domingo, dezembro 23, 2007

Cultura e violência

A julgar pela forma como reagimos à situação da segurança pública no Brasil, Morris e Wilson têm razão. A maioria de nós não conhece pessoalmente as vítimas usuais da violência no Brasil, que são miseráveis e favelados. Talvez por isso não nos importemos tanto assim com as violações de seus direitos humanos. A coisa muda de figura, claro, quando a vítima é nosso parente ou vizinho. Aí a biologia entra em campo e ficamos revoltados a ponto de protestar ostensivamente. Mas, nesse caso, vale notar, não protestamos por razões culturais, mas sim por instinto.
Se é verdade que não temos fortes instintos biológicos de compaixão e cooperação para com indivíduos que não conhecemos, como é que algumas sociedades conseguem controlar a violência em geral e a violência do Estado em particular?
Creio que existe um forte componente cultural associado ao controle da violência e que este controle funciona melhor onde existe uma ética social que valoriza o respeito ao indivíduo e as liberdades individuais. As reações sociais à violência do Estado não parecem se fundar nas idéias de coletividade e cooperação, mas na idéia de que os indivíduos não devem tolerar um Estado que pratique violência contra os seus cidadãos sob pena de eles serem a próxima vítima.
Isso explicaria por que os Estados que se constituíram a partir de idéias totalitárias associadas à coletividade foram, ao longo da história, muito violentos. Vide a China de Mao Tse-tung, a Alemanha nacionalista de Hitler ou a União Soviética de Stálin.
Por outro lado, os Estados modernos que aliaram a democracia ao respeito ao indivíduo, como Inglaterra e França, foram muito menos violentos. Se esse raciocínio está correto, o problema da violência urbana no Brasil tem um forte componente cultural e está associado ao fato de não termos uma tradição explícita de respeito aos direitos e às liberdades individuais.
Nesse cenário, podemos imaginar que a grande interferência dos governos brasileiros na economia, a alta carga tributária que pagamos sem protestar e a nossa grande tolerância com a corrupção tenham muito a ver com a morte do garoto de 15 anos que tomou 30 choques elétricos pelo corpo e com a prisão da adolescente em meio a homens no Pará -ambos sob a tutela do Estado. [JOSÉ PADILHA, 40, é cineasta, diretor dos filmes "Ônibus 174" e "Tropa de Elite".] (Foto: aqui)

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