segunda-feira, março 24, 2008

Anatel e Ministério Público alimentam clima fascista

JN - Gostaria de saber o seguinte: agências similares à Anatel, nos Estados Unidos, por exemplo, em democracias mais sólidas, em economias mais possantes, elas atuam, inclusive, protegendo o direito da informação?
João - O Estado americano considerou essencial para o funcionamento da democracia a instalação de rádios comunitárias. Então, lá, o órgão regulador não proíbe, não persegue, não cerceia; ele apóia, ele incentiva, ele assegura,orienta, facilita o exercício do direito.
Radar - Tudo por não ter medo de ver balançada a democracia por conta de uma rádio comunitária...
João - E por garantir à sociedade uma alternativa. Se você não quer anunciar na rádio comercial, na televisão comercial, você tem uma rádio comunitária e uma televisão comunitária para você se comunicar. Acha, o Ministério Público dos Estados Unidos que, para o bem da sociedade, essas rádios têm que existir.
JN - As cidades do interior, além de rádios comunitárias, deveriam ter suas televisões comunitárias, comunicando-se com a sociedade?
João
- Esse vai ser um processo inevitável. Vai ser inevitável como a digitalização. Agora, o que vai acontecer é a verdadeira democracia. Porque não vai ser propriedade particular de grupo A, nem de grupo B. Vai ser a sociedade organizada, reunida, sem hierarquia, debatendo, que vai encontrar um caminho, para criar a rádio digital comunitária.
JN - E esses políticos proprietários de rádios?
João - Esses, a queda deles, é como eu disse, está garantida. Porque nós estamos com 20 anos de Constituição. Mas 20 anos de Constituição não garantem a efetivação desses direitos. O povo já passou por 20 anos de Constituição. Agora, o povo vai buscar mais 20 anos para efetivar esses direitos. Porque o povo não está exercendo o direito. O direito está garantido na lei. Nenhuma lei pode suprimir esse direito. Aí ele vai ser divulgado e efetivado. Eu creio que o destino das oligarquias no Rio Grande do Norte e no Brasil está selado. Eles não têm mais para onde correr.
JN - Isto acontece no Rio Grande do Norte e no Brasil num momento em que se encontra em funcionamento as transmissões de rádio via internet, que podem ser sintonizadas, sem quaisquer estorvos, em qualquer canto do planeta.
João - A Europa, por exemplo, considerou agora obsoleto o problema da rádio digital. A digital já é obsoleta. E nós, lá em Macau, ainda estamos sendo perseguidos por usar a rádio analógica. Por exemplo, é como se você pegasse uma chibanca para quebrar uma montanha. Macau está nessa fase. Mas já existe o raio laser, lá, que racha a montanha no meio. E o raio laser seria o sistema on-line de rádio. Agora, nós vivemos num país atrasado, em que os governantes são atrasados. Os legisladores brasileiros caminham no asfalto a passo de cágado. Quer dizer, chegou essa novidade tecnológica, mas não tem legislação. Já está aí, em várias cidades o povo já faz rádio através do sistema on-line, pela internet. E vai ser cada vez mais. Vão diminuir os custos e as populações pobres vão ter acesso a isso, porque é um direito inalienável do ser humano.
JN - Contra esse progresso da ciência, vem a solução oferecida pela ministra-chefe da casa Civil, Dilma Rousseff, para o problema das rádios comunitárias. Como se deu isso?
João - Foi o Ministério da Casa Civil que jogou uma bola. Você sabe o que é uma bola? É aquela carne moída com vidro dentro, para o movimento popular engolir. Quando, na Europa, se diz que o sistema digital de rádio já está atrasado, a proposta deles - nunca nenhum governo teve essa ousadia -, a proposta deles, através da ministra, é que se desça o espectro de FM para AM. Significa você dizer, por exemplo, que o custo de uma rádio comunitária popular, vamos dizer que seja R$ 10 mil, no caso da proposta da Casa Civil, ela iria para R$ 300 mil. Porque são equipamentos enormes, jurássicos, dinossauros. E que não têm mais sentido. Se a Europa já descartou a rádio digital?!
JN - E as crianças da favela já andam com iPod?
João - As crianças dos guetos, dos "bairros periféricos", como eles chamam, né? E nós aqui ainda estamos sendo penalizados por utilizar um transmissor analógico de uma rádio para uma população de 25 mil habitantes, e que só pega naquela cidade...
JN - Com essa perseguição que eles engendraram contra você, você diz que se considera "diplomado", como é isto?
João - Eu me considero. Porque as pessoas vivem insistindo muito para eu fazer esse reconhecimento das academias. Mas existem várias academias. A Academia da Perseguição, da Repressão me deu agora um diploma. E eu sou diplomado pela Justiça Federal, pelo Ministério Público Federal, como "inimigo da ordem", quer dizer, eu sou considerado um desordeiro público. Dentro da conjuntura. Porque eles alegam que eu sou reincidente. Eu não tenho direito a nada. Quer dizer, eu pago o salário do juiz, o salário do promotor, do procurador, mas, como cidadão, eu sou cidadão só no papel. Na vida real, eu sou um réu, sou um criminoso, inclusive, inimigo da ordem pública. Isso, ao invés de me denegrir, de me diminuir, de atingir minha auto-estima, me dá um atestado de que, realmente, nós ainda precisamos fazer o doutorado. Porque eu vou continuar, aonde eu estiver, mesmo sofrendo perseguição, nós vamos continuar lutando para democratizar a palavra. Esse é o nosso objetivo. Nós ainda vamos fundar muitas rádios comunitárias. Vai ter muitos processos ainda. Até que eu chegue a mestre, de acordo com a Academia da Faculdade da Miséria. Na Universidade da Miséria eu sou considerado até doutor. Haja vista que, desde 1982, a gente funda rádios no Rio Grande do Norte. Já fundamos mais de 50. De umas foram tomados os equipamentos, o pessoal foi preso. Outras estão ainda funcionando a duras penas. (Entrevista ao Jornalista Paulo Augusto, Reg. Prof. MTb n. 11.126 (DRT/SP), titular da Coluna Radar Potiguar, Caderno de Encartes, do Jornal de Natal, edição de 24.03.08.)

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