terça-feira, dezembro 05, 2006

A sina dos cães sem pluma

Sem contar com uma delegacia, nem base policial comunitária, a criançada jamais presenciara uma ronda policial, a não ser os rotineiros confrontos entre policiais e favelados, durante a passagem dos bondes que atravessam a favela, fosse de madrugada ou a qualquer hora do dia. Vadinho e seus companheiros eram, enfim, o retrato do que produz a miséria absoluta, que gerava a violência diuturna de seus moradores, perseguidos permanentemente nas implacáveis caçadas da polícia, estampadas em seguida, com sensacionalismo, na mídia dos barões.
Se extinguira a idéia, ainda corrente no tempo em que o avô de Rosalinda era funcionário público, de se querer derrubar o poder vigente das oligarquias para colocar em seu lugar um Estado que tivesse a gestão de quem produz a riqueza e pela sua divisão. Isto acabara. As elites, sinistras, venceram. Daí porque não se interessarem mais em lutar por escolas, moradia, centros de lazer e cultura, mercado de trabalho com justa remuneração, empregos em profusão e uma polícia civilizada. A barbárie. Era isto que imperava. O sangue dos pobres continuava a correr, enquanto os ricos se refestelavam em festas e levavam vidas cinematográficas em seus condomínios inexpugnáveis, evitando a todo custo manter contato com a cidade, e sua gente, a se deslocar pelos céus de helicóptero.
Se não encontrara o que comer no lixão daquela praça, circundada por moradores mais abastados, Rosalinda poderia encontrar, decerto, alguma iguaria nas lixeiras das praças do centro, para onde conduziu os amigos.
A travessia desse trecho, contudo, lhe reservava uma aventura cujo script já conhecia. Era a obrigação de encarar os tiroteios das "guardas-mirins", pelotões formados por ex-policiais militares, que recrutavam adolescentes nas mais de 300 favelas da capital e os ensinava a atirar, com o pretexto de defender a população da região. As escaramuças entre as guardas-mirins e os grupos de traficantes, que se reproduziam em toda a cidade, ganhavam relevo nesses setores, por abrigarem consumidores potenciais, nas últimas repartições do poder público, já que a maioria das secretarias, escritórios e divisões do serviço público fora transferida para a zona sul da cidade, processo iniciado ainda em 2010, quando da mudança da prefeitura, seguida do Tribunal de Justiça e da Assembléia Legislativa.
Com a transumância que se acelerou a partir de 2010, quando dois terços dos quase cinco milhões de habitantes de todo o estado migraram para a capital, em busca de meios de vida, a qualidade da sobrevivência em Natal caíra ao rés do chão, de forma irreparável.
Sem projetos por parte do poder público para industrializar o estado ou qualquer plataforma de governo, que não fosse a pilhagem do patrimônio público, a violência terminou por determinar a forma de se defender, sendo adotada como estilo de vida.
Negando formas de industrialização e projetos de desenvolvimento para o estado, os gestores públicos prosseguiam em sua faina de apenas formular e divulgar com estardalhaço, na mídia sob seu domínio, projetos gorados e fictícios planos orçamentários que rendessem, de imediato, a canalização de recursos federais para serem abocanhados, sendo o exemplo mais expressivo a "ressurreição da Alcanorte", bandeira que ainda rendia volumosos rendimentos para os esquemas fajutos montados por políticos e empresários.
A presença numerosa de adolescentes nas hostes do tráfico e da resistência civil confirmava as antigas previsões e prognósticos, que apontava, para o Rio Grande do Norte, nos anos de 2020, uma população em grande parte velha, de mais a mais uma realidade nacional, já que a pirâmide etária brasileira tivera o contingente de idosos ampliado, seqüenciado por um número de jovens estacionado, a partir da primeira década do século 21, quando se verificou, entre outros fatores, a grande matança de membros dessa faixa de idade, por conta do envolvimento com o atraente comércio das drogas.

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