sábado, setembro 27, 2008

Brasil: Caldo de cultura

Vivemos num Estado
que incentiva, acoberta
e beneficia primeiro
quem se dedica ao crime
Marcos Aurélio de Sá
Jornal de Hoje, Segunda, 22/09/2008
* Já faz tempo que se estabeleceu no Brasil -- pela omissão, complacência ou cumplicidade das elites governantes -- um modelo social e político que sempre coloca em absoluto segundo plano a ética, o mérito, a honestidade, o trabalho e a submissão à lei como fatores determinantes do sucesso pessoal.
* Neste começo de milênio entretanto a situação só tem se agravado, a ponto de se observar quase como exceção a presença de pessoas decentes e confiáveis ocupando ou disputando cargos públicos eletivos, liderando partidos, comandando repartições governamentais nos mais diversos níveis.
* A letra da lei vale tão pouco que virou regra, para o cidadão comum conseguir usufruir de qualquer direito que dependa de prévia autorização do Estado (nos níveis municipal, estadual ou federal), ele ter que se submeter ao pagamento de propinas, caso não possua dentro da estrutura do poder um parente ou amigo influente que coloque em prática o tradicional "jeitinho".
* As licitações e concorrências públicas viraram sinônimo de maracutaias. As comissões de 10 por cento, que antigamente prevaleciam nos arranjos da maioria dos negócios escusos realizados dentro dos órgãos públicos, agora são ridicularizadas como "gorjeta de garçon". Hoje, a taxa da corrupção alcança as alturas de 20, 30 e até 50 por cento, sem ninguém nem mais considerar isso um escândalo.
* Política virou profissão das mais rentáveis do país, uma fábrica de milionários. Pessoas que ao longo da vida nunca dedicaram um dia sequer ao trabalho produtivo, que jamais receberam herança nem tiraram a sorte grande na loteria, hoje aparecem como detentoras de patrimônios gigantescos, aqui e ali distribuídos em nome de familiares e "laranjas".
* Não é à toa que proliferam dezenas e dezenas de partidos políticos funcionando como verdadeiras "franquias", cada um apresentando uma multidão de candidatos dispostos ao "sacrifício" de "trabalhar pelo povo". Buscam todos, na verdade, o acesso fácil aos cofres públicos, de onde as verbas podem ser desviadas impunemente, conforme demonstra o vasto histórico de denúncias que resultam em inquéritos engavetados ou, no máximo, em condenações de mentirinha, que nunca implicam em prisão prolongada e, menos ainda, na recuperação do dinheiro desviado.
* Parcela expressiva do povo, espelhando-se no mau exemplo que vem do alto, acabou se auto-convencendo de que a trilha do oportunismo, da malandragem e do crime é a que proporciona maiores recompensas materiais. Prova disso é que milhões de brasileiros nem mais se preocupam em sair da marginalidade social e econômica, condição em que desfrutam de mais vantagens e benefícios públicos do que os "otários" que cumprem os deveres da cidadania, pagam impostos e se submetem aos ditames da burocracia do Estado corrompido e corruptor.
* Com apenas 3 por cento da população mundial, o Brasil registra em seu território 10 por cento de todos os assassinatos do planeta, boa parte deles praticados pelo próprio poder público através da polícia. O tráfico de drogas funciona como uma das atividades econômicas mais abrangentes do país, garantindo ocupação e renda para milhões de jovens que não encontram nenhuma vantagem na dedicação aos estudos e no exercício de profissões legalizadas. Enquanto um operário com carteira assinada ganha o salário mínimo ou pouco mais por mês, o pessoal da base da pirâmide do tráfico ganha mais do que isso por semana.
* A onda irrefreável de furtos, roubos, contrabando, invasões de terras, desvio de cargas, sequestros, crimes de estelionato, exploração da jogatina e da prostituição, tudo feito quase às claras, movimenta mais dinheiro do que pode imaginar os melhores economistas. O número de carros roubados a cada ano é tão espantoso que supera a capacidade de produção de uma montadora como a Volkswagen, a segunda maior indústria automobilística do país, fato que torna o valor do nosso seguro veicular um dos mais caros do mundo.
* Diariamente, pelas cidades do país a fora, contam-se aos milhares as "saidinhas de banco", esquema de assalto que vitimiza os cidadãos que necessitam realizar retiradas mais expressivas de dinheiro de suas contas. Pelas ruas, a pé ou utilizando o transporte público, as pessoas comuns são agredidas por bandidos que lhes arrancam os pertences, por mais modestos que sejam. As residências, as lojas, as fábricas, as escolas e até os templos religiosos para terem o mínimo de proteção se obrigam a contratar vigias, instalar mecanismos como alarmes ou cercas energizadas e, ainda assim, não se livram do risco de serem saqueados a qualquer hora do dia.
* Prestar queixas à polícia é um exercício inútil e vexatório. A vítima do crime chega a ser vilipendiada e levada no deboche por delegados e agentes desatenciosos, atrabiliários e descomprometidos com seu trabalho, que geralmente empurram o queixoso de uma delegacia para outra até que ele desista até de registrar um simples boletim de ocorrência.
* Infelizmente, à parcela da sociedade resignada ao cumprimento dos deveres unilaterais da cidadania, parece só restar a decepcionante constatação de que o que lhe sobra, dentro deste ambiente nacional degradado, é a obrigação de pagar os impostos escorchantes que custeiam um Estado dominado pelo crime. Ou, então, correr atrás da morosa justiça em busca dos seus mínimo direitos permanentemente desrespeitados.
* Talvez esta última opção seja uma das explicações para o fato de, somente aqui no Rio Grande do Norte, existirem hoje mais de 10 mil jovens matriculados em cursos de Direito...

Jornal de Hoje, Coluna Hoje na Economia, Marcos Aurélio de Sá, Segunda, 22/09/2008

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