segunda-feira, junho 04, 2012

Saúde: gestão amadora permeada de tráfico de influência

Sesap tem gestão amadora permeada de tráfico de influência, diz promotora 
Diário de Natal/ O Poti, Cidades
Edição de domingo, 3 de junho de 2012

Há oito anos à frente da promotoria da Saúde, Iara Pinheiro enfrenta a pior crise já vista, e desnuda os motivos que levaram ao caos
Jéssica Barros
Desabastecimento em hospitais de referência, pacientes morrendo em escala crescente por falta de leitos de UTI, déficit nos repasses orçamentários, gestão da saúde pública permeada por tráfico de influência, profissionais em greve e decisões judiciais descumpridas. Esse é o quadro com que lida, diariamente, a 47ª Promotora da Saúde, Iara Pinheiro.

Iara Pinheiro já ajuizou 80 ações na justiça contra o Executivo. 
                                                       Foto: Carlos Santos/DN/D.A Press


Coordenadora do Fórum da Saúde Pública, criado para enfrentar a situação de "guerra" em que se encontra o setor, a promotora tem enfrentado um dos momentos mais delicados de sua carreira. Não por falta de competência para gerir a crise - muito pelo contrário. Mas pelo excesso de problemas que a fizeram chamar a atenção por emocionar-se em público na semana que passou, por algumas vezes, ao deixar aflorar "o misto de frustração e falta de tutela do Ministério Público para lidar com tamanho desgoverno".

"Se a saúde está no fundo do poço, precisamos de um recomeço", completa. Há oito anos à frente dessa promotoria no Ministério Público Estadual (MPE), Iara Pinheiro já contabiliza cerca de 80 ações ajuizadas no judiciário contra a Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sesap) e Secretaria Municipal de Saúde de Natal (SMS), na maioria dos casos para garantir direitos da população e deveres básicos dos gestores públicos. A promotora prefere não tratar a situação atual da saúde como uma crise, para não dar a impressão de que já houve uma situação de normalidade. "O desgoverno e a falta de ações concretas sempre ocorreram", diz, lembrando que a atual administração foi eleita com a promessa de revitalização da saúde, inclusive no interior, mas até agora, nada foi feito.

Iara Pinheiro analisa a realidade atual como um somatório de anos de omissão dos gestores com a saúde pública. "É a mesma política deste governo em relação a outros tantos que já vi passar, como o de Garibaldi e de Wilma, mas isso não é desculpa. Não aceito um governo que venha justificar uma realidade negativa de gestão sanitária olhando pelo retrovisor". Não há soluções a curto prazo. Mas há, na opinião de Iara, como sair da "escuridão" em que se encontra o setor. "Prover saúde é um processo que tem que seguir adiante. Exige um fluxo contínuo de recursos e uma equipe profissional treinada. É tudo o que não temos", diz a promotora. "A população não tem noção real do risco que ela corre. Os hospitais estão ilhados, não há uma autoridade sanitária no estado", alerta.

Sem resposta

Se por um lado é difícil para a representante do Ministério Público encarar a realidade que não melhora, por outro, é pior constatar que boa parte das 80 representações encaminhadas ao Judiciário resultaram em decisões não cumpridas. Ela atribui ainda parcela da culpa à omissão dos municípios, também responsáveis por essa realidade de invasão de atendimentos na rede Sesap. "Os natalenses, por exemplo, estão morrendo dentro dos hospitais estaduais e essa é uma responsabilidade do município", afirma.

Entre as situações que exigem medidas enérgicas, está a ausência de repasses financeiros do orçamento do estado para o Fundo Estadual de Saúde, como denunciado em matéria do último dia 31 de maio no Diário de Natal, que constatou uma dívida de R$ 70 milhões do governo com a pasta da saúde. A promotora da saúde entende que "saúde não deve ser medida no gasto, porque saúde é investimento, mas hospitais regionais têm dinheiro investido e não dão o devido retorno à população", diz ela.

A promotora afirma ver com preocupação a omissão com que o poder público trata um setor tão crucial como a saúde pública, já que os resultados dessa conduta são danos irreparáveis. "Você não repara a morte de uma criança, a família nunca vai se recuperar desse choque. Uma mãe que tem um filho e não volta pra casa, impacta toda uma família", diz a promotora. Num levantamento feito pelo MP, foi constatado que 201 pessoas morreram no Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel em 40 dias, 40 delas por ausência de leitos de UTI, inclusive uma criança de 7 anos. "As famílias são danificadas para sempre. Clamamos à sociedade que se organize e que os sindicatos se mantenham firmes na busca por melhorias nas condições de trabalho", pede a representante do MPE.

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E mais:

Do teto que cai ao remédio que falta

Para a promotora, o ideal seria que o MP atuasse no excepcional, no que pontualmente não estivesse funcionando, mas a realidade é que a promotoria da saúde tem uma atuação fragmentada. Vai de socorrer pessoas que estão morrendo, tetos que estão caindo em unidades básicas de atendimento a até mesmo exigir um controle de compra e distribuição de medicamentos dos municípios. Ela acredita que a proporção tomada pela promotoria da saúde é uma conseqüência da omissão governamental.

"Não existe tutela no MP para lidar com tamanho desgoverno. Ainda assim me orgulho das ações da promotoria que reduzem danos", comenta. "Quantos não tiveram acesso a medicamentos graças à ações do MP? Quantas crianças não são atendidas, bem ou mal, na UTI pediátrica do Giselda, que foi reativada por uma ação do MP? O quanto não lutamos por uma melhor alimentação para paciente e acompanhante no Walfredo, um inquérito que durou dois anos para ser posto em prática?", diz Iara Pinheiro, citando ações "no varejo" que a promotoria realiza.

Para quem lida, diariamente, com a falta de gestão e o sofrimento humano, o que mais choca é a omissão. Iara Pinheiro é taxativa em dizer que a omissão ocorre em larga escala. Questionada sobre o que a mantém motivada, a promotora silencia. Claramente emocionada, diz apenas que é muito difícil. "É muito difícil explicar de onde tiramos a motivação, mas graças a Deus ela sempre existiu para mim. Queremos nos apegar ao fato de que reduzimos danos, mas ainda é muito pouco frente ao desgoverno vivenciado", conclui.

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E mais:

Promotora denuncia tráfico de influência e incompetência



 'Saúde: gestão amadora, permeada de tráfico de influência, 
com pessoas colocadas nos cargos através dos políticos' (Foto)

Um outro problema denunciado pela 47ª promotora da saúde, Iara Pinheiro, é uma prática recorrente nas pastas da saúde, tanto estadual, quanto municipal: o tráfico de influência. "Percebemos, no nível central da Sesap, uma gestão amadora, permeada de tráfico de influência, com pessoas colocadas nos cargos através dos políticos", diz Iara, que considera a prática um absurdo. Segundo a promotora, essa falta de profissionalismo reflete em como o dinheiro é investido. Resulta, por exemplo, em uma coordenadoria administrativa que compra mal, é amadora e cujo trabalho é feito de maneira improvisada, sem qualquer avaliação se os nomeados realizam de fato um trabalho satisfatório.

Sobre a dificuldade de nomeação de um novo titular para a Sesap, a promotora defende que a secretaria precisa de um bom gestor que tenha conhecimento sobre a realidade do Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo ela, a Sesap deixa de captar investimentos federais muitas vezes pelo descumprimento de prazos, o que acredita ser inaceitável. "Cargos de coordenação são ocupados por indicações políticas e ninguém avalia se eles estão fazendo um bom trabalho", frisa ela.

Iara Pinheiro diz ainda que existem duas vertentes graves do problema. "Existe o problema do planejamento não repassar o dinheiro e o problema de uma gestão amadora, descompromissada e pouco profissional na rede estadual de saúde com pouquíssimas e raríssimas exceções", diz ela.

Iara cita casos de bons profissionais existentes na secretaria que são exonerados de seus cargos para dar espaço a nomeações de aliados políticos. Ela lamenta que não exista amparo judicial contra manobras de nomeação de aliados, ficando o MP de mãos atadas. "É um atraso que impacta negativamente nos serviços e faz com que, em larga escala, nós observemos a realidade, por exemplo, de hospitais como o Giselda Trigueiro. Muitos dos profissionais ouvidos durante a visita pediram uma nomeação técnica para os gestores da Sesap", relata Iara Pinheiro.

Segundo ela, é inadmissível que se esteja erguendo um estádio de futebol para a Copa do Mundo de 2014, com previsão de grandes investimentos em áreas como mobilidade, em um estado que sequer finaliza a reforma em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), como a de Cidade da Esperança, que se encontra fechada para conclusão das obras que se arrastam.

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