segunda-feira, março 24, 2008

Anatel e Ministério Público alimentam clima fascista

Jornal de Natal - Estamos com João Eudes, que recebeu uma intimação para comparecer a uma audiência no dia 3 de abril, às 16h40, na Comarca de Macau, sobre o caso da Rádio Comunitária 93.5 FM, Rádio Solidariedade. Você dizia que essa perseguição transforma você num "perseguido na democracia". Como se dá isso?
João Eudes Gomes - Um "perseguido da democracia". Quer dizer, você só via isso nos tempos negros, tétricos, da ditadura militar. Mas, quando se fez a nova Constituição, se assegurou, no Artigo 5º, o direito da comunicação, da livre expressão. Além do Pacto de São José da Costa Rica, que o Brasil assinou, regulamentando a fruição desse direito, de qualquer pessoa comunicar as suas idéias, sem censura ou sem licença. No entanto, o Brasil assina o Pacto da Costa Rica, edita a Constituição de 1988, que agora está fazendo 20 anos, mas nós ainda estamos vivendo na época da ditadura. Quer dizer, para mim, como dirigente do Movimento Popular, eu não estou vivendo ainda o Estado Democrático de Direito.
JN - Parece que houve um atropelo da parte deles, já que esta intimação veio diante de uma ação que ainda está correndo, quando levaram você preso para Mossoró.
João
- Acontece que, por uma mesma acusação, eu sou processado duas vezes. Pelo mesmo "delito", entre aspas. Inclusive, preso. Tive os meus equipamentos seqüestrados, indisponibilizados, apreendidos, sem o devido processo legal. Qual seja, sem um processo com amplo direito de defesa, transitado e julgado. Quer dizer, o processo ainda está numa fase de recurso, mas eu já tive os equipamentos apreendidos, antes da decisão. Quem faz isso? A Anatel, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal, que, aqui no Rio Grande do Norte, está muito atrasado. Porque, ao invés dele defender a Constituição, garantir o direito do cidadão a fruir a comunicação, é ele que passa a agredir, a penalizar, com a lei de um tempo que não volta mais, um cidadão que quer se comunicar. Quando a gente sabe que o planeta pode se acabar, o cidadão é impedido de veicular suas idéias, de se comunicar com outras pessoas que querem ouvir a sua palavra.
JN - Tem um porém, ainda. A própria lei (Lei no 4.117/62) em que se baseia a Anatel é uma lei que já foi substituída por outra.
João - Ela é uma lei suplantada pela Constituição de 88. E outra coisa: ela não é lei para rádio comunitária. Ela é lei para radiodifusão comercial. Rádio comunitária não chega nem perto, vamos dizer assim, da meta, que é de 50 watts, para você poder caracterizar radiodifusão. O transmissor utilizado pela FM Solidariedade 93.5 é de 25 watts. E você só pode considerar radiodifusão acima de 50 watts. Na lei de rádio comunitária não existe nenhuma pena de restrição de liberdade. Imagine de pedido de prisão preventiva. Existe a lei específica de rádio comunitária, de 1998 (Lei nº 9.612, de 19 de fevereiro de 1998, que institui o Serviço de Radiodifusão Comunitária e dá outras providências). Essa lei admite a autuação, a advertência, a multa e, no último caso, a suspensão da atividade. Mas não fala em restrição de liberdade. No entanto, pessoas com cabeça fechada, atrasadas, se utilizam de uma lei da ditadura, para penalizar a pessoa, para criminalizar a pessoa que ousa se comunicar de forma independente e livre, sem as amarras do Estado. Porque o Estado não tem esse poder de interferir nos direitos fundamentais. O direito fundamental é auto-exercitável. Ele independe de autorização de justiça, de Estado. Ele é um direito que é fundamental. O Estado pode intervir, para garantir o direito. Nunca para suprimir esse direito. Então, nós nos negamos, vamos dizer assim, a obedecer a um sistema que está ultrapassado, que viola a cidadania, a democracia e os direitos humanos. E o Ministério Público Federal, que era para defender, é ele que está denunciando. Ele, ao invés de se preocupar com Cacciola (O ex-banqueiro ítalo-brasileiro Salvatore Cacciola, ex-proprietário do Banco Marka, foi condenado em 2005 à revelia a 13 anos de prisão pela Justiça Federal do Rio de Janeiro por crimes de peculato (utilização do cargo para apropriação de dinheiro) e gestão fraudulenta do Banco Marka. A ajuda do Banco Central recebida por Cacciola causou prejuízos de R$ 1,5 bilhão aos cofres públicos, segundo conclusões de uma CPI sobre o caso), com os escândalos do mensalão, está preocupado com atividade de rádio comunitária.

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