domingo, julho 27, 2008

Arquitetura e mentalidades

O arquiteto-ativista
Revista CartaCapital
Edição nº 506, 30 de julho de 2008
Ana Paula Sousa
Entre modernices e riquezas, as favelas foram vedetes no Congresso Mundial de Arquitetura, realizado este mês em Turim, na Itália. O protagonismo do tema deve-se ao trabalho do indiano P.K. Das, que há 36 anos se dedica às moradias populares. Os projetos de revitalização das zonas pobres de Mumbai, na Índia, parecem ter deixado para trás os exemplos glamourosos da arquitetura. É que, para P.K. Das, seu ofício deve ser visto, sobretudo, como um instrumento de mudança social.
Nascido em Mumbai, o arquiteto percebeu, desde os tempos de faculdade, que seu escritório não teria propósito se fechasse as janelas para o entorno. Hoje, envolvido nos maiores projetos de reurbanização de favelas do mundo, viu a vocação com um quê de missionária virar sucesso.
Se os projetos que idealizou para Mumbai interessam ao mundo, deveriam interessar ainda mais ao Brasil. Lá, cerca de 60% da população, de 11 milhões no total, vive em favelas espremidas em 8% da área da cidade. P.K. Das, em parceria com ONGs e o governo, começou a mudar a vida dessa gente.
Em maio de 2007, 4 mil famílias residentes na favela Sanjay Gandhi, na região do Parque Nacional, pegaram as chaves das novas casas. Em 30 de junho deste ano, foram outras 8 mil. Na entrevista a seguir, P.K. Das explica esse e outros projetos nascidos da certeza de que o planejamento urbano é, sim, uma luta social.
CartaCapital: Quais são as bases do projeto Chandivilli (no Parque Nacional)?
P.K. Das: Na fase 1, são 12 mil casas espalhadas por 15 núcleos, com 16 prédios cada. Os apartamentos têm ventilação cruzada, algo que não é comum na Índia, onde as casas parecem cabines de trem. Ele simboliza também uma vitória da luta pelo direito à moradia. Trata-se do maior projeto de reabilitação urbana em uma só localidade na Ásia, viabilizado com uma joint venture entre governo, ONGs e a comunidade local.
CC: O que marca essa localidade?
Das:
As favelas à beira do Parque Nacional são habitadas por alguns dos mais pobres moradores da cidade. A briga para a retirada dessas famílias começou em 1992 e teve as mais variadas decisões judiciais. Virou uma comoção nacional. Em 2000, o governo aceitou o projeto de reabilitação proposto pela Nivara Hakk (ONG dedicada às questões habitacionais), que previa o atendimento de 20 mil famílias. Os moradores melhoraram de vida, sem ter de sair de onde estavam, e a população de Mumbai retomou uma grande área verde.
CC: Seus projetos têm sempre um foco ambiental?
Das:
Tento mostrar que Mumbai não precisa ser identificada apenas com barulho, poluição e congestionamento. Por isso, fiz também o projeto de desenvolvimento de nossa costa, sinônimo de lixo. Os 44 quilômetros de costa nunca foram levados em conta no planejamento urbano e se degradaram. Criamos passeios públicos, um anfiteatro, aberto em 2001, e, desde então, a comunidade se empenha em mantê-los limpos e organizados. Numa cidade fragmentada, com as pessoas isoladas umas das outras, os espaços públicos propiciam a congregação.
CC: Como se mora em Mumbai?
Das:
A situação é trágica. Aproximadamente 6 milhões vivem em favelas, em condições repugnantes, meio milhão nas ruas e perto de 2 milhões são inquilinos em construções dilapidadas. Ou seja, 8,5 milhões de pessoas vivem de maneira inadequada. Aproximadamente 82% da população vive em um só quarto. Isso é reflexo da contínua indiferença dos governos para a questão da moradia. No planejamento da cidade, não há terrenos destinados aos pobres. (Foto)

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