sábado, março 03, 2007

Mulheres precárias

Cenas de acontecimentos que marcaram a Cidade do Natal, todas bizarras, chocantes, surpreendentes, envolvendo mulheres, tanto balzaquianas como jovens e adolescentes, oferecem, pelo teor explosivo de suas conformações, oportunidade para uma reflexão no transcurso do Dia Internacional da Mulher, a ser comemorado, neste dia 8, a próxima quinta-feira. (Foto)

Mulheres precárias

Na primeira cena, pinçada de um crime que abalou Natal, a corretora de imóveis Célia Maria Carvalho Silva, 43 anos, é assassinada na madrugada do domingo dia 25 de fevereiro, em uma casa na estrada de Jenipabu. O detalhe extravagante: a corretora, divorciada, mãe de um rapaz de 17 anos e de uma moça de 20, conhecera - e se enamorara por - seu assassino, de 17 anos, através de um programa de bate-papo na internet (Messenger), sendo atraída para um latrocínio (roubo seguido de morte), do qual participam mais dois jovens: uma menina de 16 anos, namorada de Carlos Eduardo Cabral, o único dos assassinos que pôde ter o nome e a foto divulgados pela mídia, por ter 19 anos. A sessão de tortura, seguida de morte, contou com a participação destacada da garota, sendo revelado na investigação que, antes do crime, havia rolado uma sessão de uso de crack.
A cena dois: Em novembro do ano passado, Ana Rosa (nome fictício), de 15 anos, que morava em Brasília Teimosa com a mãe e cinco irmãos, ia visitar um deles, que se encontrava preso na delegacia de Mãe Luíza. Ela e sua mãe haviam conseguido uma carona na carroceria de uma pick-up Pampa, acompanhando uma vizinha, mulher de outro jovem detento. Para alcançar Mãe Luíza, o motorista dispunha de duas opções: seguir pela avenida Café Filho, à beira-mar, pela praia dos Artistas, ou cruzar a extensão da rua do Motor. Foi para essa rua, estreita, de mão única, e onde viviam os inimigos de Ana Rosa, que a tinham marcada para morrer, que o motorista guiou o carro, tendo o veículo "quebrado" na frente da casa de um dos rapazes autor das ameaças de morte. A seguir, a mãe de Ana Rosa viu a filha ser assassinada a sangue-frio por um grupo de adolescentes. Os matadores cercaram a garota no meio da rua, dispararam várias vezes quando a menina já estava no chão e, na seqüência, chutaram várias vezes seu corpo. A mãe já sabia que Ana Rosa iria morrer. Dias antes ela dissera que sua cabeça estava a prêmio e seus matadores seriam de uma gangue da rua do Motor. Antes de Ana Rosa, a vítima fora seu ex-namorado, de 16 anos, assassinado na porta de casa. Ambos moravam em Brasília Teimosa.

Mulheres precárias

A terceira cena se passa em abril de 2006, relatada em matéria do Diário de Natal. Ela mostra dezenas de prostitutas que atuam em Ponta Negra, jovens na sua grande maioria, a bordo de um mar de táxis, por elas alugados, diante da Polícia Federal.
Estavam no aguardo de cento e dez turistas da França, Espanha, Suécia, Noruega, Itália, Portugal, Dinamarca, Holanda, Alemanha e Estados Unidos, que haviam sido detidos na madrugada, no âmbito de uma ação da Polícia Federal contra o turismo sexual na boate Hollywood, na Avenida Erivan França, beira-mar de Ponta Negra. Durante a operação, os federais chegaram à boate pouco depois da meia noite, quando a casa estava cheia, e utilizaram 70 policiais, dois ônibus e 10 viaturas para fazer o transporte dos prisioneiros.
Havia três mulheres para cada um dos homens dentro da boate, segundo avaliou um policial federal, mas como estavam com documentos e eram todas maiores de idade, nenhuma delas sequer foi detida ou levada para a PF, sendo liberadas ainda na boate. Uma chegou a se identificar para os policiais federais como mulher de um policial civil. Elas entraram em ação tão logo os ônibus com os estrangeiros saíram de Ponta Negra. As garotas que estavam na boate fretaram táxis para acompanhar a caravana policial até a sede da Polícia Federal. Pela manhã, a frente do prédio da PF estava repleta de táxis parados, no aguardo da saída dos turistas, para levá-los de volta às suas pousadas e hotéis em Ponta Negra. (Foto)

Mulheres precárias

A quarta cena envolve uma funcionária do Tribunal de Justiça, balzaquiana, solteira, ainda bem enxuta, que se mantém encarcerada no seu próprio apartamento, por vontade própria. Já chegou a causar preocupação no prédio onde reside, embora hoje seja encarada como "excêntrica", por manter-se encerrada, em auto-exílio, apartada, sem companheiro ou companhia, vivendo de si para si, fechando-se em copas tão logo chega de sua jornada na repartição do TJ. Modo de vida que elegeu para si. Segue passiva, imperturbável, sem convidar, mas também sem receber qualquer intromissão, seja de parentes ou vizinhos, em sua vida de moderna eremita. (Foto)

Sentimentos em derrapagem

O que fazer?
Independente da explicação dada pela psicanálise, que aponta, em grande parte, para a construção do mito do amor romântico, perpetuado ao correr dos séculos, alimentando uma cultura que mantém a fêmea como propriedade do macho, queremos lançar para exame, aspectos diversos da situação da mulher e o seu palco de atuação, num mundo cujas mudanças são vertiginosas, ao sabor da globalização e dos novos padrões de comportamento.
Em primeiro lugar, vê-se hoje, no Brasil, a par das conquistas, avanços e o estabelecimento de novas perspectivas, a própria superioridade numérica da população feminina, o que poderia colaborar para a ampliação do seu campo de atuação, ou lhe dar um maior domínio nas relações sociais. De acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios - 2005), divulgada pelo IBGE, as mulheres representam 51,3% da população do país. Entre as pessoas com 60 anos ou mais, essa proporção sobe para 56,1%. Essa vantagem é neutralizada, contudo, por outros fatores, sendo ainda desigual a luta pela fixação de novos lugares num cenário onde quem sempre mandou foi o macho. (Foto)

Sentimentos em derrapagem

Custa a crer que seja levada em conta de uma vitória, em pleno decorrer do século 21, a chegada, com alvíssaras, da Lei Maria da Penha (lei 11.340), de 7 de agosto de 2006, que passou a tratar com rigor a violência no lar, banalizada pela Lei 9099, de 1995, e que tratava o assunto da mesma forma como uma briga de gangue ou um acidente no trânsito.
Com o novo diploma, o agressor pode parar na cadeia em 48 horas, caso seja denunciado e a delegada entender que a medida é cabível. Pela nova legislação, o agressor não pode pagar a pena apenas com cestas básicas, passando a sofrer, também, medidas restritivas, através da prestação de serviços ou a suspensão do porte de armas, por exemplo. A Lei Maria da Penha homenageia uma mulher vítima de violência e que ficou paraplégica depois de sofrer tentativas de homicídio, certa vez por eletrocussão e outra por afogamento. Penha levou 11 anos para ver o marido punido e condenado a apenas dois anos de prisão.
Noutro aspecto, em especial no Nordeste, verificam-se situações constrangedoras, por absoluta falta de oferta de oportunidades, a partir da negação da educação, dificultando a inserção da mulher no mundo do trabalho, para citar apenas um dilema.
Se é possível verificar que as grandes cidades do Terceiro Mundo não estão mais crescendo empurradas pela demanda por mão-de-obra, mas se dilatando pela reprodução da miséria, sem uma resposta adequada do poder público, em nosso mundinho, isto se complica quando interagimos no nosso meio, onde as "não-pessoas", tradução da expressão inglesa "non-person" - ou seja, no caso brasileiro, os excluídos da benesses sociais - pululam, cada vez em maior número, à nossa volta. (Foto: http://organic.typepad.com/photos/uncategorized/louis.jpg)

Sentimentos em derrapagem



Nesse sentido, ao observarmos com exclusividade o nosso Rio Grande do Norte, constatamos que a privatização do Estado por uma dúzia de famílias nos remete a situações de completo desvario. Que destino ou aspirações podem ter, em nosso meio, crianças, adolescentes e jovens do sexo feminino, se a família no poder reproduz com quase fidelidade o que fez o ditador Fulgêncio Batista com Cuba, quando se apoderou da ilha, tomando-a para si - transformando o país numa mescla de inferno - para os cubanos - e cassino e bordel - para os turistas estrangeiros?
Ser socialista, é preciso que se diga, tem algo a ver com a presidente do Chile, Michelle Bachelet, 54 anos, que luta para melhorar o modelo chileno, a fim de que a riqueza chegue a todos. Primeira mulher presidente do Chile, ela nomeou um ministério com o mesmo número de homens e mulheres. Num país que era o mais conservador da América Latina, onde o divórcio ficou proibido até 2004 e filmes eram censurados, a presidente não foi batizada, é agnóstica e nunca se casou no religioso. "Sou mãe solteira", costuma dizer.

Sentimentos em derrapagem

Já entre nós, no Brasil, país com maior número de assassinatos, onde 45 mil pessoas são mortas todos os anos por arma de fogo, embora a população feminina carcerária continue sendo pequena - 4,8 por cento dos 330.000 presos brasileiros -, em São Paulo e no Rio, as mulheres presas já representam mais de 6 por cento do total. Segundo a ONU, 48 por cento das mulheres presas foram condenadas por tráfico de drogas, contra menos de 20 por cento dos homens presos, situação que se agravou depois de 1990, quando foi promulgada a Lei de Crimes Hediondos - que incluiu o tráfico entre os crimes inafiançáveis sentenciados com regime fechado sem direito à progressão para regime mais brando.