domingo, maio 27, 2012

RN: Seca – mitos, mentiras e verdades






A seca não pode ser tratada como um fenômeno raro e surpreendente 
como querem alguns. Trata-se de um acontecimento natural cíclico (Foto)

Seca – mitos, mentiras e verdades
Ailton Salviano, geólogo/jornalista (ailton@digi.com.br)
Jornal de Hoje, 21 de maio de 2012

A TV em alta definição mostra a chocante paisagem da seca – carcaças de animais que morreram de sede, rios, açudes e lagoas com os últimos resquícios de água estagnada, o sertanejo queimando xique-xique para alimentar o que sobrou do gado. São cenários que podem até ser novidade para as novas gerações, mas trata-se de um quadro cíclico que infelizmente se repetiu durante todo o século 20 e entrou firme e forte no atual século 21.
Esta triste e infeliz situação já foi narrada em verso e prosa. Serviu para enriquecer alguns e para matar muitos. Foi justificativa para a criação de órgãos estatais que mais serviram de cabide de empregos e fonte de desvios de recursos que para amenizar este status quo. É comovente, mas é verdade, da miséria de tantos, alguns políticos inescrupulosos se locupletaram. Os incontáveis projetos fictícios financiados pelo erário e que jamais saíram do papel fazem parte dessa comédia tragifarsa.
As atitudes tomadas ao longo de todo esse tempo foram meros paliativos. Propositadamente, foram ações sem caráter permanente que podem ser retomadas sempre que aparecem estações prolongadas de estiagem. Um embuste que foi transformado numa espécie de indústria criminosa. As cenas mostradas pela TV foram e continuam sendo a proposição para reativar o pedido de esmolas. Uma enganação que se transformou ad eternum.
A seca não pode ser tratada como um fenômeno raro e surpreendente como querem alguns. Trata-se de um acontecimento natural cíclico. As precipitações pluviométricas no chamado polígono das secas não são as menores do mundo. A quantidade de chuva nos anos considerados normais pode perfeitamente ser aproveitada para cobrir o déficit de precipitações dos anos de seca. Para tanto, ações técnicas sérias e racionais devem ser implementadas.
Construir açudes e deixar 70% da água evaporar-se naturalmente, a rigor, não é solução. Incentivar a construção de esporádicas cisternas com áreas mínimas de captação é outra enganação. Poços tubulares em terrenos cristalinos sem um estudo prévio e sistemático de fraturas são um risco ou um tiro no escuro. Mesmo em pleno semiárido, as precipitações médias anuais em torno de 600mm são uma dádiva. O que não existe é a boa gestão desse recurso.
Associar as estiagens e as secas aos fenômenos climáticos “El Niño” e “La Niña” é interessante, mas não é novidade, tampouco solução. A inferência de chuvas com a temperatura dos oceanos é fato. O aquecimento dos mares por fontes extraterrestres, por exemplo a radiação solar com seus “sunspots” cíclicos, foi objeto de estudos incipientes do astrônomo Wilhelm Herschel no século 18, do naturalista Wilhelm Schüch, o Barão de Capanema, e do político e escritor cearense Tomás Pompeu, isto no século 19.
Com dados históricos dos séculos 18 e 19, e valores coligidos nas estações pluviométricas desde 1913, tentei por meio de uma vasta sequência de gráficos, estabelecer uma relação biunívoca entre os ciclos solares e os períodos de cheias e secas no nordeste. Encontrei muitas e interessantes coincidências, como o interregno de 9 a 12 anos, mas não pude fazer previsões com 100% de acerto. Afinal de contas, a natureza não é um modelo matemático rígido.
Baseado nos períodos cíclicos da seca dos séculos 18, 19 e 20, (9 a 12 anos) e desde que não haja outro “Minimum de Maunder”, período de 70 anos (1645-1715) em que cessou inexplicavelmente a atividade solar (sunspots), teremos infelizmente até o final do século 21, a previsão sombria de pelo menos, 8 (oito) períodos de estiagem. A probabilidade de acerto é bem razoável. Será que até lá continuaremos apenas com os paliativos políticos?


 Se não houver drásticas e profundas mudanças na qualidade e no caráter dos nossos políticos, é provável, que sim. Viveremos mais um século com o pires na mão. Como disseram Luiz Gonzaga e seu parceiro Zé Dantas na canção poema de 1953, “Vozes da Seca” – “A esmola dada a um homem são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.

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