patamar, o da ciência jurídica e sua interpretação.
Motivos não faltam. O maior deles está no silêncio que Daniel Dantas adotou como tática de defesa, recusando-se totalmente a responder às perguntas do delegado Protógenes na quarta-feira, ao depor no inquérito que a Polícia Federal move contra ele. Inquérito, como afirmou o próprio Lula, que já possui quatro anos de investigações, revelações, comprovações.
O que pode levar alguém a assumir uma posição de silêncio? Só a existência de culpa concreta explica. Claro. Porque se o acusado é inocente, não tem sentido permanecer calado. Ao contrário: apresenta a sua defesa. Então, se alguém não consegue defender a si próprio, é porque, tacitamente, reconhece que transgrediu a fronteira da lei. A voz de Lula e o silêncio de Dantas, título que dei a este artigo, conduz a um exemplo bastante emblemático do passado. Aconteceu nos Estados Unidos, pois nenhuma posição é legítima, se aquele que a ocupa não puder dizer seu verdadeiro nome.
De 1931 para 1932, quando perdeu a eleição para Roosevelt, revoltado com o convite que recebeu de Al Capone para a festa que marcou a inauguração da casa do gangster em Miami, o presidente Herbert Hoover decidiu processar criminalmente o gig boss de Chicago. O argumento foi a declaração de Imposto de Renda que continha fraude fiscal e sonegação. Ao depor, Al Capone alegou a quinta emenda da Constituição Americana, que permite aos réus ficarem em silêncio e não responder às indagações.
Comportamento igual ao que Dantas adotou agora, e que foi adotado também pelo ex-presidente do Banco Central, Francisco Lopes, há nove anos. Caso Cacciola. O processo contra Capone teve seqüência no governo Franklin Roosevelt, ele foi condenado e só saiu da prisão em 45, já na administração Harry Truman. Capone morreu em 1947. Como se vê, se ficar em silêncio fosse solução, criminosos nunca iriam para a cadeia. Basta este argumento para desclassificar a omissão proposital. O professor Francisco Lopes, inclusive, foi condenado a dez anos de cadeia.
Encontra-se em liberdade através de habeas corpus. Este habeas corpus pode ser cassado a qualquer momento. Escrevo este artigo na tarde de quinta-feira. Pode ser que até sua publicação outros fatos em torno do tema aconteçam. Não importa muito, no caso. A essência política que impulsionou o presidente Lula para iluminar sua imagem na opinião pública está caracterizada. Em conseqüência, também o aumento da preocupação de Daniel Dantas. Não surpreende. Afinal de contas, ninguém pode praticar crimes em série e seguir sempre impune.
Quem decide viver assim, sabe dos riscos que corre. Forma em torno de si duas legiões: a de aproveitadores e a de inimigos. Não pode ser o contrário. Desta dualidade, habeas corpus algum poderá livrá-lo.

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