domingo, julho 09, 2006

Parte 03

RADAR POTIGUAR - "Dois Atos" e "Cinema" não trabalhos por demais pessimistas?
Luiz Rosemberg Filho - Gostaria que não fossem, mas são. No primeiro, trabalha-se a crueza real da militância dividida entre o sonho de um país melhor, e a pequenez dos partidos e políticos. No caso, o despedaçamento dos sonhos vendidos pelo PT. Hoje, vemos que em nada foram ousados ou diferentes do PSDB, PFL, PMDB. Ou seja, são todos farinha do mesmo saco, e que para serem eleitos se vendem até como dotados de sensibilidade e inteligência. E que chegando ao poder, tornam-se máquinas truculentas de longa duração, pois todos querem se perpetuar no poder.
RP - E por que esse redemoinho teórico entre o uso do teatro e do cinema?
LRF - O que existe é uma sólida ponte através da qual o teatro e o cinema podem fazer criativamente um uso da poesia. Tanto um filme como o outro tentam conduzir o pensamento do espectador para um excesso de informações, que se tornam suportáveis pelo uso da imagem, da música e da montagem. Sidney Olivetti não estava lidando com um novelão barato, mas com uma multiplicidade de caminhos e idéias. O "redemoinho" é, na verdade, uma ponte chamada poesia.
RP - Mas ambos passam a impressão de não serem tradicionalmente documentários, nem ficção. E o que seriam então?
LRF - Eu não me preocupo muito em definir nada. Cada um que veja o filme que conseguir ver. E se não vir nada, não será chamado de burro ou preguiçoso. Num país t-o-d-o ocupado pelo cinemão de Hollywood, só o que se consegue entender é o espaço-tempo da TV, que pouco ou nada diz. Tanto "Dois Atos" como "Cinema" não são repetições domésticas do nada. Na verdade, repetições ideológicas para a sessão da tarde. E tome de imbecilizações!
RP - Mas, em "Dois Atos" não existe um processo velado de desencaixe ideológico em relação à política?
LRF - Sempre achei que o cinema deveria ser uma permanente destruição do conceito de normalidade. A quem serve a normalidade? Claro, mais ao poder que ao processo de criação. A força da poesia de Sindoval Aguiar, da fotografia de Luciana Castro, da montagem de Sidney Olivetti e do trabalho como um todo, não está em certeza alguma, e sim nas grandes dúvidas. A pequenez política nós a deixamos aos partidos e políticos. "Dois Atos" é, antes de tudo, uma delicada homenagem à poesia, ao teatro e ao cinema. A política anda muito suja para ser cortejada.

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