terça-feira, dezembro 05, 2006

Operação Lupanares

Paulo Augusto
Ao chegar em casa, Rosalinda entregou o presente para seu Juvêncio, o querido avô que ela tanto admirava, e único companheiro na família destroçada. Amava muito aquele velho, ainda bonito, apesar do rosto cheio de sulcos, adornado pela franja rala e a barba branca, sempre por fazer. Gostava principalmente das histórias de trancoso que ele fazia questão de lhe contar, fosse na porta de casa, na favela do Fio, na boca da noite, depois de enganar o estômago com algo de comer, fosse ao pé de sua rede, antes de dormir.
Seu Juvêncio, aos 79 anos, vinha abatido pela tuberculose, doença que registrava uma epidemia instalada em expressivos extratos da população, em razão da absoluta ausência de cuidados, pelo destroçamento dos serviços de saúde pública. Fora um contador respeitado na juventude, tendo ocupado cargos de confiança em várias administrações estaduais. Aposentado, levava a vida a observar a passagem do tempo, à semelhança de seus vizinhos na mesma faixa de idade. Sem poderem ir muito longe em excursões fora do bairro, pela falta de recursos, pela ausência de programas públicos para a terceira idade, ou pelo simples receio de se verem vítimas das hostilidades na via pública em razão da guerra civil instalada, viviam em grupos, a recordar o passado ou a ruminar sobre o tempo que lhes restava. (Ilustração: Antônio Amâncio)

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