domingo, dezembro 17, 2006

Jogo: Atolados contra Maloqueiros

Um Natal vergonhoso
DANUZA LEÃO
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Não se ouve a voz de uma autoridade se levantar para
protestar com indignação contra essa falta de pudor
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"MINHA DÚVIDA é se os deputados e senadores perderam de vez a vergonha na cara, enlouqueceram, ou os dois. Ou talvez eu tenha enlouquecido e não esteja entendendo direito o que ouço nas TVs e leio nos jornais.
A esta altura do campeonato, enquanto discutem se o salário mínimo vai ser aumentado em mais R$ 8 ou não, pois o governo não agüentaria a despesa, deputados e senadores dobram seu salário na maior cara de pau, e de um jeito que não tem volta; o que eles decidiram decidido está.
Duvido que, se fosse na Argentina, as coisas ficassem por isso mesmo. Se o Brasil fosse um país de povo menos frouxo, hoje de manhã o Congresso já amanheceria apedrejado e estariam havendo manifestações em todo o país contra a classe política. Mas é assim que Lula gosta, e não é em vão que elogia a China, onde o governo faz o que quer e não tem oposição.
Além do auxílio-moradia, dos eletrodomésticos, das passagens para visitar seu Estado de origem, verba de gabinete para contratar sei lá quantos assessores, do que eu mais gosto é da quantia que eles têm para gastar em selos. Pergunte a uma criança de dez anos, em 2006, se ela sabe o que é um selo e ela será capaz de dizer que nunca ouviu falar.
Enquanto o caos impera nos aeroportos e a presidente do Supremo é assaltada e não diz uma só palavra -com todo respeito, dra. Ellen, era sua obrigação, do alto de sua autoridade, ter posto a boca no trombone-, Lula, tão emotivo, chora no dia da sua diplomação, e não se ouve a voz de uma autoridade se levantar para protestar com indignação contra essa falta de pudor, às vésperas do Natal, de dobrar seu salário.
E está tudo dentro da lei, e ninguém pode fazer nada para impedir que isso aconteça. E são 15 salários por ano. E são férias no verão e férias em julho, para visitar as bases. E eles trabalham de terça a quinta. E se um deputado esfaquear a mãe, tem imunidade parlamentar, e muito dificilmente vai parar na cadeia. Que beleza.
Lula está botando as manguinhas de fora para continuar presidente indefinidamente, como seu colega Hugo Chavez, só não vê quem não quer. Mas um dia a casa cai; não sei se ainda vou estar viva para ver isso acontecer, mas que cai, cai, porque estão abusando.
Estou esperando para ver se algum deputado vai se revoltar com esse aumento. Se isso acontecer, vou guardar bem direitinho o nome dele -ou deles-, e tomo uma decisão na vida: tirando esses, não cumprimento mais nenhum deputado e nenhum senador.
Não me interessa de que partido é, se votou contra ou a favor de medidas corretas para o país, não vou sujar minhas mãos cumprimentando nenhum parlamentar que não tenha ido à tribuna para protestar com veemência contra esse aumento vergonhoso de salário.
E no dia que a casa cair, vou estar na rua para ajudar a botar ela abaixo, nem que seja com meus gritos, nem que seja jogando uma pedra, mesmo pequena, do peso que meus braços permitirem.
Se eu tivesse passaporte italiano, como d. Marisa, me mudaria de país. Como não tenho, vou fazer o que puder para que ele mude, seja lá do jeito que for. Quem pensar da mesma maneira pode contar comigo.
Que arrependimento de não ter anulado meu voto." (Danuza Leão, Folha de São Paulo, Cotidiano, São Paulo, Domingo, 17 de dezembro de 2006.) [danuza.leao@uol.com.br]

Um comentário:

Anônimo disse...

excelente e corajoso texto!!!
abs.tertu