sábado, setembro 08, 2007

Sobre o Capítulo Stalin da nossa história

Duelo ao entardecer
Fernando Gabeira
Folha de S. Paulo, São Paulo, sábado, 08 de setembro de 2007
"DE UM PONTO de vista simbólico, quarta-feira alguém irá morrer: ou o Senado ou Renan Calheiros. O resultado ainda é imprevisível. Dizem que o governo salvará seu "enfant gaté". O ministro da Defesa, que é um elefante na cristaleira, mas celebrado pelos escribas deslumbrados, foi visitar Renan e levar-lhe solidariedade.
Trabalho com a hipótese de o governo salvar Renan. Não a prefiro, mas já me acostumei com a realidade que desafia o bom senso. Se isso acontecer, a batalha não estará perdida. Abre-se apenas uma nova fase, bem ao gosto dos opositores que desejam o pior. Uma fase do tipo os deuses enlouquecendo aqueles a quem desejam destruir.
Certas cabeças, se é que podemos chamá-las assim, do governo podem pensar: danem-se a classe média e todos os indivíduos instruídos do país, a elite. Acomodem-se os pobres, porque, afinal, estão recebendo seu quinhão de Bolsa Família e não têm nada que opinar sobre Renan. Faremos o que quisermos, não importam as conseqüências.
A hipótese de absolvição de Renan com a ajuda do governo trará sobressaltos, possibilidades imprevistas. Lula colocou o PT acima da ética. Ele pode afirmar também que ninguém é mais ético que Renan, pois o senador uniu-se umbelicalmente ao projeto do PT. Ou pode dizer também que ninguém sabe o que aconteceu quando os fatos se desenrolarem.
Todos nos acostumamos com o desenrolar pacífico da democracia brasileira. Mas o surgimento de uma aliança de quadrilhas, encarando o país com um cinismo revoltante, é um dado perigoso. Vamos rezar pelo bom senso. Vamos trabalhar por ele. Mas, caso a loucura onipotente predomine, os brasileiros terão de admitir que a história não é um piquenique. Ou serão devorados como um sanduíche e bebidos como uma tubaína de Alagoas.
Indivíduos fizeram sua escolha.
Lobão, por exemplo, foi ao Congresso com uma camiseta que explicava, com humor, o momento em que vivemos: peidei, mas não fui eu. Tico Santa Cruz acampou na frente do Senado e desenhou uma bandeira do Brasil com laranjas.
Artistas, diriam, têm suas prerrogativas. Nem todos são artistas, nem todos podem viajar a Brasília.
Apesar da patética fragilidade diante da história, só os indivíduos, no momento de torpor coletivo, podem encarnar a esperança.
Os que se calam hoje, com medo de fazer o jogo da direita, deveriam consultar a história, capítulo Stálin. Os momentos de cumplicidade com o crime são doces e suaves. A vergonha vem depois."
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assessoria@gabeira.com.br (Texto.)

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