segunda-feira, março 24, 2008

Anatel e Ministério Público alimentam clima fascista

JN - Faça um pequeno histórico dessa luta no Estado. Quem era que existia, quem existe hoje? Qual uma instância que possa servir de abrigo, de defesa? O que faz a Abraço (Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária) aqui no Estado? Quem pode ajudar vocês?
João
- O fenômeno das rádios livres se dá no Brasil na década de 90. Pipocam as rádios livres. Aqui no Rio Grande do Norte houve também várias tentativas. E dentro disso foram criadas instituições, tem a nacional, tem vários grupos. Tem a Confederação, tem a Abraço. Aqui no RN tem a Abraço que já fez, me parece, um congresso sobre rádio comunitária, na década de 90. Mas, houve um refluxo, porque o pessoal pensava que era a realidade de São Paulo e transportaram isso pra cá sem uma reflexão. Acontece que houve uma repressão muito forte, e as pessoas estão desestimuladas.
JN - Devido a esse tipo de coisa...
João - Sim. Porque como é que pode? A rádio presta serviço à população e você vê a sua casa invadida, uma perseguição. E você não tem a quem recorrer. Porque se é a própria Justiça Federal, se é o próprio Ministério Público Federal, se é a Polícia Federal, se é a Anatel que estão lhe perseguindo, a quem você vai se socorrer? Então, houve esse desestímulo, esse desinteresse, o medo. Nesse ponto, as oligarquias obtiveram êxito. No sentido de amedrontar, de desestimular a consciência livre, que queria ver fluir em cada bairro de Natal, nos interiores, as rádios comunitárias independentes, livres da interferência do poder estatal.
JN - Gostaria que você falasse mais sobre a configuração da Anatel, que a você pareceu um "canil de Pit Bull" do sistema.
João
- A Anatel é esse canil de Pit Bull a serviço das oligarquias. Como as oligarquias nomeiam os camaradas lá, aí quando eles querem favores, aí eles pedem.
JN - O que houve no caso do ministro das Comunicações, Hélio Costa, que mantinha uma rádio comunitária em Minas Gerais e teve de desfazer-se dela às pressas?
João
- É, favorecendo os grupos. Inclusive, agora mesmo ele vendeu uma rádio, que era dele. A Folha de S. Paulo denunciou que o ministro das Comunicações tinha uma rádio FM, e, de imediato, o Conselho de Ética da República mandou ele se desfazer. Quer dizer, um caso espúrio, totalmente de promiscuidade.
JN - Para fazer campanha política...
João - Ele chegou a ministro através dessa rádio. A rádio transmitia, como transmite aqui no Rio Grande do Norte os discursos de Felipe Maia, de José Agripino, de Garibaldi, da Família Alves, da Família Melo, da Família Souza. Dessas oligarquias que se arvoram ser donas do destino do povo. Então, eles agem como os cachorros desse povo, que é para justamente perseguir o cidadão comum. Quem deveria se contrapor a uma coisa dessas seria a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Seria a Procuradoria de Defesa da Cidadania. Seria a CNBB (Conferência Nacional de Bispos do Brasil), seria a Comissão dos Direitos Humanos. Era deles darem um basta nessa coisa da Anatel estar fazendo esse serviço para as oligarquias.
JN - Fale sobre o painel que houve no Senado, para atualizar os senadores sobre o caso das rádios comunitárias.
João - A presidente da Confederação das Rádios Comunitárias fez uma palestra, um painel, com uma reivindicação muito importante. Qual seja: a anistia para todas as pessoas que estão criminalizadas e processadas no Brasil, que são justamente essas duas mil cento e poucas pessoas, quatrocentas e poucas pessoas que estão sendo processadas neste momento, e que têm sua conduta criminalizada. E ela defende também que seja processada a Anatel e seja processada a Polícia Federal. E, em sendo processados esses dois entes da Federação, do Governo Federal, que a pena seja um curso de seis meses de Relações Humanas, com os movimentos sociais.
Radar - Para eles aprenderem...
João - Aprenderem a respeitar e a se relacionar com a sociedade civil. Porque eles vêm da ditadura, então eles não sabem, eles não têm informação, eles são ignorantes. A respeitar o direito assegurado na Constituição do país.
JN - Ao falar de anistiados, lembra-se que muitos anistiados por terem sido presos pela ditadura estão recebendo fortunas, muitos deles, como o jornalista Carlos Heitor Cony, e hoje deveria existir os anistiados da própria democracia...
João
- É. Seria uma indenização para os perseguidos da democracia. Porque, como todo mundo está embriagado, pensando que nós vivemos numa democracia, então, existe a possibilidade de se aventar uma indenização. Mas não existe. Agora, acontece que existem perseguidos na democracia.
JN - Não tem presos não, né?
João - Pior. Porque a prisão é aberta. O que estão fazendo comigo é um terror psicológico. É um terrorismo. É um absurdo a pessoa vir dizer que vai pedir a prisão preventiva de uma pessoa sem base legal. Sem se fundamentar numa lei. Qual é o fundamento? Em que lei o Ministério Público vai se fundamentar, com a Anatel, para pedir a minha prisão preventiva? Primeiro, porque nunca me neguei, em nenhum momento, atender o chamado da Justiça. Segundo, porque nunca ameacei nenhuma testemunha ou investigação do Ministério Público. Terceiro, porque não tenho registrado nenhuma atividade criminosa. Minha ficha é "nada consta". Então, como é que eu posso ser considerado um perigo para o Estado? Se eu não tenho dado material para isso? Se eu não tenho conduta delituosa? E se eu nunca me neguei atender o chamado da Justiça? Tenho endereço fixo. Toda vida que o Ministério Público me denunciou, e que os juízes me intimaram, eu nunca me neguei atender a decisão do juiz. Então, por que motivo se vem aventar a possibilidade de prender preventivamente a pessoa sob um falso argumento de desordem pública.
JN - Tem o fato também de eles virem cercear o seu trabalho, obstacular exatamente a sua atividade profissional?
João - Atividade profissional, sim, porque eu estou trabalhando. Eu trabalho de 5h da manhã às 12h da noite. Dou plantão, a rádio dá plantão. A rádio não recebe dinheiro público. A rádio presta serviços a todas as instituições. Presta serviço à Justiça, ao Ministério Público, à Saúde, à Educação, ao Unicef. Agora, isto gratuitamente. Não existe contrato com o governo. A toda hora chega. Temos os documentos sobre as campanhas. Agora mesmo nós divulgamos, passamos 60 dias numa campanha de combate à dengue. Haja vista de houve 78 casos em Macau, inclusive cinco casos já comprovados de dengue hemorrágica. Inclusive com dois óbitos. O estado e o município mandaram (informes) para a gente fazer a divulgação. A própria Justiça, agora, no recadastramento eleitoral, se utilizou da rádio, por mais de 40 dias. Gratuitamente. Agora, é o tipo da coisa. É aquilo que a gente já viu, que Chico Buarque já disse: É uma rádio-Geni. Depois de usada, vem ser abusada. Cuspida. Apedrejada e violentada.

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