domingo, julho 09, 2006

Parte 04

RADAR POTIGUAR - Você acha que o que se vê vai além de uma delicada crítica ao PT?
LRF - O PT é o pano de fundo de um despedaçamento sem singularidades ou poesia. A máscara vendida da felicidade era mais uma das muitas "bravatas" do nosso universo político. Falo como velho eleitor do PT. Mas não estamos aí contentes e, sim, profundamente tristes, pois uma vez mais se repete o triste espetáculo do nada. Acho que "Dois Atos", por não ser um culto ou uma postura raivosa, vai bem além do PT. De modo algum somos cultuadores do insucesso desta nação. É importante termos um país profundo para todos.
RP - Mas você não acha que a poesia lida pelo próprio autor não acaba com um certo encantamento quando é representada por um ator?
LRF - "Dois Atos" é antes de tudo uma homenagem a um velho companheiro, um sólido militante. De todos nós, sempre foi o mais político, radical e ousado com a sua própria vida. "Dois Atos" parte desse ser ímpar, para um olhar triste sobre esse nosso tempo de PSDB, Rosinha, PFL, ACM, Sarney, Garotinho... Um tempo sem profundidade histórica ou política. O poeta tenta ir além do culto da ignorância e do bode. Acho-o ótimo como personagem da sua poesia.
RP - Mas as imagens que se seguem à poesia não negam toda e qualquer sensação de afundamento da política como possibilidade?
LRF - Ao contrário, a presença da música como um lamento afunda com qualquer tipo de uso-espetáculo da política. Não é um trabalho que ajudará o PSDB, o PFL ou qualquer outro partido, pois vai muito além do uso deliberado do idiotismo dos meios de comunicação. Ainda é possível se acreditar na criação como um bom exemplo de singularidades complexas. Diferentemente da política, onde todos são iguais e sem brilho algum. Pena.
RP - E como foi essa passagem para o curta-discursivo "Cinema"?
LRF - Antes de tudo, foi uma passagem amorosa, pois o trabalho abre e fecha numa espécie simbólica de homenagem ao Teatro Oficina, que me serviu de universidade. E como nunca gostei da arte domesticada, sempre investi na contramão de tudo e todos. Não consigo suportar a pobreza da sonolência televisiva, que já agora ataca no cinema com seus novelões em forma de pagodão do lixo eletrônico. No nosso "Cinema" só fizemos experimentar linguagens. Daí o filme acabar numa guerra, pois é tudo que o poder mais o-d-e-i-a: experimentações - pois não sabem o que é isso. Ainda estão no tempo de "Os 2 Filhos de Francisco". Pode?
RP - Mas não fica um pouco agressiva a defesa do cinema-experimental?
LRF - Mais agressivos que as companhias estrangeiras, redes de televisão, Ministério da Cultura, Ancine, BR, BNDES? Perto dessa gente, o nosso trabalho é uma lufada de criatividade, de sonho, de poesia, de vida... Não fizemos só a defesa do cinema experimental, mas do nosso cinema de um modo geral, de Humberto Mauro a Andrea Tonacci, passando por Edgard Navarro, Caselli, Ikeda, Joaquim Pedro, Artur Omar, Célia Castro... Digamos, um cinema que, se não fosse asfixiante desesperança de uma não-política cultural para o país, seria não o esgoto da política oficial, mas a poetização de um Brasil ainda desconhecido.

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