domingo, maio 27, 2012

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Déficit de representatividade e a “mandatocracia”
Por Alexandre Gonçalves Frazão
Jornal de Hoje
Natal/RN, 24 de maio de 2012


'(Os políticos do RN) Contentam-se, publicamente, com o baixo jogo 
da política tribal, defendendo os “seus” e acusando e tentando defenestrar 
“os outros”, “eus” e “outros” logo depois misturados e redefinidos numa 
guerra suja, cujo único resultado é manter tudo como está' (Foto)

Em artigo anterior, intitulado “Quem desgoverna”, publicado neste espaço de escribas anônimos ou nem tanto, escrevi que “a democracia potiguar tem desfalecido no mesmo instante em que se realiza – a campanha eleitoral”.
Protestei, naquele outro artigo, da inexistência de preocupação com projeto ou plano sério, com diagnóstico preciso e instrumentos eficazes de resolução dos problemas locais, na escolha dos candidatos a receber o mandato popular nessas terras. A prática é clara: escolhe-se o nome entre o grupo a que pertence o ungido e, depois, pensa-se no projeto, que em regra é mera peça de retórica.
O resultado disso é o distanciamento entre a democracia e a representatividade, que não significa mais garantia de poder político exercido para e em benefício dos cidadãos.
Se a democracia liberal se consolidou, nos séculos XVIII e XIX, na Europa, através do instrumento do mandato e do sufrágio, assim se espalhando para outros países estranhos ao “velho continente”, nós, herdeiros ingratos dessa tradição, hoje menosprezamos o mecanismo representativo e o fazemos antítese do poder dos cidadãos.
Triste constatação? Sim. Indignante, até.
Mas como não dizê-la, sendo um entre tantos assombrados por dois governos com desaprovação popular tão expressiva, segundo pesquisas de opinião divulgadas? Como ocultá-la, observando as tratativas de escolhas de candidatos para a eleição que se avizinha, muitos deles apontados pelas mesmas figuras que anos antes comandaram a indicação à eleição justamente das reprovadas nas urnas da opinião pública? Como respeitar mandatários que gostam da “direita” e, uma vez enxotados, declaram amor pela “esquerda”? E que “esquerda” é essa que faz do verde camaleão, vermelho?
Difícil ou quase raro os mandatários do RN virem a público com propostas de soluções para os problemas que afetam o tripé essencial da cidadania substancial: saúde-educação-segurança. As maiorias governistas construídas nos parlamentos igualmente não usam do legislativo como o celeiro de ideias com que poderiam ajudar os combalidos executivos a saírem da crise de gestão em que se encontram.
Contentam-se, publicamente, com o baixo jogo da política tribal, defendendo os “seus” e acusando e tentando defenestrar “os outros”, “eus” e “outros” logo depois misturados e redefinidos numa guerra suja cujo único resultado é manter tudo como está.
Verdadeira e boa democracia, na compreensão contemporânea do poder dos cidadãos, é, no mínimo, para além do direito de votar e ser votado e das liberdades básicas, o acesso a escolas que ensinem o necessário para permitir um projeto de futuro digno através do trabalho, o acesso a um sistema de saúde, público, misto ou privado, que permita a prevenção de males e o tratamento eficaz das doenças e a segurança de viver num espaço em que a legalidade é a regra, o crime sendo investigado e reprimido seriamente por um sistema de Justiça pronto e firme.
Isso, como referi, é o mínimo que se pode exigir do Estado, enquanto organização política. Já a construção dos mecanismos pelos quais paulatinamente se chegar a esse eldorado da cidadania é o básico que os mandatários podem oferecer ou tentar entregar ao público, num caso de verdadeira democracia.
Se assim não é, pode até haver representatividade, mas não poder do povo.
É mais “mandatocracia” do que essencialmente democracia.
É mais Arena das Dunas do que UTI pediátrica.
Alexandre Gonçalves Frazão, Promotor de Justiça do MPRN

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