sábado, agosto 23, 2008

Nepotismo e vícios arraigados

Decisão moralizadora

mas contraditória do STF

Pedro do Couto

Tribuna da Imprensa
Rio de janeiro, sábado e domingo, 23 e 24 de agosto de 2008
"Numa decisão de sentido moralizador, mas contraditória em sua essência, quarta-feira passada o Supremo Tribunal Federal, com base no voto do relator da matéria, ministro Ricardo Lewandowski, decidiu proibir a contratação de parentes dos próprios magistrados, governadores, prefeitos, deputados, senadores, vereadores e dirigentes de empresas estatais, na administração pública em geral.
A decisão abrange os cargos comissionados e as funções de confiança. O STF expediu súmula vinculante a ser cumprida em todo o País. Só o presidente e os governadores ficam de fora da limitação, quando se tratar de nomeação de ministros e secretários de estado. Por quê?
O julgamento partiu de uma representação da Associação da Magistratura e, inclusive, manda demitir os parentes que hoje se encontram nesses cargos. Uma surpresa. Afinal, se não existe crime sem lei anterior que o defina, e se a lei não retroage para restringir, como voltar no tempo e estabelecer o afastamento daqueles que foram nomeados provisoriamente antes da jurisprudência da Corte Suprema?
Isso de um lado. Do outro, uma importante declaração do ministro Carlos Ayres Brito, reproduzida na "Folha de S. Paulo" de 21/08, matéria assinada por Felipe Seligman, defendendo a decisão com base no artigo 37 da Constituição Federal. O ministro transcreveu o texto deste artigo: "A administração pública obedecerá os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência".
Transparência também, acrescente-se. Com base no artigo 37, seria um rematado absurdo a nomeação de parentes nos órgãos para os quais foram contratados. Entretanto, o ministro Ayres Brito não se referiu a outro dispositivo constitucional, este contido no item 2 do mesmo artigo 31.
Eis o seu texto: "A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas, ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração". No julgamento de quarta-feira, que foi para a primeira página dos jornais, o Supremo não levou em conta a ressalva contida no item 2, tão constitucional quanto o conteúdo do próprio artigo 37.
Criou-se com isso uma situação discriminatória difícil de entender. Os cargos em comissão continuam - são 47 mil na administração federal-, seu preenchimento sem concurso público também, só que a eles os parentes não podem ter acesso. Tampouco permanecer os que nele hoje se encontram. Mas como? Se todos são iguais perante a lei, como restringir acesso a uns e não aos outros em igualdade de condições? Difícil traduzir a decisão do STF no campo da lógica. E também no plano da prática. Tanto assim que o Supremo prepara um novo edito para bloquear as nomeações cruzadas para cargos de livre nomeação.
Quer dizer, um deputado pode contratar como assessor, na Assembléia Legislativa ou na Câmara Federal, o irmão de um vereador. Mas, depois de uma investigação determinada pelo STF, embutida na futura súmula, caberá ao Ministério Público desvendar o mistério e agir para que o cruzamento seja desfeito na rede das sombras e os contratos dispensados de suas funções, e assim retirados da folha de pagamento. Uma tarefa sem dúvida das mais complicadas, dividida em vários estágios. Como identificar o parentesco e seus vários graus?
Cabe saber quem é filho, filha, neto, neta de quem? Como saber qual a especialização que levou o parente para o posto comissionado? Um verdadeiro cipoal. Mas o mais importante é que o princípio da livre nomeação para cargos em comissão permanece. Só os parentes estão excluídos. Tenho a impressão de que o STF agiu em função do que ocorre no universo da magistratura. Mas generalizou para não singularizar.
Um segundo assunto. Recebi e-mail de um leitor da coluna pedindo que esclareça as faixas de remuneração salarial divulgadas no Anuário Estatístico do IBGE relativo a 2007, por mim utilizadas no artigo do dia 19 para contestar a pesquisa da Fundação Getúlio Vargas que considerou de classe média os assalariados que ganham por mês de 1.064 reais a 4.591.
Devo fazer duas correções. A página do Anuário em que as tabelas se encontram é a de nº 48 e não 47, como escrevi. Agrupei duas escalas de salário em uma faixa, quando são duas. Vou transcrever agora os números exatos: 19,5 milhões de pessoas ou não têm rendimento, ou ganham por mês até meio salário mínimo.
Vivem de biscates esporádicos. Os que têm 1 salário mínimo - vejam só os leitores - são 18,8 milhões; de 1 a 2 são 26,4 milhões; de 2 a 3 estão 9,4 milhões de trabalhadores e servidores públicos; na faixa de 3 a 4 mínimos encontram-se 6,6 milhões de pessoas; entre 5 e 10 estão 5,6 milhões; de 10 a 20 situam-se apenas 1 milhão e 900 mil. Finalmente, mais de 20 salários mínimos só percebem mensalmente 0,7 por cento da mão-de-obra ativa.
A força de trabalho brasileira - acrescenta do IBGE - é formada por 89 milhões de pessoas, praticamente a metade da população total do País. Verifica-se assim que nada menos de 38,3 milhões de brasileiros ganham até um salário. Representam praticamente 40 por cento da mão-de-obra. Impressionante. Sobretudo porque, pela lei, ninguém pode receber menos do que o mínimo. Isso no papel. Na prática a coisa é outra.
Um terceiro tema. Em matéria não assinada, a "Folha de S. Paulo" publicou na edição de 21 que a dívida interna mobiliária do Brasil atingiu em julho a escala de 1 trilhão e 298 bilhões de reais. Em dezembro de 2007, era 1 trilhão e 150 bilhões, conforme o relatório do Tribunal de Contas. Cresceu, portanto, 12 por cento no semestre. Mais do que a inflação." (Tribuna da imprensa,
Rio de janeiro, sábado e domingo, 23 e 24 de agosto de 2008)

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