domingo, novembro 19, 2006

A debutante que dançou a valsa no céu

Se no extremo norte ela se agrega à dispendiosa e eleitoreira construção da ponte Forte-Redinha, obra de corte finório que tem se revelado lucrativa como golpe branco, cuja esperta construção já se estende há dez anos, dormitando suas denúncias nas gavetas da justiça e do Ministério Público, a deixa do Judiciário; no seu trecho da zona sul ela oferece acesso à elegante via Costeira, rota de comunicação com Ponta Negra, coração do sexo-turismo da capital, e onde se encontra instalado o maior e mais suntuoso conjunto de unidades do parque hoteleiro local, repassado em sua totalidade, em solertes operações, para investidores estrangeiros, e que dá guarida à postiça indústria do turismo, menina dos olhos da sinuosa economia estadual.
Essa avenida, contudo, deserdada pelo poder público, afugenta as levas de turistas e amedronta os nativos, apesar de seu nome evocar um ancestral desses meninos desocupados que guerreiam no tráfico, um sindicalista nascido nas ribanceiras das Rocas, bairro fundador da cidade, sendo o único potiguar a assumir a presidência da República, em fugaz período, em 54, no bojo da crise motivada pelo suicídio de Getúlio Vargas. Toda essa área urbana, portanto, graças às condições infames impostas à vida das comunidades, acumula má fama, sendo malvista e evitada.
Mas a crise agora era nossa e tínhamos que dar tratos à bola. E foi exatamente com um quadro embaraçoso que nos deparamos. Um grupo de adolescentes chutava o corpo de uma pessoa que, à medida que nos aproximamos, revelou ser o de uma menina. Eram quatro ou cinco guris, que haviam baleado a garota e, agora, chutavam seu tronco, o rosto, as pernas, onde pegasse cada uma das longas pernadas, aplicadas de forma canhestra, num misto displicente de prazer e ódio.
O cinegrafista pulou fora do nosso carro, ainda em movimento, mas já estacionando, logo atrás de um veículo que, com a nossa chegada, deu um arranco e desapareceu na viela em louca disparada. Ao perceber nossa chegada, incontinente os garotos agressores se safaram, cada um por uma trilha, sumindo como que por encanto. E ali conosco ficou somente a menina, crivada de balas, estirada, sem vida, no chão quente do beco.

Nenhum comentário: