segunda-feira, janeiro 25, 2010

A capital tornou-se a vanguarda do atraso


No plano original de Lucio Costa, Brasília teria 600 mil habitantes no ano 2000, quando então começariam a surgir as cidades-satélites. Fora do papel, a primeira delas, Taguatinga, teve de ser criada para abrigar operários em 1958, antes mesmo de a capital ser inaugurada. Hoje, são 16 cidades ao redor do plano piloto, a maioria não planejada e por isso mesmo cheia de problemas. A ponto de Oscar Niemeyer dizer em entrevista recente que, ao se chegar às satélites saindo da cidade cheia de jardins que criou, “é uma merda”.
A estratégia de dominação de Roriz deu resultados. O número de eleitores na capital simplesmente dobrou nos últimos 20 anos. Eram cerca de 900 mil em 1990, quando ele se elegeu governador pela primeira vez. Em 2009, havia 1,7 milhão de eleitores. Índice bem superior à média nacional, em que o eleitorado aumentou 55,6% em idêntico período. Um exemplo do inchaço é a cidade-satélite de Samambaia, criada em 1989 e que possui agora mais de 200 mil habitantes e índices de violência igualmente crescentes.
“Brasília foi construída literalmente sobre o nada, sobre o vazio demográfico e social”, analisa o historiador José Murilo de Carvalho, da UFRJ. “É uma cidade ainda sem povo político ou com povo político reduzido. É formada, no andar de cima, por funcionários públicos, dependentes dos governos federal e distrital, e, no andar de baixo, pelos herdeiros dos candangos que a construíram. Residentes em cidades-satélites, em precárias condições de emprego, são alvo fácil de políticas populistas.”
Roriz que o diga. Envolvido em denúncias de corrupção em 2007, renunciou ao mandato de senador para evitar o processo de cassação, mas, ante as acusações contra Arruda, já aparece como franco favorito à sucessão. Na última pesquisa do Datafolha, divulgada em dezembro, tinha entre 44% e 48% dos votos, com possibilidade de eleição no primeiro turno. Único governador a não ter sido envolvido na bandalheira reinante, o atual senador Cristovam Buarque, não acredita, porém, que o baixo nível dos políticos na capital se deva apenas aos beneficiados por lotes.
“Não são só pobres querendo lotes que elegem essa gente. São ricos querendo viadutos, também”, diz Buarque. Derrotado por Roriz em sua campanha à reeleição, em 1998, Cristovam chegou à conclusão de que água e esgoto não dão votos. Ele lembra que, com sua gestão voltada ao saneamento, à educação e à saúde, foi muitas vezes cobrado: “Cadê suas obras?”
O senador, que diz não pretender se candidatar a governador novamente, conta a história ouvida de uma amiga ao perguntar a um rapaz que fazia campanha a favor de Roriz por que iria votar nele. “Porque Cristovam fez muito por onde moro, mas a mim mesmo não deu nada.” No DF, afirma o ex-governador, “infelizmente não há cidadania coletiva, é cada um querendo o benefício próprio. A população do plano piloto quer obras, as empresas de construção querem obras. E, como se vê, estão dispostas a pagar por fora se for preciso”.
“Em Brasília existe uma relação muito íntima, viciada, entre o poder público e a iniciativa privada”, confirma o cientista político David Fleischer. Para ter um exemplo, foi divulgado agora que a mesma Via Engenharia responsável pela obra – superfaturada, diga-se – da nova sede da Câmara Legislativa do DF, teria doado 300 mil para a campanha de Arruda a governador. A sede, orçada em 23,6 milhões de reais, será inaugurada em fevereiro a um custo final de 100 milhões.
A Câmara Distrital é um caso à parte na Sucupira que se tornou a Brasília de Juscelino. Trata-se do Legislativo mais caro do País. Os deputados distritais recebem uma verba de gabinete maior do que a dos deputados federais, para fazer não se sabe bem o quê. “Não há político de Brasília que tenha contribuído com uma ideia, nada. É a política mais chã, mais primária, a que se pratica aqui”, opina o professor aposentado de Ciência Política da UnB Octaciano Nogueira.
Alguém pode argumentar que tampouco as demais câmaras e assembleias legislativas País afora funcionam a contento, e que são todas dominadas pelo Executivo, mas a de Brasília consegue se superar. Pelo menos nove dos 24 distritais tiveram os nomes e imagens envolvidos nas denúncias do mensalão do DEM. Dois deles, Benício Tavares e Júnior Brunelli, por incrível que pareça, já carregavam nas costas acusações de pedofilia e de ter ameaçado um colega de morte, respectivamente. (Foto: Crédito)

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